O primeiro Dossier SCM é dedicado ao imobiliário industrial e logístico, que está a transformar-se no novo espelho da competitividade nacional: o investimento acelera, a procura mantém-se forte e o capital internacional volta a olhar para Portugal com atenção. Neste excerto, apresentamos a visão das principais consultoras sobre este mercado. 

Com a procura em alta, o solo escasso e o investimento a acelerar, o mercado imobiliário industrial e logístico tornou-se um dos barómetros mais sensíveis da economia portuguesa. O setor avança, mas o território — e a burocracia — ainda tentam acompanhar o ritmo. À medida que cresce a procura por novos espaços industriais e plataformas logísticas, o desafio é claro: transformar o tempo e o território em fatores de competitividade.

Durante décadas, a logística foi vista como um subproduto da indústria. Um segmento necessário, mas pouco atraente para investidores e promotores. Esse tempo acabou. Hoje, a logística é motor de transformação do mercado imobiliário português, impulsionada por novas cadeias de abastecimento, pela digitalização e por operadores internacionais que exigem padrões de qualidade e eficiência idênticos aos dos mercados mais maduros da Europa.

A mudança começou lentamente, mas consolidou-se nos últimos cinco anos. O que antes era um mercado quase exclusivamente built-to-suit — com projetos feitos à medida de um cliente específico — evoluiu para uma fase em que os promotores constroem primeiro, confiantes de que a procura surgirá antes da conclusão da obra. A nova palavra de ordem é “produto de qualidade”, e o mercado responde com investimento especulativo, armazéns de última geração e certificações ambientais que já são obrigatórias   para atrair inquilinos de topo.

Este ciclo de maturação é confirmado pelos principais players do setor — Savills, JLL, Dils, Cushman & Wakefield, CBRE e B.Prime —, que partilham uma visão convergente: o país entrou definitivamente na rota do investimento logístico internacional, mas o crescimento futuro dependerá da capacidade de criar solo disponível, acelerar licenciamentos e modernizar um parque industrial envelhecido.

“A necessidade principal do mercado é clara: mais produto de qualidade”

O paradigma do mercado imobiliário industrial e logístico em Portugal foi mudando com o tempo, nomeadamente no que diz respeito à procura e oferta dos espaços. Inicialmente eram construídas plataformas à medida de um determinado cliente. Hoje em dia, são os clientes que procuram as infraestruturas já edificadas.

Tiago Cortez, I&L Capital Markets associate da Savills, considera que esta nova realidade é “um sinal muito positivo no mercado”, e explica esta mudança, bem como o que está por detrás dela. “Uma plataforma logística requer um investimento de enorme escala. Nessa medida, até há relativamente pouco tempo, os investidores apostavam, sobretudo, em projetos built-to-suit – concebidos para responder às necessidades específicas de determinado inquilino – e, desta forma, mitigavam o risco do seu investimento. Havia pouco capital disponível, o que motivou uma escassez quase absoluta de novo produto no mercado. Só há cerca de cinco anos é que começaram os investimentos designados como especulativos, ou seja, quando o investidor avança com a obra sem garantia prévia de inquilino. E, sem grande surpresa, todos os projetos que avançaram dessa forma, conseguiram acordos pre-let antes de terminar a obra em praticamente toda a área locável”. 

Portanto, o novo paradigma é este: uma elevada procura por espaços logísticos de qualidade, num mercado que oferece produtos que já não correspondem aos padrões de qualidade e eficiência exigidos pelas operações atuais. “Hoje existe capital disponível para investir em produto A-Grade Standard – que responde, de forma consistente, às necessidades da maioria dos operadores logísticos – o que representa uma forte demonstração de confiança dos grandes investidores no mercado logístico português. Tal não invalida, contudo, a continuação de projetos built-to-suit, destinados a necessidades muito específicas de determinados operadores”, refere.

Atualmente, as operações logísticas obedecem a padrões de exigência muito mais elevados, segundo Tiago Cortez. Neste setor, em Portugal, a eficiência é crítica e o mercado está cada vez mais competitivo, pelo que, a localização e a qualidade dos ativos são fatores considerados determinantes pelo responsável. Mas há uma ressalva, que se prende com uma escassez de “produto de qualidade”. “A maioria do stock encontra-se envelhecida e apenas 15% corresponde a produto Grade A. Este valor é bastante inferior ao observado em mercados maduros, onde a proporção é, precisamente, o inverso. Assim, a necessidade principal do mercado é clara: mais produto de qualidade.” De acordo com Tiago Cortez, vários armazéns logísticos em Portugal têm mais de 25 anos, apresentam pé-direito baixo, fraca manutenção e características desajustadas às exigências atuais. “Sem investimento significativo, estima-se que, até 2027, dois terços do parque logístico passem a ser classificados como Grade C, ou inferior”, afirma. 

Como a “revolução paradigmática” remodelou o setor

Por parte da JLL, Tomás Bonifácio, head de Industrial & Logistics Leasing, caracteriza esta transformação no mercado como “uma verdadeira revolução” após ter estado estagnado durante duas a três décadas. “O mercado industrial e logístico português viveu um prolongado período de subinvestimento e de ausência de projetos inovadores, o que resultou numa oferta desatualizada e desadequada às necessidades contemporâneas”. Considera ainda que o ponto de viragem ocorreu após a pandemia, quando a procura global se intensificou. “As empresas, sobretudo do setor logístico, mas também do setor industrial, começaram a exigir espaços dinâmicos com especificações técnicas modernas, melhores condições estruturais ao nível da altura útil, sistemas de carga e descarga e acessibilidades, certificações ambientais que lhes permitissem cumprir as métricas de sustentabilidade corporativa, e ainda flexibilidade operacional para responder às flutuações do mercado”, explica. Consequentemente, a resposta dos promotores foi investir no desenvolvimento especulativo de plataformas modernas perante uma procura insatisfeita e a inexistência de produto adequado. “Identificaram uma oportunidade clara, a ausência de produto atualizado, e criaram uma oferta que até então não existia, transformando, de forma radical e dinâmica, o setor, que passou do modelo build-to-suit para build-to- stock.”                                                                                                                            

Esta “revolução paradigmática”, como afirma o responsável, desencadeou transformações profundas que mudaram por completo este setor. Uma delas é uma “profissionalização acelerada” através da entrada de promotores internacionais e fundos de investimento especializados que vieram pôr fim ao subinvestimento. Passaram a ser adotados padrões europeus contemporâneos, como uma maior altura útil, cargas mais elevadas, múltiplas docas e sistemas automatizados. A geografia industrial também se reconfigurou, com a emergência de novos clusters logísticos em localizações estratégicas. Paralelamente, a integração digital ganhou destaque, com a implementação de tecnologias IoT, sistemas de gestão inteligente e soluções de automação que até então não existiam. Por último, a sustentabilidade passou a ser “um requisito incontornável”, com certificações BREEAM e LEED a tornarem-se obrigatórias.

Quanto aos desafios deste setor, Tomás Bonifácio indica que estão fortemente ligados a décadas de subinvestimento, o que se traduz na necessidade de substituir ou modernizar um stock edificado maioritariamente obsoleto. Ainda assim, destaca outros como a pressão regulamentar, a escassez de solo qualificado em localizações prime, a carência de infraestruturas de suporte para tornar as áreas funcionais, e a competição inter-regional em que diferentes polos industriais disputam o mesmo conjunto de potenciais ocupantes. Em paralelo, as oportunidades são “igualmente históricas” para o head de Industrial & Logistics Leasing. Destaca zonas em desenvolvimento capazes de dar resposta a diferentes necessidades operacionais. 

“Um mercado logístico salutar, vivo e recomendável”

Para Nuno Esteves, head of Industrial, Logistics & Data Centers da Dils Portugal, a mudança do paradigma do mercado industrial e logístico foi motivada por três vetores: a construção residual de ativos adequados verificada entre, sensivelmente, 2007 e 2017; a evolução do e-commerce, que obrigou a repensar a cadeia de distribuição; e o período da pandemia. Desde então, houve mudanças estruturais que foram ocorrendo no mercado imobiliário industrial e logístico em Portugal. O responsável destaca a entrada de inquilinos prime, que potencia a criação de valor e a atração de capital mais institucional, e o melhoramento das infraestruturas no nosso país, desde os portos até às redes rodoviárias. No entanto, considera que é também nestas infraestruturas que reside um dos maiores desafios, nomeadamente no desenvolvimento da ferrovia que permita a criação de “soluções intermodais verdadeiramente eficientes”, e que reduzam os custos de transporte, os veículos na estrada, e a otimização de rotas. “A par desta dinâmica, é necessária a evolução constante dos portos e aeroportos, que permitam aos operadores logísticos a redução dos seus custos operacionais”, acrescenta. 

Por sua vez, a área imobiliária também terá de evoluir, segundo Nuno Esteves. “Não basta desenvolver mais metros quadrados de forma desorganizada sob pena de estarmos a cometer os mesmos erros do passado. Devem ser entendidos os fatores críticos de sucesso do imobiliário logístico, e o que estrategicamente se pretende alcançar”. Desta forma, apela à criação de zonas logísticas “criteriosamente desenvolvidas para o efeito”, facilitando o processo para operadores, otimizando recursos que se traduzem “numa cadeia de abastecimento mais eficiente, num mercado mais líquido e, desde logo, mais atraente para operadores, promotores e investidores”. Além disso, as empresas imobiliárias deverão acompanhar e antecipar as dinâmicas da evolução digital. “Num cenário em que a escassez de mão de obra, a eletrificação das frotas e a redução da pegada carbónica são temas muito atuais e presentes nos operadores logísticos, evoluir nestes pontos torna-se crítico para que tenhamos um mercado logístico salutar, vivo e recomendável”, afirma o head of Industrial, Logistics & Data Centers. 

Procura seletiva e oferta escassa

“O mercado tem vindo a evoluir para projetos especulativos, ou seja, desenvolvimentos sem garantia prévia de inquilino”, começa por dizer Sérgio Nunes, head of Industrial, Logistics & Land da Cushman & Wakefield. Complementa que esta tendência reflete a “forte dinâmica atual”, impulsionada pelo aumento da procura por armazéns modernos, com padrões de qualidade elevados, certificações ESG, maior volumetria e localizações mais competitivas face ao stock existente. “As empresas privilegiam espaços funcionais, que lhe permitam expandir dentro do próprio parque ou em terrenos adjacentes, e que estejam situados em áreas de fácil acessibilidade, fora das zonas de maior congestionamento”, refere. Assim, indica as zonas de Benavente, Alcochete e Aveiras como localizações emergentes para a nova procura. Além desta transformação de paradigma, o responsável destaca outras mudanças estruturais no mercado imobiliário logístico e industrial em Portugal, nomeadamente operações de maior escala, a receção de mais indústria, ativos mais profissionalizados e cadeias de abastecimento redesenhadas.

Quanto à procura, Sérgio Nunes considera que se mantém sólida, mas mais seletiva, sendo dominada pelos operadores logísticos. “Depois do recorde de 2024, 2025 regista algum abrandamento, mas será, certamente, um ano bom”, acrescenta. No que diz respeito à oferta, a de produto prime “continua escassa” e é “absorvida rapidamente”, mantendo as rendas estáveis.

Estima que, após os níveis de ocupação de 2024, se estabeleça uma fase de normalização, acompanhada por ligeiras subidas nas rendas. No entanto, a médio prazo, deverá verificar–se um maior equilíbrio entre a oferta e a procura com a valorização dos ativos modernos, eficientes e sustentáveis. “As próximas transações irão consolidar um novo patamar de mercado, dominado por armazéns de última geração”, complementa. Para o futuro, perspetiva um crescimento contínuo da procura por armazéns destinados ao e-commerce.

A maioria do parque logístico em Portugal é antigo

Nuno Torcato, diretor of Industrial & Logistics da CBRE encara a mudança de paradigma como um “reflexo direto da maturidade do mercado, e do aumento da confiança dos investidores”. Vários dos promotores desapareceram devido à crise financeira que se instalou em Portugal até 2014. A escassez de oferta, limitada a projetos com ocupação garantida, foi a consequência. O período após a pandemia alterou esta dinâmica, impulsionado pelo crescimento do e-commerce e pelas consequentes mudanças nos hábitos de consumo. “A necessidade de espaço de armazenamento aumentou exponencialmente, impulsionando a procura por espaços logísticos”, explica. E, assim, foram atraídos investidores nacionais e internacionais para este setor. “A entrada de novos players, com maior apetite por ativos, permitiu o desenvolvimento de projetos especulativos que, apesar de ainda insuficientes, começaram a dar resposta à procura.” 

A qualidade dos ativos é um ponto de acordo com os interlocutores referidos anteriormente. “A grande maioria do parque logístico em Portugal é antigo e não apresenta as características requeridas por uma logística moderna”, afirma Nuno Torcato. Nos últimos anos é que se tem vindo a assistir a novos projetos com características que antes não existiam nas infraestruturas em Portugal, nomeadamente ao nível da altura do edifício, números de cais de carga, ou ainda ter em consideração a sustentabilidade ambiental. Atualmente, tem-se intensificado a procura por edifícios logísticos com certificações ambientais. 

O responsável indica que, na CBRE Portugal, estão a identificar, de momento, uma procura de mais de 600.00 m2, que não está a ser correspondida. “Com uma taxa de disponibilidade de 1% – 2% nas principais zonas em Lisboa e no Porto (a média na Europa está perto dos 5%) precisávamos de criar condições para acelerar o desenvolvimento de novos projetos que permitissem dar resposta a esta procura”, sustenta. Desta forma, considera que o maior desafio deste setor é a falta de espaços disponíveis. “Apesar de, nestes últimos três anos, alguns novos projetos especulativos terem chegado ao mercado, a verdade é que mais de 80% dos mesmos foram arrendados ainda durante a fase de construção, o que prova a forte dinâmica da procura. O grande desafio está do lado da oferta e, mais uma vez, na dificuldade de se desenvolverem novos projetos.” 

“Uma peça central na competitividade económica do país”

Além da passagem do modelo built-to-suit para projetos desenvolvidos de forma especulativa, o mercado imobiliário industrial e logístico em Portugal sofreu uma transformação profunda. “Assistiu–se a uma forte internacionalização com a entrada de fundos e promotores globais, que trouxeram capital, know-how e padrões de qualidade alinhados com os principais mercados europeus”, quem o diz é Luís Reis, head of Industrial & Logistics da B.Prime. Acrescenta que, paralelamente, verificou-se uma maior concentração em localizações estratégicas, como Lisboa, Porto ou os principais eixos rodoviários e portuários. Destaca ainda a integração de critérios ESG – com operadores e investidores a privilegiarem armazéns certificados e energeticamente eficientes –, e o desenvolvimento de soluções logísticas de proximidade orientadas para a última milha, espoletadas pelo crescimento do e-commerce. “A institucionalização do setor tornou os ativos logísticos numa classe de investimento estável e atrativa, aumentando a liquidez do mercado, e elevando os níveis de exigência em termos de qualidade, sustentabilidade e tecnologia. Deixou de ser um segmento secundário do imobiliário para assumir uma peça central na competitividade económica do país”, afirma.

No entanto, indica que o mercado imobiliário e industrial em Portugal enfrenta, atualmente, várias “necessidades críticas”. Defende que a principal é o aumento da oferta moderna, sobretudo em Lisboa e no Porto, onde a procura é maior do que a oferta. Paralelamente, cresce a exigência por soluções de última milha, difíceis de concretizar devido à escassez de terrenos urbanos. “Também a flexibilidade e a rapidez de ocupação são essenciais, assim como a modernização tecnológica dos armazéns para responder à automação e digitalização.” 

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