É comum vermos empresas que se apresentam como defensoras do bem-estar dos colaboradores. Falam de respeito, cultura inclusiva, empatia… mas será que isto se verifica quando as coisas não correm como era expectável?

A realidade é que, em muitos casos, a consideração e o reconhecimento só existem enquanto o colaborador está em linha com as lideranças. Basta uma opinião diferente, uma dificuldade ou um momento de desacordo para que tudo mude — e o que antes era “cuidado” transforma-se em distanciamento ou até em atitudes penalizadoras.

Tratar bem e valorizar não é só oferecer benefícios, organizar eventos ou dar “palmadinhas nas costas”. É escutar, apoiar e manter a dignidade do outro, mesmo quando existem divergências. É reconhecer que os colaboradores são pessoas, não apenas recursos.

Esta incoerência entre discurso e prática não é apenas incompatível com os princípios que se afirmam, é também prejudicial. Gera ambientes de trabalho tóxicos, semeia desconfiança e mina a motivação das equipas. As pessoas deixam de se sentir à vontade para serem autênticas, para inovar ou para contribuir com ideias. O medo substitui o entusiasmo, e o conformismo passa a ser o “novo normal”.

É nesta contradição que reside um dos paradoxos mais visíveis na supply chain atual: por um lado, empresas que se queixam da falta de pessoas, da dificuldade em atrair talento para a logística, os transportes ou os armazéns e, por outro, práticas que continuam a afastar quem já está dentro ou quem ponderava entrar. 

O setor fala (e bem!) de inovação, automação, eficiência, mas às vezes esquece o essencial: as pessoas não querem apenas trabalhar. Querem pertencer, contribuir e ser tratadas com respeito, especialmente nos momentos de pressão. E são tantos nesta área!

A escassez de talento na supply chain não se resolve apenas com anúncios mais apelativos, com subsídios de turno ou com slogans motivacionais. Resolve-se com ambientes onde vale a pena ficar, crescer e contribuir. Onde o discurso de “equipa” se mantém, mesmo quando há divergências ou dificuldades. Onde o cuidado com as pessoas não depende da performance do trimestre.

As empresas que realmente valorizam as suas pessoas fazem-no nos bons e nos maus momentos. Porque é aí que se revela a verdadeira cultura. Não nos slogans das redes sociais, mas nas atitudes do dia a dia.

Se queremos ambientes de trabalho saudáveis — e equipas motivadas e duradouras — precisamos de coerência entre o que se diz e o que se faz.
Está na altura de deixarmos de usar o bem-estar como verniz e começarmos a usá-lo como cimento da cultura organizacional.

Só assim poderemos atrair e manter pessoas que querem mais do que um emprego: querem respeito, verdade e propósito.

Bernardo Guinea, Supply Chain Manager