Com um número recorde de 2.722 expositores de 73 países e mais de 77.000 visitantes de 130 nações, a edição de 2025 da transport logistic, realizada em Munique, voltou a confirmar a sua posição como a maior e mais influente feira de logística do mundo. A participação portuguesa também bateu recordes: 40 empresas marcaram presença, ocupando uma área total de 760 m².

Numa altura em que a cadeia de abastecimento global enfrenta desafios constantes, a feira destacou-se pelos seus focos temáticos: digitalização, sustentabilidade e inteligência artificial. Realizada em conjunto com a Air Cargo Europe, a feira expandiu a sua área para 150.000 m², refletindo o crescimento e a relevância contínua do setor. O peso da componente internacional também aumentou, com 65% dos expositores a virem do estrangeiro, reforçando o papel da feira como um hub verdadeiramente global.

Na transport logistic, tudo é grande. Da área total da feira à dimensão imponente de muitos dos stands, passando pelo investimento expressivo que tantas empresas realizam para ali marcar presença. Grande é também a massa humana que se concentra à entrada, esperando o momento em que as portas se abrem. E grande é, sem dúvida, o número de passos que cada visitante contabiliza ao fim do dia — num espaço onde, numa só visita, é possível cruzar-se com os principais protagonistas da cadeia de abastecimento global, de uma ponta à outra.

Se dúvidas houvesse, bastava um olhar atento para perceber: estamos a falar de áreas de atividade que movimentam, de facto, muito dinheiro. Essa realidade torna-se evidente tanto na escala dos investimentos feitos para estar presente na feira, como na intensidade das ações de comunicação e marketing que ali se desenrolam. É uma montra onde se negoceiam contratos, testam-se ideias e mede-se a pulsação real do setor.

Setor em transformação estrutural

Ao longo dos quatro dias, ficou claro que a logística está a atravessar uma transformação estrutural. Desde sistemas autónomos e plataformas inteligentes, passando por soluções baseadas em IA generativa e cibersegurança, até à emergência de novos modelos de parceria e inovação colaborativa, a transport logistic 2025 serviu de montra e fórum de debate para as tendências que estão a moldar o futuro das cadeias de abastecimento.

“A feira evidenciou a transição do setor para uma lógica mais digital, sustentável e orientada pela inovação”, destacou Stanislas Brun, Chief Cargo Officer da Etihad Cargo.

Também Tobias Jerschke, CEO da Kuehne+Nagel, sublinhou: “Em tempos de volatilidade extrema, este evento mostra-se mais do que nunca como uma plataforma de referência – impulsionando inovação, ligação ao cliente e networking estratégico.”

Um dos grandes destaques desta edição foi o crescimento da Air Cargo Europe, que ocupou dois pavilhões inteiros — sinal claro da importância estratégica crescente do transporte aéreo de mercadorias. Seja no e-commerce, na saúde ou nas entregas urgentes, a carga aérea continua a ser vital para a fluidez global.

“É aqui que todos os intervenientes da cadeia se encontram com uma qualidade e diversidade únicas”, disse Markus Heinelt, responsável pelo desenvolvimento de carga no Aeroporto de Munique.

“A carga aérea é essencial para manter a Holanda ligada ao mundo – social e economicamente”, reforçou Arthur Reijnhart, da Schiphol Commercial.

Mais do que números, o que distingue a transport logistic é a qualidade das interações e a profundidade das discussões promovidas nas várias manifestações paralelas. O evento reuniu decisores de topo de toda a cadeia logística — marítima, terrestre, aérea e intermodal — que participaram em reuniões estratégicas, sessões de debate e partilha de experiências orientadas para a ação.

“Esta feira é imprescindível para reforçarmos relações com clientes e parceiros. A qualidade das conversas foi excecional”, apontou Tobias König, CCO do grupo Rhenus.

Também Dr. Frank Albers, da KRONE Trailer, deixou claro: “É mais do que uma feira – é um verdadeiro ponto de encontro estratégico do setor”.

A rota turbulenta da logística europeia

Os comboios não chegam, os camiões não andam e os jovens não se interessam. Esta poderia ser a síntese, algo provocadora, do estado atual da logística europeia, exposto de forma clara e crua durante a transport logistic 2025, em Munique. Em plena encruzilhada entre ambição digital, desafios físicos e escassez humana, os líderes do setor não escondem a urgência: é preciso repensar modelos, reconquistar talentos e, sobretudo, garantir que a carga continue a fluir – mesmo quando tudo parece estar a travá-la.

“O comboio está parado em Kassel, mas era suposto estar em Kiefersfelden.” A frase de Georg Dettendorfer, da Dettendorfer Spedition, poderia ilustrar um caso pontual, mas traduz uma realidade sistémica que está a viver-se no corredor Alpino. A travessia entre a Alemanha e a Áustria tornou-se um verdadeiro campo de obstáculos logísticos, seja pela escassez de slots ferroviários, seja pelos bloqueios rodoviários. “O cenário é catastrófico”, resumiu Dettendorfer. Os seus motoristas estão a abandonar o setor: “Eles querem conduzir, não estar parados.” E mesmo quem aposta firmemente no transporte combinado, como a LKW Walter, admite que a situação está no limite. “Os desafios nunca foram tão grandes”.

A resposta, defendem vários oradores, passa por cooperação reforçada entre operadores, partilha de capacidade ferroviária, flexibilização dos modelos de transporte combinado (como a isenção de portagens no pré e pós-transporte), e aposta na eletrificação, aproveitando as exceções à proibição de circulação noturna no Tirol.

Não são apenas as vias que estão congestionadas. O recrutamento também está. A Alemanha tem hoje um défice estimado de 70 mil motoristas, com tendência de agravamento. O projeto de investigação LeitFahr, conduzido pelo Fraunhofer IIS, analisou minuciosamente o quotidiano dos motoristas de transporte local e identificou 275 fatores de stress – a maioria internos às empresas.

Desde falhas na comunicação e ausência de processos estruturados, até à má qualidade dos equipamentos e documentação incompleta, são muitos os obstáculos que desmotivam quem já está no setor. A boa notícia? “Muitos desses problemas podem ser resolvidos com mudanças simples”, afirmou Nicole Lubecki-Weschke, do Fraunhofer. E essas mudanças, segundo o professor Michael Krupp, da Universidade de Ciências Aplicadas de Augsburgo, “não só retêm talento, como aumentam eficiência operacional”.

Casos como o da Ansorge Logistik ou da Andreas Schmid Logistik mostram que é possível reverter a tendência. Através de ações tão diversas como reuniões regulares com motoristas, snacks gratuitos às quintas-feiras, cabinas modernas, informação multilingue e formação interna, estas empresas estão não só a manter os seus motoristas, como a formar listas de espera. “Não movemos montanhas”, diz Lina Jahn, da Andreas Schmid, “mas são os pequenos gestos que fazem a diferença.”

Só que o futuro da logística depende também de quem ainda nem entrou. E, atualmente, os jovens da Geração Z têm uma perceção quase nula do setor. “Não têm imagem, não têm ligação, não têm ideia nenhuma!”, afirmou Lucas Fischer, da agência TransLog Marketing. Os números apresentados confirmam o alerta: os contratos de formação para profissionais de logística e motoristas caíram 9% e 12%, respetivamente, em 2024. A concorrência com áreas como saúde ou retalho é feroz e os métodos tradicionais de recrutamento já não funcionam.

A aposta nas redes sociais, especialmente no TikTok, começa a mostrar resultados, mas não basta. “É preciso mostrar o propósito, o impacto e a modernidade da profissão”, disse Roland Rüdinger, que transformou os camiões da sua empresa em suportes de comunicação visual para atrair jovens.

A recomendação final dos especialistas foi clara: “Just go for it.” A urgência já não permite hesitações. Se a logística quiser continuar a mover o mundo, terá de continuar a atrair e mover pessoas, dentro e fora.

eFTI: digitalizar para simplificar

A partir de julho de 2027, entra em vigor o regulamento europeu que obriga as autoridades a aceitar documentação de transporte digital. Mas será a cadeia logística europeia capaz de acompanhar? E que papel terão o transporte combinado e a inteligência artificial num futuro cada vez mais digital e descarbonizado?

Na edição de 2025 da Transport Logistic, o palco foi dado à digitalização, à inteligência artificial e à intermodalidade como peças centrais na reinvenção da mobilidade logística europeia. Três grandes frentes destacaram-se nos debates: a chegada do regulamento eFTI, a urgência da modernização do transporte combinado e o papel crescente da IA no transporte ferroviário de mercadorias.

A contagem decrescente já está em curso: a partir de julho de 2027, todas as autoridades de controlo nos Estados-membros da UE devem aceitar dados digitais obrigatórios relativos ao transporte de mercadorias, desde que fornecidos segundo o formato regulamentado. É o passo mais firme até à data rumo à digitalização legalmente vinculativa no setor.

A regulamentação eFTI — fruto de mais de seis anos de trabalho da Comissão Europeia — foi apresentada em detalhe por Lia Potec, Policy Adviser da Comissão, que demonstrou confiança no progresso do projeto: “Estamos dentro dos prazos. O sistema estará operacional a tempo.”

A Alemanha integra o projeto-piloto eFTI4EU, ao lado de oito outros Estados-membros e 22 parceiros. A prioridade: harmonizar a operação dos chamados “portões eFTI” — interfaces digitais nacionais para acesso à rede europeia. Apesar dos avanços, a preparação por parte das empresas ainda é desigual, e a fragmentação dos sistemas é um obstáculo à interoperabilidade, como destacou Ulrich Mann, da GBK Trusted Partner GmbH.

O transporte combinado rodovia-ferrovia continua a ser uma solução estratégica para reduzir emissões e aliviar a pressão sobre a estrada. Mas enfrenta desafios operacionais importantes. Armin Riedl, CEO da Kombiverkehr, apontou a baixa pontualidade dos serviços (apenas 50%) e os impactos negativos das obras em corredores ferroviários, que muitas vezes implicam encerramentos totais e custos adicionais. “Estamos a pagar mais por um serviço de qualidade inferior,” criticou.

Apesar disso, operadores como a Kombiverkehr e empresas como a Amazon vêem na ferrovia uma via indispensável para os fluxos europeus. “Facilitar a transição entre estrada e ferrovia é essencial,” afirmou Spyros Kalpogiannis, da Amazon Transportation Services.

IA: vantagem competitiva… ou obstáculo adicional?

A inteligência artificial está a tornar-se um fator competitivo decisivo no transporte ferroviário de mercadorias, mas o caminho ainda está longe de ser simples. Este foi o foco do debate promovido pela Rail Business, com representantes da DB Cargo, Rhein Cargo, Everysens e Fraunhofer IML. Todos concordam: os dados são abundantes, mas transformá-los em decisões operacionais eficazes é o verdadeiro desafio.

Agnes Eiband, investigadora sénior no Fraunhofer IML, apresentou números impressionantes: “Em 2025, o volume diário de dados será de 463 exabytes.” Para dar sentido a esta avalanche de informação, o instituto desenvolveu soluções como o Omnistics, uma plataforma que oferece previsões sobre volumes e custos logísticos e até um assistente operacional por chat baseado em IA, treinado com dados internos da empresa.

Entre os casos apresentados, destacam-se a inspeção visual de vagões por vídeo, com registo automático das condições e dados do veículo e o Projeto Kirbi, que recolhe dados de sensores em tempo real e oferece recomendações automáticas para planeamento de transportes, pessoal e via.

Arlene Bühler, CIO/CDO da DB Cargo, lembrou que a complexidade normativa e técnica da operação transfronteiriça é um dos principais entraves: “Cada país tem os seus próprios sistemas e normas. É um desafio enorme uniformizar os dados.” A executiva destacou ainda o projeto Digital Automatic Coupling (DAC), que promete não só aliviar o esforço físico dos trabalhadores na acoplagem manual, como criar canais de dados ao longo do comboio, permitindo deteção de falhas e gestão proativa.

Caroline Calmund, da Rhein Cargo, acredita que a IA será “um fator competitivo absolutamente crucial nos próximos anos”, sobretudo num contexto de escassez de mão de obra qualificada e reforma iminente de quadros experientes. “A IA pode ajudar a preservar o conhecimento acumulado nas empresas.”

Pélagie Mepin-Koebel, da Everysens, lembrou que a ferrovia está bastante atrás da rodovia em termos de digitalização: “o Excel ainda reina”, e destacou a dificuldade de obter dados das operadoras para alimentar os sistemas de planeamento inteligente.

Transversal a todos os intervenientes está a preocupação  em garantir a proteção de dados e a cibersegurança, bem como de envolver os colaboradores desde o início, para evitar resistências e receios quanto à substituição humana por algoritmos.

A convergência entre digitalização, inteligência artificial e intermodalidade está a redesenhar o futuro da logística europeia. O regulamento eFTI poderá ser o motor regulatório desta transformação, a IA o seu cérebro operacional, e o transporte combinado a sua espinha dorsal sustentável. Mas, entre o potencial e a realidade, permanece um abismo de integração, normalização e vontade de mudança. A mobilidade de mercadorias na Europa está a acelerar. A questão é: estará o setor pronto para acompanhar? A rota para 2030 está traçada só que, para lá chegar, será necessário mais do que tecnologia: será preciso visão, cooperação e capacidade real de execução.

A edição de 2027 da transport logistic já tem data marcada: será de 26 a 29 de abril.