Desde que a inflação se começou a sentir em maior peso que o retalho alimentar tem enfrentado grandes desafios, e se 2023 já foi um ano fora do normal, 2024 também não fugirá à regra.

Mais ou menos idas aos supermercados? Carrinho a longo ou a curto prazo? Proximidade ou variedade? Promoções ou necessidade? A forma de agir dos consumidores está em constante mudança, e dependendo dos contextos socioeconómicos de cada região em cada momento, as próprias pessoas acabam por mudar os seus hábitos.

Tendo isto em conta, procurámos saber junto dos responsáveis do retalho alimentar em Portugal, quais os desafios sentidos para 2024, os investimentos que têm em curso, quais as tendências e os novos desafios que antecipam para os próximos anos, e como pensam enfrentar estas mudanças.

Aldi Portugal
-Desafios
Ao nível dos desafios, a Aldi Portugal espera que “não sejam substancialmente diferentes daqueles que tivemos no ano transato”, explica André Fradinho, managing director supply chain da Aldi Portugal. Olha para os desafios proativamente, e considera que “temos de estar preparados para dar resposta a imprevistos que possam impactar o mercado – como disrupções na cadeia, motivadas por eventos imprevisíveis, como a recente crise no Mar Vermelho, que já trouxe consigo impactos relevantes -, mas também às tendências”.

Neste sentido, identifica algumas destas tendências para o ano que agora se inicia: a experimentação, e consequente implementação gradual de tecnologias emergentes, tais como Inteligência Artificial ou Automação, que podem ser aplicadas em projetos com ROI’s cada vez mais interessantes; a sustentabilidade, área em que são constantemente desafiados a encontrar soluções que visam reduzir a pegada de carbono das suas atividades; e o desenvolvimento de um mercado – o do retalho alimentar – que se torna cada vez mais competitivo, o que “faz com que a ALDI, enquanto verdadeiro discounter, se foque ainda mais no seu ADN original, isto é, na procura incessante pela excelência operacional, que tanto caracteriza a nossa empresa desde a sua fundação”.

– Investimentos
A expansão da ALDI em território nacional continuará a ser uma das grandes apostas da retalhista, traçando ambiciosos planos para os próximos anos. “Queremos reforçar a nossa proximidade e presença nos centros urbanos e planeamos chegar à cidade do Porto num futuro próximo”, realça André Fradinho. Não obstante, procuram aumentar a sua cobertura por todo o território nacional, com especial foco nas regiões em que ainda não se encontram presentes e chegar a mais consumidores. “Contamos alcançar a meta das 200 lojas em Portugal no futuro, e já iniciámos o ano com uma primeira abertura, em Seia”, destaca.

Para além da expansão, têm em plano a reformulação do sistema de gestão de encomendas das lojas e centro de distribuição, “onde iremos passar a utilizar uma solução completamente integrada e com forecast centralizado”, destaca, estando ainda prevista “a implementação de inteligência artificial em alguns projetos de otimização alocados ao nosso centro de distribuição, assim como à gestão de stocks”.

– Estratégia
André Fradinho explica que para darem resposta às exigências que lhes vão sendo colocadas, a estratégia passa por continuarem sempre fiéis ao ADN de discounter, afirmando que “este conceito é a base do nosso modelo de negócio”.

“Estamos constantemente a trabalhar para oferecer produtos inovadores e de elevada qualidade aos nossos clientes e, simultaneamente, aos melhores preços”, afirma, tornando a eficiência operacional uma das preocupações da Aldi. “A nossa estratégia e as nossas operações concebidas para otimizar a poupança e a eficiência de custos, permitindo, deste modo, oferecer preços acessíveis aos nossos clientes, sem nunca esquecer a grande qualidade que caracteriza os produtos das nossas marcas próprias”.

Apolónia
– Desafios
Isabel Silvestre, diretora de operações do Supermercado Apolónia, aponta que o maior desafio é eliminar ou reduzir as ruturas de stocks. “Somos o supermercado onde os nossos clientes esperam encontrar tudo, pois somos conhecidos pela nossa variedade de produtos, mas a conjuntura atual tem apresentado alguns desafios para mantermos este compromisso com os nossos clientes”, explica.

O Algarve tem a peculiaridade de ser uma região muito sazonal, mas a responsável conta que “este cenário tem-se tornado cada vez mais imprevisível devido ao contexto internacional, influenciado por questões como a inflação, a perda do poder de compra nos principais mercados emissores de turismo para a região, as guerras, as alterações climáticas, a falta de matérias-primas, etc.”.

O Apolónia disponibiliza mais de 30.000 produtos diferentes, e devido a esta situação tem tido cada vez mais dificuldade em assegurar os stocks em loja.

“No entanto, queremos manter a nossa reputação e aquilo que nos distingue dos outros players do mercado e que é a nossa maior vantagem competitiva: os nossos elevados padrões de serviço ao cliente”, defende Isabel Silvestre, “temos investido em diferentes áreas para fazer face ao desafio das ruturas de stock e assim responder às necessidades dos nossos clientes”.

– Investimentos
Recentemente, a empresa investiu na ampliação do seu centro de distribuição em Estoi, aumentando a capacidade em cerca de 25%. “Isto vai permitir-nos armazenar mais produto, ajudando a contornar o desafio das ruturas de stock, mas também novos e mais produtos, como nos é tão característico”, explica a diretora de operações.

Em 2023 também implementaram um ERP que lhes permite “efetuar um trabalho cada vez mais exigente e preciso de forecasting, permitindo-nos ir ao encontro das expetativas dos nossos clientes”.

Outro dos investimentos do Apolónia foi na frota de camiões para o abastecimento das lojas. “Estamos a trabalhar para, em breve, fazer chegar os nossos produtos a todo o país, nas condições de preservação e níveis de qualidade a que os nossos clientes estão habituados, através das encomendas da loja online”, destaca Isabel Silvestre.

– Estratégia
“Sabemos que atuamos num setor bastante dinâmico e em constante evolução, com uma flutuação de tendências muito grande”, realça, “a nossa estratégia passa por nos mantermos fiéis aos nossos valores, onde o foco está na satisfação do cliente, ao mesmo tempo que fazemos uma criteriosa gestão dos nossos recursos humanos e tecnológicos”. Assim, contam com uma equipa dedicada para responder a esses requisitos, estando ainda empenhados em melhorar a experiência dos clientes em loja, tanto física como online.

Para além disso, Isabel Silvestre destaca a importância da gestão da relação com os parceiros e fornecedores, muitos deles de longa data, que lhes permitem continuar a ser competitivos e a responder à exigência dos seus clientes, afirma. “O nosso segredo está na criação de boas relações com todos os nossos stakeholders, e é com base nisso que temos superado todos os desafios até aqui e que pretendemos continuar a superar as exigências que vão surgindo”.

Coviran
– Desafios
Acácio Santana, diretor da Coviran em Portugal, considera que 2024 será um ano muito desafiante, tendo como principal dificuldade a diminuição do poder de compra da generalidade dos consumidores e, consequentemente, a diminuição do consumo. “Desde outubro do ano anterior que observamos em loja uma tendência nesse sentido. Esta redução do poder de compra leva ao consumidor a ter de fazer opções, passando a dar mais peso nas suas compras às promoções e às marcas próprias”, destaca.

Por outro lado, as promoções têm menos elasticidade porque os consumidores compram menos quantidades, e do ponto de vista da gestão, a maior venda de marca própria e promoções faz com que as lojas tenham menor rentabilidade, o que perante um aumento de custos crescente, sobretudo ainda com energia e com recursos humanos, traduz-se no desafio de melhorar a gestão. Assim, defende que “os retalhistas necessitam de um maior suporte por parte dos grupos aos quais estão ligados de forma mais ou menos abrangente”.

“Este é o nosso foco principal de momento, ou seja, a nossa prioridade é dar o melhor suporte global à operação das lojas e ao negócio como um todo”, explica Acácio Santana, dando uma melhor solução operativa de aprovisionamento às lojas, melhorando o nível de competitividade e sortido de produtos e, promovendo mais oportunidades de compra para os consumidores, pois a sustentabilidade das lojas Coviran é importante, e a continuidade do negócio depende destes.

– Investimentos
“No imediato, já estamos a fazer um investimento representativo ao nível da rentabilidade a favor da competitividade no ponto de venda”, revela o responsável, “também estamos já a instalar uma nova versão de software de gestão de ponto de venda, que vai melhorar a facilidade e qualidade de gestão”.

Ao nível da Coviran Central, estão a mudar o ERP, e ao nível da logística mais concretamente, revela estarem a equacionar a ampliação da capacidade de armazenamento na zona norte, e ainda ao nível do frio negativo.

– Estratégia
Ao nível da loja, Acácio Santana observa um maior número de atos de compra, mas de menor valor. “Estamos focados em aumentar o valor médio de compra”, através de uma melhor comunicação das oportunidades de compra, quer fora, como dentro da loja, aumentando a fidelidade dos clientes. O diretor revela ainda estarem a aumentar o sortido de produtos de Marca Coviran, principalmente na área de frescos e conveniência. Outra novidade será a renovação do programa de fidelização “Clube Família”, que ocorrerá nos próximos meses.

Uma das tendências que destaca é que o consumidor procura fazer compras menores e evitar lojas de grandes dimensões, como os hipermercados, e apostando nas lojas de proximidade. “Ainda que hoje em dia todos os operadores de distribuição queiram ser essa proximidade, procurando escoar mercadoria neste canal, a Coviran já era antes proximidade e continuará a saber ser… e proximidade não é só a localização e menor dimensão de loja, a proximidade é todo o conjunto global de uma loja”, afirma.

Ao mesmo tempo, Acácio Santana destaca o grande valor acrescentado que os seus associados conseguem passar, “ao serem realmente conhecedores e próximos dos nossos clientes, fruto do conhecimento da área onde estão implementados acrescentando aqueles produtos regionais e locais, para além da qualidade do atendimento”.

Mercadona
– Desafios
André Silva, diretor de comunicação da Mercadona Portugal, considera que 2023 “foi um ano bastante positivo para a Mercadona”, tendo aberto as 10 lojas que estavam previstas, totalizando assim 49 em território nacional. Ao mesmo tempo, destaca que neste ano que passou conseguiram chegar a novos consumidores e a novos distritos, e que hoje contam com uma equipa com mais de 5.000 colaboradores em Portugal.

– Investimentos
Um dos investimentos que têm em curso e que irá marcar 2024 é no Bloco Logístico de Almeirim, o maior do grupo Mercadona, resultado de um investimento de 225 milhões de euros e que irá criar aproximadamente 500 empregos.

– Estratégia
Um dos planos para 2024 é chegar a novos distritos, como o da Guarda, onde irão abrir a primeira loja em maio, e Évora, “e vamos fortalecer a nossa presença em distritos onde já temos lojas, como é o caso dos distritos de Lisboa e Porto”.

Das 10 lojas abertas no ano passado, quatro foram no distrito de Lisboa, três no do Porto, uma no de Setúbal, uma no de Braga e uma em Coimbra, e André Silva anuncia que “vamos continuar a abrir lojas ao mesmo ritmo dos últimos anos, reforçando os investimentos da empresa no país, além de criar novos empregos”.

Outros retalhistas
Apesar de não termos conseguido obter resposta de todos os retalhistas, é de conhecimento público alguns investimentos em território nacional.

No caso do Lidl, está em curso o investimento de 110 milhões de euros feito em Loures, para a construção de um armazém de 54.000 metros quadrados. Este novo entreposto logístico terá uma capacidade instalada para 44.000 paletes, 111 cais de cargas e descargas de mercadorias, e irá abastecer mais de 100 lojas, vindo dar suporte aos entrepostos de Sintra, Torres Novas, Palmela e, mais recentemente, Santo Tirso.

A Auchan Retail Portugal anunciou em agosto passado a compra da totalidade da operação do Grupo Dia no país por 155 milhões de euros. Este investimento carece ainda da aprovação da Autoridade da Concorrência que, apenas cinco meses depois, em final de janeiro, anunciou ter sido notificada pela retalhista.

No caso do Pingo Doce, por se tratar de uma empresa cotada em bolsa, não lhes foi possível responder às questões, sendo que em março serão conhecidos os resultados de 2023 e possivelmente também os investimentos para 2024. Sabemos, no entanto, que estão a fazer fortes investimentos ao nível da sustentabilidade, tendo recentemente atingido uma meta importante ao nível da descarbonização, ao conquistarem a quarta Estrela Lean & Green da GS1 Portugal, referente a uma redução carbónica superior a 55% das emissões de dióxido de carbono equivalente, no âmbito das respetivas operações logísticas e de transporte.

Nota: O artigo foi publicado na edição #49 da SCMedia News, que poderá ler AQUI.