O recente aumento da instabilidade na região do Mar Vermelho, desencadeado pelos ataques dos Houthis, está a ter repercussões significativas no comércio internacional, com impacto direto nas empresas portuguesas. Nos últimos dez dias, o tráfego de mercadorias no Canal do Suez registou uma queda de 28%, obrigando 3,1% do comércio mundial a alterar as suas rotas, conforme reportado pelo jornal ECO.

As gigantes do transporte marítimo, como CMA CGM, Maersk e MSC, decidiram suspender o tráfego na região devido aos ataques, gerando preocupações nas principais economias. Cerca de 30% do comércio global e 10% dos produtos petrolíferos transportados por via marítima passam pelo Canal do Suez, representando um bilião de dólares em bens anualmente.

O desvio de rotas para evitar o Mar Vermelho tem implicações sérias para as empresas portuguesas, resultando num aumento exponencial nos preços dos transportes e atrasos nas entregas de até 15 dias. O CEO da Portocargo, Mário de Sousa, estima que o preço dos contentores tenha triplicado desde o início desta crise, enquanto o desvio pelo Cabo da Boa Esperança acrescenta, em média, entre 12 a 15 dias ao tempo de trânsito.

Já Miguel Ángel de la Torre, vice-presidente da Ocean Freight Iberia, alerta para um atraso adicional de 10 a 13 dias nas entregas devido ao desvio pela rota mais longa. “Há impactos relacionados com questões de serviços, como atrasos na chegada das mercadorias aos mercados finais, e também uma questão de custos, decorrente do aumento dos custos das companhias de navegação devido a vários fatores que afetam os seus custos operacionais“. Contudo, “o mais relevante é mesmo a perturbação verificada nos circuitos de serviço das companhias de navegação, que têm agora de dispor de navios suplementares para compensar os tempos de trânsito mais longos, se quiserem manter a regularidade do serviço semanal”, afirmou.

“Não esqueçamos que o aumento do tempo de trânsito causa demoras no abastecimento e também a diminuição na regularidade, sendo que o maior consumo de combustível e a necessidade de mais equipamento provoca o aumento dos preços”, alerta Mário de Sousa. Este agravamento de preços “poderá ser progressivo em função da consequente redução de capacidade disponível face à oferta de cargas”.

“Tanto as exportações como as importações estão a sofrer um forte impacto negativo, quer quanto aos custos logísticos associados (percursos de transporte marítimo, independentemente da utilização do canal do Suez, ou outras rotas), quer quanto à disrupção causada pelos grandes atrasos ou desequilíbrio no equipamento”, esclarece ainda o CEO da Portocargo. Em relação à atividade da empresa, refere que “como qualquer outro operador logístico, independentemente da sua dimensão ou localização geográfica, são afetados tanto na produtividade como na rentabilidade. Muito mais trabalho para menor produtividade, acompanhado pela maior dificuldade em encontrar soluções capazes de satisfazer de forma adequada as necessidades de cada importador ou exportador”.

“Partindo do princípio que cerca de 80% das mercadorias viaja por via marítima, independentemente de falarmos de matéria-prima, componentes ou produto acabado, origens ou destinos, todas as atividades económicas são afetadas”, esclarece Mário de Sousa. Assim, as atividades que não sejam afetadas diretamente pelo bloqueio no Mar Vermelho, sê-lo-ão por “impacto sistémico”.

O presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, destaca que os riscos geopolíticos no Médio Oriente têm efeitos diretos no comércio internacional, aumentando os custos de transporte e causando disrupções nas cadeias de valor globais. A diversificação de mercados é apontada como uma estratégia crucial para mitigar tais riscos.

Setores como o petróleo, têxteis e automóveis estão a sofrer particularmente com esta crise. Mário de Sousa alerta para a ampla gama de produtos afetados, desde matérias-primas a produtos acabados, incluindo petróleo bruto, produtos à base de petróleo, equipamentos domésticos e industriais, têxteis, calçado, eletrónicos e veículos automóveis. O vice-presidente da Ocean Freight Iberia lembra que “o trânsito no Mar Vermelho constitui a rota mais curta e mais rápida entre a Europa e a Ásia através do Canal do Suez, e os países europeus estão a enfrentar impactos semelhantes. Quer estejamos a falar de exportações ou de importações”.

A indústria têxtil portuguesa já enfrenta possíveis aumentos de custos e atrasos na receção de mercadorias devido à crise no Mar Vermelho. Vale a pena relembrar que os custos de transporte de mercadorias de Xangai para a Europa subiram 80% recentemente, enquanto as grandes transportadoras continuam a evitar a principal rota do Mar Vermelho. Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, salienta a importância do setor têxtil português, que importa muitos fios da Ásia, destacando a necessidade de encontrar soluções para enfrentar este desafio inesperado.

Num contexto mais amplo, as implicações sistémicas afetam todas as atividades económicas, com as trocas comerciais na região do Mar Vermelho ascendendo a 1.033,2 milhões de euros em 2022, segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Este bloqueio destaca a vulnerabilidade das cadeias de abastecimento globais e a necessidade de estratégias resilientes para enfrentar desafios geopolíticos imprevistos.