Foi a 1 de novembro de 1755 que um violento terramoto, seguido de incêndio destruiu o centro de Lisboa. Após o cataclismo, a prioridade foi realojar pessoas, reativar a atividade económica e, para isso, foi preciso reconstruir rapidamente. Foi assim que da cidade medieval renasceu uma Lisboa moderna e funcional, desenhada a régua e esquadro por Carlos Mardel, Manuel da Maia e Eugénio dos Santos. A história da Baixa Pombalina conta-nos o que se fez depois do violento sismo, a memória ensina-nos que há muito que pode fazer-se antes e que nunca é demasiado cedo para revisitar o plano de gestão de risco da sua empresa.

 

Em 1755, Lisboa era considerada uma cidade populosa. Acolhia cerca de 200.000 habitantes e cerca de 20.000 edifícios. Ruas estreitas e labirínticas percorriam a cidade até chegar a igrejas, conventos, palácios e habitações de vários andares. A 1 de novembro de 1755, pelas 9h40, Lisboa sofre um dos maiores abalos sísmicos de que há memória. Estima-se que deverá ter alcançado uma magnitude entre 7 a 9 na escala de Richter, e deverá ter durado entre seis a nove minutos. Após duas réplicas, os incêndios tomam conta da cidade que, naquela manhã, celebrava o feriado religioso do Dia de Todos os Santos em várias igrejas repletas de velas. Pelas 11 horas, ocorre o “tsunami mais destrutivo a atingir a costa de Portugal Continental”, de acordo com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Ondas de cinco metros de altura invadiram a Baixa lisboeta. 

268 anos depois Portugal não está livre da ocorrência de um abalo sísmico semelhante ao de 1755. Por norma, lembramo-nos deste risco quando as catástrofes acontecem noutros recantos do mundo, mas é importante estarmos cientes que a prevenção é ainda e sempre a melhor forma de minimizar ou abater o risco porque, qualquer dia, Lisboa pode mesmo voltar a tremer. 

6 de fevereiro de 2023, um terramoto de 7,8 de magnitude atingiu a Turquia e a Síria. Para além da tragédia humanitária, o sismo também teve réplicas no comércio internacional e no tráfego de contentores. 8 de setembro de 2023, enquanto Marrocos adormecia, a Terra acordou. Um sismo de magnitude entre 6,8 e 7 na escala de Richter fez abalar o país, tendo causado cerca de 3.000 mortes e 5.500 feridos nas províncias de Marraquexe, Al Haouz, Chichaoua, Taroudant, Ouarzazate e Azilal. Este abalo provocou danos em mais de 56 mil casas, sendo que 32% destas ficaram totalmente destruídas.

O que aconteceria se Portugal recebesse um sismo desta magnitude? Qual seria o nível de destruição de habitações e infraestruturas? Que impacto teria na logística e nas cadeias de abastecimento? Não há respostas certas para estas questões, mas há para outras. Em declarações à Supply Chain Magazine, António Araújo Correia, chefe do Núcleo de Engenharia Sísmica e Dinâmica de Estruturas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), indica que desde 1958, a regulamentação para projetos de estruturas de engenharia civil inclui a consideração, “de forma simplificada”, da ação sísmica. Mais tarde, em 1983, esta foi melhorada, “podendo ser considerada uma regulamentação moderna a nível europeu e mundial”. Essa regulamentação ficou em vigor até 2019, altura em que passaram a ser anotados Eurocódigos estruturais, normas de projeto desenvolvidas a nível europeu, com grande envolvimento do LNEC, nomeadamente no que diz respeito à segurança sísmica. 

Desde 1983 que novas estruturas devem ter um “comportamento adequado” na ocorrência de atividade sísmica em Portugal. “No entanto, as estruturas existentes à época (uma fatia significativa do edificado em Portugal), e que não tenham sido reabilitadas tendo em vista a segurança estrutural em geral, e sísmica em particular, podem não ter a resistência suficiente face aos requisitos regulamentares atuais, em particular, para as zonas onde se assume que possa haver uma atividade sísmica intensa”. O responsável acrescenta ainda que “é expectável que essas infraestruturas tenham, em média, um comportamento menos adequado, pelo que é aconselhável investir na sua avaliação, no sentido de se avançar na priorização de intervenções de reabilitação e de mitigação do risco sísmico e, complementarmente, na definição de planos de gestão de risco que permitam aumentar a resiliência dos sistemas em questão face à ocorrência de eventos sísmicos”.

O especialista em engenharia sísmica do LNEC salienta que as entidades competentes têm vindo a acautelar-se através de algumas medidas para mitigar os danos no caso de ocorrência sísmica. A integração da avaliação e reabilitação sísmica dos edifícios na legislação é uma delas. No decreto publicado em Diário da República, em vigor desde 2019, consta a indicação de que “o governo deve (…) definir os termos em que obras de ampliação, alteração ou reconstrução estão sujeitas à elaboração de relatório de avaliação de vulnerabilidade sísmica, bem como situações em que é exigível a elaboração de projeto de reforço sísmico (…)”. Ao LNEC foram atribuídas tutelas de iniciativas de cariz legislativo e metodológico “que visam contribuir para a prevenção e mitigação do risco sísmico, nomeadamente das infraestruturas de transporte”. O responsável destaca ainda o recente mandato do governo “ao regulador dos seguros para apoio técnico à criação de um sistema de cobertura do risco de fenómenos sísmicos”. A nível local, o esforço concentra-se na sensibilização da população. 

 

Na prática, qual é a teoria?

De acordo com António Araújo Correia, as zonas de maior perigosidade sísmica são o Algarve, Alentejo, e a zona da Área Metropolitana de Lisboa, desde as Caldas da Rainha até Setúbal, e ainda o arquipélago dos Açores. Já no que respeita ao risco sísmico, que tem em conta a exposição das populações, edifícios e outras infraestruturas, danos e perdas associadas, as regiões de maior risco são a Área Metropolitana de Lisboa, o Algarve e os Açores.

Em entrevista à SIC Notícias sobre o impacto de um sismo em Portugal, Carlos Sousa Oliveira, professor de engenharia sísmica, afirma que o país “não está preparado (…). Basta-nos um sismo no Vale do Tejo, de uma magnitude de 6 ou 6,5 para termos problemas graves”, tendo inclusive destacado Vila Franca e Azambuja até Lisboa como zonas de risco, sendo que as duas primeiras acolhem várias infraestruturas industriais e logísticas. A reportagem destaca a importância da resiliência de algumas infraestruturas vitais, como a proteção civil, escolas e hospitais. No entanto, os centros logísticos localizados naquelas zonas, e que asseguram bens de primeira necessidade, também devem merecer alguma atenção, bem como o próprio curso da cadeia de abastecimento. Se ocorrer um sismo em Portugal que danifique não só o parque edificado mas também infraestruturas para prestar ajuda às populações, como estradas, ferrovias, portos e aeroportos, pode tornar-se um grande problema. O especialista do LNEC esclarece que “os edifícios industriais têm características estruturais que os distinguem claramente do edificado habitacional/escritórios no que concerne ao comportamento sísmico”. Ressalva que, ainda assim, “devem ser alvo de análise específica e não seria correto fazer extrapolações do risco destas infraestruturas com base em estudos que apenas consideram edifícios correntes”. Relativamente aos portos e aeroportos, que podem ser afetados por vários riscos naturais, segundo o responsável, “o LNEC tem dado apoio a diversas entidades no sentido de fornecer matrizes de apoio à decisão aos seus responsáveis, para a prevenção e mitigação de riscos”. 

A ANEPC produziu um documento denominado “Avaliação Nacional de Risco” que identifica e caracteriza os perigos de “génese natural, tecnológica ou mista” que podem afetar Portugal Continental. Procura promover a sensibilização da população, bem como “uma melhor aplicação do princípio da precaução, contribuindo para a adoção de medidas de diminuição do risco de acidente grave ou catástrofe inerente a cada atividade”. 

No documento, a entidade traça um cenário semelhante ao grande sismo de 1755, cujo abalo principal é sentido em todo o território continental, com especial foco nos distritos de Faro, Setúbal, Lisboa, Beja, Évora, Leiria e Santarém. Entre a destruição estimada de vários edifícios e inoperacionalização de alguns meios e infraestruturas, destacam-se danos nas redes rodoviária, ferroviária e elétrica, de abastecimento de água, saneamento de gás e telecomunicações, bem como em “algumas unidades comerciais de distribuição de alimentos (grandes armazéns, hipermercados e supermercados)”. Para todo este cenário foi  traçado um grau de probabilidade baixo quando comparado com o sismos de 1755; um grau de gravidade crítico, resultante de um número “muito elevado de mortos, feridos, desaparecidos e desalojados e do facto da comunidade deixar de conseguir funcionar sem suporte significativo, bem como de uma elevada perda financeira”; e um grau de risco elevado. 

E porque um mal nunca vem só, é também necessário considerar a possibilidade de ocorrência de um maremoto. Segundo o documento de avaliação de risco, em Portugal Continental, as regiões com maior suscetibilidade a tsunamis distribuem-se ao longo de toda a costa sul e ocidental, entre o Cabo de São Vicente e Peniche. 

 

“A prevenção é a chave do sucesso”

A sensibilização da população é um passo fundamental, pois no momento imediato de um sismo, o primeiro passo é sempre autónomo. Em entrevista à CNN, Jorge Mendes, comandante no Quadro de Honra dos Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo, relembra que a preparação para um sismo não é apenas responsabilidade das autoridades, mas de cada cidadão. É essencial que as pessoas sejam mais interativas e procurem aprender sobre como agir em caso de sismo”. 

Dentro de casa deve procurar-se por lugares seguros, por exemplo, debaixo de uma mesa resistente, e aguardar até que o abalo termine. Uma das regras fundamentais é “manter a calma e não entrar em pânico”, indica Jorge Mendes. Na rua é importante procurar por locais amplos. Três elementos que devem ser acautelados são “água própria, medicamentos essenciais e um rádio para receber informações atualizadas”, recomenda o comandante. As crianças devem estar familiarizadas com a regra “baixar, proteger, aguardar”, caso se encontrem em espaços fechados durante a ocorrência de um sismo. 

“A prevenção é a chave do sucesso”, garante António Araújo Correia, que sublinha a sensibilização da população, como simulações e simulacros, mas também o investimento em avaliação de desempenho sísmico das infraestruturas e para “eventuais reabilitações que mitiguem o risco sísmico”. No plano empresarial, o responsável alerta as organizações para a criação ou atualização de planos de contingência e de gestão de risco, tendo em conta “a salvaguarda de dados, os planos de continuidade de negócio e as eventuais interdependências com outros serviços e infraestruturas. Estes permitem uma maior capacidade de recuperação em caso de eventos extremos, ou seja, uma maior resiliência sísmica”. 

 

Como preparar a sua cadeia de abastecimento?

A gestão de riscos e o planeamento de catástrofes tem de ter em conta não só o impacto direto nas suas infraestruturas e operações, mas também a forma como as consequências de eventos distantes da sua base de operações podem afetar a sua cadeia de abastecimento. Uma catástrofe pode ocorrer a qualquer momento e, como diz a sabedoria popular: “Mais vale prevenir, que remediar”.

1. Criar um plano de preparação para catástrofes
Tenha um plano pronto que descreva o que fazer em caso de emergências e catástrofes naturais. Este plano deve ter em consideração todos os tipos de condições climatéricas e catástrofes naturais a que a sua área é mais suscetível, e talvez alguns que seriam considerados particularmente improváveis. Neve em Lisboa? Provavelmente não, mas, com as alterações climáticas, nunca se sabe. Além disso, não se esqueça de pedir às empresas suas parceiras os respectivos planos de catástrofe para garantir o alinhamento com a gestão de riscos.

2. Monitorizar as ameaças
A gestão de riscos da cadeia de abastecimento funciona melhor quando as empresas são avisadas o mais cedo possível de potenciais impactos e disrupções. Acompanhar as condições meteorológicas potenciais, efetuar uma análise de dados e realizar simulações na sua cadeia de abastecimento para identificar os pontos de pressão em que as catástrofes naturais teriam um impacto mais provável nas suas operações são formas de acompanhar e medir o seu nível de preparação para catástrofes.

3. Comunicação e flexibilidade
Muitas catástrofes naturais podem ser impossíveis de prever, pelo que as perturbações podem ser inevitáveis. Seja aberto com os membros da sua equipa e com as empresas suas parceiras sobre a forma como as condições meteorológicas ou as catástrofes naturais podem afetar a capacidade de resposta e a cadeia de abastecimento da sua empresa. Pense em espaços de trabalho alternativos e em métodos de transporte de substituição para as suas mercadorias.

 

Nota: Informação atualizada a 06/11/2023 com a retificação do cargo do comandante no Quadro
de Honra dos Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo, Jorge Mendes.