Numa altura em que as cadeias de abastecimento estão debaixo de pressão, o ministro das infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, no congresso da APAT partilhou com os empresários a sua convicção de que “se não tivermos um bom sector de logística, não conseguimos ter sucesso enquanto economia”. Paulo Paiva, presidente da direcção da APAT concorda e no seu discurso de encerramento sublinhou não só a importância dos transitários na cadeia logística, como a ideia de que “Portugal não é viável sem vender para o exterior”. Os transitários são fundamentais ao longo dos processos, o que levou o dirigente associativo a defender que o transitário merece “a designação internacional de “Supply Chain Master”, que descreve o que fazemos bem melhor do que qualquer outro interveniente na cadeia logística”.

Na cerimónia de abertura, Pedro Nuno Santos, ministro das Infra-estruturas negou que exista alguma “contradição insanável” entre a aposta do Executivo na ferrovia e o transporte rodoviário. “Não temos nenhuma contradição insanável entre esta aposta no transporte ferroviário e o transporte rodoviário. Também se foi gerando esta ideia de que um é adversário do outro. A verdade é que eles têm papéis diferentes”, salientou o ministro.

O governante também lembrou que “não é suposto o comboio ir porta a porta” ou “a cada uma das zonas industriais”, quanto mais não seja, “por razões desde logo técnicas”, defendendo que é suposto, isso sim, que ambos os modos sejam “complementares”.

“O transporte rodoviário de mercadorias terá sempre o seu lugar nas cadeias logísticas e de distribuição. Sempre. Este sector, se quiser dar o seu contributo e sobreviver a esta grande pressão para a transição ambiental e climática, temos que investir e apostar na ferrovia”, afirmou.

Pedro Nuno Santos defendeu também que não se deve “perder de vista” que “no transporte rodoviário há um caminho ainda muito grande a percorrer e possível de ser percorrido, também em matéria de transição climática”. “Portanto, o transporte rodoviário não tem que ser, necessariamente, um adversário da transição climática. Tem um investimento importante para fazer também nessa transição”, defendeu. O ministro rejeitou, assim, que a aposta na ferrovia signifique “um abandono, um desacreditar do transporte rodoviário”, sabendo-se que “há trabalho que o transporte ferroviário nunca poderá fazer”.

Num discurso posteriormente orientado para o desenvolvimento económico, o ministro vincou que é necessário “fazer com que a economia poupe dinheiro” e em simultâneo que “se não tivermos um bom sector de logística, não conseguimos ter sucesso enquanto economia”.

Ainda sobre a ferrovia, o ministro fez questão de deixar claro que “desinvestimos neste meio de transporte que permitia ao país importar menos (neste caso combustível), mas também poderia proporcionar menos custos na mobilidade, porque obviamente a mobilidade rodoviária é mais cara do que a mobilidade ferroviária, que por razões de quantidade permite baixar o custo”, sustentou. Portugal “não produz petróleo” e “os combustíveis são mesmo a nossa principal importação”. “E nós, em vez de termos investido nas últimas décadas num meio de transporte que já tem a solução eléctrica inventada há muitas décadas, começámos a fazer o errado e a desinvestir na ferrovia”, responsabilizando pelo sucedido os governos PS, PSD e CDS, “para não pôr ninguém de fora”. E, por isso, Pedro Nuno Santos considerou que agora Portugal está “a pagar caro” o atraso face aos restantes países europeus.

 

Cenário adverso sem fim à vista

“Resiliência da Cadeia Logística” foi o tema de fundo do painel-debate que juntou no palco Nuno Araújo, presidente do conselho de administração da APDL, Luís Sousa, CEO do Grupo Sousa, José Manuel Cruz da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) e Rui Baptista, logistics business manager da Volkswagen Autoeuropa numa conversa moderada pela jornalista Marta Atalaya.

Aumento do custo dos transportes, do combustível, da energia, falta de motoristas, falta de matérias-primas e produtos são apenas alguns dos ingredientes do dia-a-dia neste sector. Falando sobre a pressão e stress que se abateu sobre as cadeias logísticas, o responsável da APDL, Nuno Araújo, não esconde que são desafiantes os tempos que se vivem e embora não consigam intervir em todas as áreas, coloca a tónica naquelas em que o porto de Leixões, enquanto braço armado do Estado, consegue ajudar a resolver parte desses problemas.

“Temos feito aquilo que está ao nosso alcance, na forma como estamos preocupados e atentos aos desafios associados ao transporte rodoviário, como é o caso do aumento do preço dos combustíveis, em que respondemos diminuindo o tempo que os camiões permanecem no Porto Leixões”. Diminuindo o tempo de permanência dos camiões no porto alcançam-se dois ganhos: por um lado a diminuição da pegada ambiental e, por outro, a melhoria da eficiência e da capacidade de resposta, com os óbvios ganhos que isso acarreta para a cadeia logística: “um camião em vez de fazer seis fretes por dia, poderá fazer, por exemplo, oito, nove ou 10”, salienta Nuno Araújo.

Questionado sobre como é que se vence esta tempestade perfeita, o CEO do Grupo Sousa diz que “o mundo está em disrupção. É impossível compatibilizar a ausência ou inexistência de contentores para transportar mercadorias com a falta de navios, com o disparar na procura de transportes, com portos com incapacidade de descarregar navios e com muitos navios em espera”, sendo que no fim do dia é o consumidor que terá que pagar os sobrecustos da tal tempestade perfeita.

O responsável do Grupo Sousa explica a situação que se vive no transporte marítimo e como acontece esta ausência total de oferta, lembrando que “hoje, um navio para ser construído demora cerca de dois. E um navio com capacidade para 1.700 contentores, tem um custo de construção à volta dos 26 milhões de dólares, e não há disponíveis para venda no mercado. Se quisermos comprar um navio em segunda mão, se ele aparecer – ou quando aparece – custa 26 milhões, ou seja, o mesmo que um novo”.

 

 

“O futuro vai ser consumir mais perto”

No seu entender, o futuro da logística passa pela integração com o transporte marítimo, apesar do aumento dos preços e da falta de transportes disponíveis actualmente. “Há quatro anos, os grandes armadores estavam a perder dinheiro, hoje estão ricos e a querer comprar tudo, até terminais”, recorda. Para os operadores mais pequenos resta-lhes apostar em parcerias e focarem-se naquilo que fazem realmente bem. Luís Sousa acredita que “o futuro vai ser consumir mais perto”, uma exigência imposta pela sustentabilidade. Ambiental e dos próprios negócios. “Haverá uma disrupção na forma como a produção estará organizada, garantindo que os ecossistemas se situarão na mesma área geográfica”, esclarece.

A pandemia pôs a nu os riscos inerentes a cadeias de abastecimento longas, com fornecedores espalhados pelos quatro cantos do mundo e com “a grande fábrica mundial” na Ásia. Numa fase inicial, o risco e a dependência ficaram em evidência com os EPI e mais tarde com um conjunto de outras matérias-primas e produtos, sendo o caso mais gritante o dos semicondutores, que tem repercussões em praticamente tudo o que são hoje equipamentos eléctricos e electrónicos, não sendo exclusiva da indústria automóvel como lembrou Rui Baptista, para quem a incerteza gerada por esta situação “causa muitos transtornos, especialmente porque não sabemos quando vai acabar”.

O responsável da VW Autoeuropa lembra que as encomendas da indústria automóvel representam apenas cerca de 10% do consumo de semicondutores e, por outro lado, a cadeia logística destes produtos envolve 26 semanas, um tempo que não se compadece com encomendas de última hora. Por isso, não é estranhar que a TSMC vá construir uma fábrica de semicondutores nos Estado Unidos e que na Alemanha o grupo Bosch já tenha dado esse passo estratégico.

O modo de transporte das mercadorias é outro desafio para o sector e todos os participantes nesta conversa são unânimes: é fundamental apostar em sistemas intermodais. Boas ligações entre o transporte marítimo, rodoviário e ferroviário será essencial.

No entanto, José Manuel Cruz da AMT recorda que falta investimento na ferrovia e que este depende de uma estratégia de longo prazo. Rui Baptista salienta a importância das parcerias neste âmbito e dá o exemplo concreto de uma em que têm vindo a trabalhar “com uma outra empresa privada e a fazer a transição da rodovia para a ferrovia”.

No caso dos portos, a integração entre o transporte rodoviário e o marítimo já é uma realidade, ainda que Nuno Araújo acredite que o comboio é fundamental, sobretudo pela eliminação de ineficiências logísticas. E dá um exemplo concreto. “Actualmente, um contentor que venha pela ferrovia para o terminal da IP e que venha para a parte marítima, tinha que sair, entrar na área urbana, percorrer 18 km para entrar no porto de Leixões, quando esse terminal está mesmo ao lado do nosso terminal marítimo. Isto não faz sentido nenhum para as empresas, para os operadores e para as cadeias logísticas, como é óbvio”.

O que se espera agora é que a curto prazo – talvez no próximo ano – esse terminal seja integrado na área de jurisdição da APDL. Com a junção das duas ferrovias isto significa que já no próximo ano Leixões pode duplicar a capacidade de receber contentores. “Há-de acontecer no próximo ano de certeza absoluta. O que nós queremos, da parte da AMT é que sejam céleres, um veículo facilitador, para que essa integração aconteça o mais rápido possível”. O administrador do Porto de Leixões referiu que a duplicação da capacidade de movimentar contentores “não pode significar duplicar o número de camiões”, estimados em 1500/dia.

A estrutura ferroviária da IP, em Leixões, “está num enclave e não pode crescer”, afirmou. Se se juntar “a ferrovia da IP com a ferrovia da APDL” é possível “duplicar a capacidade daquele terminal”. A ferrovia é um complemento muito importante e o porto seco da Guarda tem também aqui um papel fundamental enquanto terminal rodo-ferroviário. Objectivamente pode representar uma poupança de 15% para as empresas que ali deixem os seus contentores, em vez de os deixarem em Leixões, enquanto aguardam transporte ferroviário para destinos na Europa.

Sobre o futuro da logística, o CEO do Grupo Sousa não esconde que é o grande tema em cima da mesa e para o qual não há respostas. Aquilo a que se assiste é a uma “Maersk, o maior armador do mundo, que quer ser uma empresa de IT e transformar-se na “Booking” da logística; a Amazon, sem navio, diz que vai ser armador… e aqui a questão não é só preço, a questão de fundo é garantia de transporte, porque de repente o mundo apercebeu-se que o transporte já não está disponível como estava ou, então, está, mas a um preço cinco vezes mais caro e todas estas questões têm levado os grandes operadores a movimentações que podem parecer estranhas”. Mas a verdade é que como também explicou, os seis ou sete maiores armadores do mundo concentram 75% da oferta mundial e são eles que fazem o preço, o mercado e as grande rotas de distribuição. E com a oferta totalmente ocupada o preço aumenta.

Há muitos esforços a serem canalizados para evitar que da actual disrupção nas cadeias logísticas se passe ao colapso. Contudo, esta é uma crise sem precedentes e, por enquanto, também sem fim à vista.