Desde a área da metalurgia até ao mobiliário, passando pelo têxtil e calçado, a actividade industrial está a ser significativamente afectada pela escassez e elevado custo das matérias-primas e dos fretes marítimos, avança o Jornal Económico.

Segundo as conclusões do inquérito mensal da Associação Empresarial de Portugal (AEP), a indisponibilidade de matérias-primas e de produtos intermédios, e as dificuldades nos circuitos comerciais por falta de contentores, são os “novos constrangimentos” apontados pelas empresas portuguesas, no novo normal.

À agência Lusa, Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), afirma que “neste momento começa a ser terrível a questão do aumento brutal do custo das matérias-primas e dos transportes”, apontando subidas “em alguns casos de quatro vezes ”no transporte marítimo e aumento de “50%, 100% ou até mais” no preço das matérias-primas. Segundo o responsável, estes dois factores “estão associados porque grande parte das matérias-primas [do sector] vem do exterior da União Europeia”, por via marítima, e “não há contentores e os preços dos que há é muito elevado”. Esta situação impacta não só a aquisição de matéria-prima como de componentes, e as exportações”.

Além disto, as matérias-primas tornaram-se “num investimento muito apetecível”, de acordo com o mesmo responsável: “Particularmente no mercado de futuros, os institucionais estão a comprar as matérias-primas como ‘commodities’, pelo que os nossos fabricantes agora também se vêem obrigados a concorrer não só com fabricantes de outros países, mas com os próprios investidores”,

A indústria têxtil e do calçado também tem sentido “enormes constrangimentos”, como conta Jorge Pereira, director da Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal (ATP), referindo um “descontrolo total” das cadeias logísticas e em valores “super inflaccionados” dos transportes. “Neste momento, o custo por quilo, por exemplo, de um contentor de fio anda em nunca menos de 65 cêntimos, quando devia custar 15 a 20 cêntimos por quilo, e contentores que demoravam 30 a 40 dias, no máximo, a chegar a Portugal, às vezes só chegam após dois meses e mais, porque ficam retidos noutros portos de mar por falta de ligações”, avança.

Por sua vez, a Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA) reporta um aumento de 600% no custo dos transportes face a Julho de 2020. “Um contentor que custava 2.000 dólares há cerca de um ano custa agora 12 mil”, explica à Lusa Joaquim Carneiro, presidente da APIMA. Relativamente às principais matérias-primas usadas no sector do mobiliário, a APIMA aponta aumentos homólogos de 300% no custo do metal, de 40 a 50% nas ferragens, de 20% na espuma e de 10% no cartão. “É verdadeiramente dramático as empresas estarem a sofrer este impacto precisamente quando tentam recuperar das gravíssimas consequências da pandemia. Precisamos, urgentemente, de regulação num mercado que está em plena especulação”, sustenta Joaquim Carneiro. A associação refere que este é um problema que “afecta toda a cadeia de valor” e que as empresas estão a abdicar das respectivas margens para tentar segurar a carteira de clientes. “Mas é inevitável que o valor final venha ser revisto em alta, face aos brutais aumentos dos custos de produção e de transporte”, admite o dirigente associativo, destacando que “este último é particularmente impactante, tratando-se de um ‘cluster’ que exporta 90% da produção”.

A indústria portuguesa do calçado vive uma situação idêntica, com o ‘Inquérito Covid’ da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS) a destacar que “quer o custo, quer o abastecimento das matérias-primas passaram a estar no topo das preocupações dos empresários de calçado”. “Nos comentários que recebemos ao inquérito, as empresas foram-nos dando nota que o custo dos transportes de algumas matérias-primas, nomeadamente as provenientes da Ásia, duplicaram ou mesmo triplicaram”, avançou à Lusa o porta-voz da associação.

“E, se as encomendas continuam a avançar a bom ritmo nestes vários sectores, os constrangimentos à actividade estão a afectar a capacidade de resposta e de produção, havendo já empresas que admitem recorrer ao ‘lay-off’: “Há empresas que já estão a pensar fazer ‘lay-off’ e em medidas similares, por não terem matéria-prima. Já chegámos a esse ponto”, avisa o vice-presidente da AIMMAP.