Este boom digital de 2020 tem repercussões globais em todas as operações mundiais, umas positivas e outras negativas.

Desde há uns anos tenho vindo a falar no papel relevante dos distribuidores na SUPPLY CHAIN (cadeia de abastecimento) e que se revela de extrema importância na fidelização dos clientes.

Durante os últimos 20 anos, trabalhei diretamente na distribuição nacional. Enfrentei várias dificuldades de serviço devido às diversas características demográficas do nosso pais e também as condições dos profissionais. Com o decorrer dos anos, muitas profissões sofreram alterações, principalmente, nos requisitos necessários para desempenhar a função, mas também nos objetivos primordiais.

Nos anos 80 e nas décadas anteriores, um motorista tinha como requisitos obrigatórios, ser uma pessoa capaz de realizar trabalhos de reparação mecânica e capacidade de orientação. Nos anos 90, começaram a aparecer os primeiros telemóveis e os primeiros GPS, que resolveram uma grande parte das dificuldades dos profissionais. Os camiões também acompanharam a tecnologia automóvel e começaram a ser introduzidos alguns extras decorrentes dessa mesma tecnologia. Estes vieram complicar a possibilidade de autorreparação durante a viagem. O novo desafio ficou solucionado com o aparecimento da assistência em viagem nas principais marcas e construtores de camiões, mais tarde assegurado por companhias de seguros que profissionalizaram a assistência em viagem em toda a Europa. Não parou mais a evolução deste serviço. Por isso, depois do ano 2000, os requisitos principais do motorista são: a agilidade com a utilização das novas tecnologias e a capacidade de gestão, organização e planeamento do tempo e rotas.

Esta evolução teve um maior impacto nos objetivos da profissão. Durante e anteriormente aos anos 80 o objetivo principal era chegar ao fim da viagem com a carga. A partir dos anos 90 começaram a ter objetivos mais qualitativos, o cumprimento dos prazos passou a ser um objetivo principal, as quebras, a análise dos custos com a viagem, medir os desvios ao itinerário previamente definido e a satisfação do cliente passaram a fatores cada vez mais decisivo na escolha dos parceiros.

Propositadamente referi-me nas linhas anteriores, em exclusivo, à operação de transporte primário, de motoristas profissionais, normalmente de veículos pesados com e sem atrelado. No entanto, esta contextualização foi necessária para o objetivo fundamental deste artigo: o desenvolvimento da distribuição capilar.

Com o aumento concorrencial em todos os sectores, foi necessário incluir nas estratégias empresariais o serviço de entregas porta-a-porta. De forma generalizada foram criadas rotas de distribuição para as entregas não só nas empresas, mas também em obras e nas residências dos clientes. A necessidade de melhorar sempre o serviço ao cliente e a garantia de resposta mais rápida, fizeram aparecer os serviços especiais: 24 horas, 12 horas, 6 horas e agora 2 horas.

É este o elo da cadeia que pretendo desenvolver, atualmente conhecido pelo serviço LAST MILE. Não é mais que o último contacto físico que existe entre o fornecedor e o cliente, diria até que é a derradeira hipótese em garantir um serviço de excelência, ou até devolver a confiança do cliente para voltar a comprar naquele fornecedor.

Com o forte crescimento, que já antes se verificava, e agora com a pandemia, ainda mais forte está a ser. Quando penso na cadeia comercial e na evolução que tem vindo a sofrer, as interações físicas tendem a ser cada vez menos, apesar dos indicadores de performance operacionais e qualitativos serem cada vez mais uma ferramenta de gestão comercial. O nível de serviço ao cliente é o indicador principal para medir a sua fidelização. Consequentemente, é necessário focarmo-nos na importância que tem um operador de entregas “Driver” na LAST MILE.

O desenvolvimento desta função foi pouco relevante no parâmetro estratégico das empresas, até porque os requisitos para desempenhar a função não eram muito difíceis de obter, a carta de condução de veículos ligeiros (porque na grande maioria trabalham com furgões ou carrinhas ligeiras), pessoas disponíveis para trabalhar: em horários irregulares, com obrigatoriedade de sair da viatura independentemente das condições atmosféricas e em receber um salário baixo!

Apesar da real importância desta função, nunca foi efetivamente valorizado o trabalho destas pessoas. Conheço esta realidade perfeitamente. A grande maioria destes players são pequenas empresas que são subcontratadas para garantir o serviço de entregas, principalmente nas regiões de baixa ou média densidade populacional. Nas regiões com maior população este serviço é garantido pelos operadores logísticos que realizam o transporte primário. Estes operadores acabam por realizar a operação nas zonas de maior densidade populacional, visto que garantem um maior nível de serviço, e obviamente que também só o fazem pelo facto de ser mais rentável.

As empresas que assumem esta operação, em Portugal, normalmente percorrem rotas entre os 100 e os 200 km de distância, em alguns casos até mais, fazendo entre 50 e 100 stops diariamente. A operação inicia-se no entreposto, a maioria das vezes, antes das 6 horas e termina depois das 19 horas. Esta operação transforma-se de LAST MILE em FIRST MILE pelos mesmos equipamentos e operadores. Mesmo assim, continuam a ter salários baixos! E acredito até que muitos não tem formação! Também reconheço que os empresários não possam pagar mais…Mas, será que estão motivados? Alguém acredita que possam pensar num bom futuro nesta função? E, o mais importante: o que dizem os clientes?

Refletindo na evolução do digital a nível comercial e vendas, apercebemo-nos que o contacto físico é cada vez menos necessário. O Driver (estafeta ou entregador da encomenda), é quem vai realizar esse contacto, é por isso necessário repensar a importância desta função. O Driver deverá ter:

• Formação operacional sobre 
o Manuseio da mercadoria;
o Condução e ter uma certificação especial como motorista profissional (a maioria não tem);
o Gestão de tempo.

• Formação de desenvolvimento profissional sobre
o Atendimento interpessoal;
o Gestão de conflitos;
o Noções de gestão comercial;
o Noções de gestão empresarial.

O Driver é a pessoa que representa o vendedor perante o cliente: Naquele instante o cliente vê o reflexo de todo o trabalho desenvolvido na SUPPLY CHAIN. Independentemente da expectativa criada nas interações digitais, o contacto físico poderá melhorar ou prejudicar essa avaliação.

Então, será necessário adotar uma estratégia diferente face a este novo normal. Todos os intervenientes da cadeia de abastecimento são importantes e todos têm o seu valor, mas os que estabelecem o contacto com o cliente terão de ser cada vez melhor formados, mais motivados, com a perceção clara do impacto da sua responsabilidade na cadeia de abastecimento e serem valorizados com justeza, para realizar o melhor trabalho possível.

Será que finalmente esta classe vai ter o reconhecimento merecido? Será que o “rapaz ou moço das entregas”, (dependendo da região), irá passar a ser o profissional que vem entregar a mercadoria!?

Talvez não!!!

Rui Silva | Co-founder | COPLOG – Consultores em Operações de Produção e Logística