A chegada, para breve, das novas vacinas contra a infeção por covid-19 tem-nos feito discutir sobre a eficácia dos mecanismos desenvolvidos pelos diferentes laboratórios. Contudo, a verdadeira eficácia de todos estes esforços está tão ligada à vacina como à respetiva vacinação, ou seja, ao plano e à execução da distribuição que permitirá levar a vacina aos portugueses. Esta distribuição precisa de ser robusta, rastreável e rápida. Uma distribuição robusta é centralizada e tem excesso de capacidade.

A importância que reveste a chegada da vacina contra a infeção por covid-19 vem acompanhada de uma enorme incerteza. Por um lado, não está ainda claro quando vamos receber as quantidades contratadas e, por outro, não é ainda evidente quais serão as proporções das vacinas dos diferentes laboratórios que iremos receber.

Face a todas estas incertezas é necessário planear mais que nunca. Planear neste contexto implica imbuir os planos de robustez. Para tal, é necessário traçar, a priori, todos os cenários que poderão ocorrer e ter um correspondente plano de ação. Mesmo com estes planos de ação delineados, haverá sempre condições inesperadas. Sendo assim, é imperioso planear e executar com excesso de capacidade — médica e material — para acautelar tais imprevistos.

No terreno, de forma a conseguir reagir atempada e sincronizadamente, é necessária uma centralização da tomada de decisão. A centralização deverá ser também física com poucos pontos de armazenamento e administração. No sentido a optimizar a resposta a uma falha de stock ou uma falta de um paciente, uma cadeia centralizada a todos os níveis reagirá melhor. A rastreabilidade implica um foco particular na informação da cadeia de abastecimento

As duas vacinas que estão mais próximo de ter aprovação no espaço europeu requerem duas tomas com diferentes espaçamentos. Esta complexidade da operação deverá ser acompanhada de um reforço da informação que é mantida sobre a administração da vacina. Os recordes que foram batidos nos tempos de desenvolvimento destas vacinas também são um fator extraordinário para aumentar a importância da informação guardada, no sentido de proteger os pacientes dos efeitos adversos.

Em termos de distribuição, estes requisitos implicam uma total rastreabilidade de toda a operação garantindo que é possível em qualquer altura saber para cada toma de uma vacina, qual o lote do qual ela foi proveniente, onde foi administrada e por quem. A rastreabilidade de todo o processo começará a montante desde que os lotes chegam a Portugal e são armazenados nos respetivos pontos de stock. Para evitar perdas em todo o percurso, será fundamental assegurar também que tal preocupação se mantém nos diferentes elos de transporte da cadeia de distribuição. Uma distribuição rápida e simples permitirá usar todas as vacinas que iremos receber

A primeira vacina mais provável a chegar — a vacina da Pfizer e da BioNTech — tem um requisito extraordinário de cadeia de ultrafrio que nenhum país do mundo está imediatamente pronto para acolher. Para permitir a sua utilização, a Pfizer construiu uma caixa sofisticada, mas que levará, com certeza, a muitos erros.

Do que sabemos, o gelo seco deve ser reabastecido na chegada da vacina e, novamente, passados dez dias. Assim que a caixa é aberta, todas as 975 doses devem ser usadas em cinco dias. As caixas podem ser abertas apenas duas vezes por dia e apenas por um minuto de cada vez. Quando um frasco da vacina é aberto, as suas cinco doses precisam ser de usadas em seis horas.

Estas características vão obrigar a uma cadeia muito rápida, com entregas aos pontos de administração, pelo menos, diárias. Acresce à rapidez da distribuição a necessidade de tornar os processos simples para minimizar as falhas e, em última estância, evitar estragar as vacinas que iremos receber.

Pedro Amorim, Professor na FEUP | Head of Research Center no INESC | Co Founder da LTPlabs

Artigo originalmente publicado no Público de 22 de Dezembro de 2020