É importante percebermos a situação em que estamos mas, ainda mais importante, é perceber qual o caminho a percorrer, pelo que este painel de encerramento veio, de certa forma, complementar a informação debatida no primeiro painel. Recomeçar onde se parou ou reiniciar o percurso com todo um novo mindset e forma de pensar e agir? Foi a isto que se procurou responder no final da Procurement Digital Conference.

Após todas as intervenções dos oradores, apresentou-se um painel que talvez pudesse ser familiar para quem esteve presente na edição anterior do evento, em formato físico, à data sob a diferença de maturidades entre o Procurement em Portugal e no mundo. Luís Ferreira, Assistant Professor na Universidade de Coimbra, volta a moderar uma conversa entre Daniel Mendes da Silva, Head of Procurement EU da Amazon e Pedro Hugo Rocha, Procurement Director do Campari Group, com o tema “Basta Recomeçar ou é necessário um ‘Reset’?”.

Apresentando a vertente italiana, Pedro Hugo Rocha explica que já não vê grande parte da sua equipa há cerca de cinco meses, quando se colocaram em confinamento, e isso traz desafios ao nível da liderança e da gestão de equipas. “Eu penso que não vamos conseguir sair disto nos próximos anos e, portanto, temos, de forma realista e fria, ler o presente, ver o que está à nossa frente, e tomar decisões”, comenta.

Considera ser uma fase completamente crítica para o Procurement se afirmar dentro das empresas, mas mais que isso, para “criar oportunidades e novos modelos de servir as necessidades do negócio”. Apesar de concordar sobre o lugar que o Procurement tem à mesa, “não podemos estar à espera que o lugar à mesa seja apresentado à nossa frente, nós temos realmente que abraçar os desafios, (…) e eu vejo muito mais oportunidades que desafios”.

Com o ponto de vista luxemburguês, Daniel Mendes da Silva começa por apresentar um estudo que viu recentemente, que revela as quatro maiores tendências:
. Emerging workplaces, menos viagens, forma diferente de gestão de talento;
. Crescimento do e-commerce;
. Tendência no consumo de produtos saudáveis, compras mais conscientes;
. Paixão pelos produtos locais.

Apresenta uma realidade ao nível da optimização de custos, e que esta pode ser feita de outra forma que não apenas a renegociação de contratos. De seguida, a gestão de risco e a agilidade, defende que é uma oportunidade de se fazer uma re-segmentação dos fornecedores, identificar os estratégicos e os que conseguem ajudar a sobreviver. Mesmo ao nível da localização de fornecedores, outro dos temas em cima da mesa, foi necessário procurar novos fornecedores, exemplificando com o caso das máscaras, noutros países e apoiá-los, ganhando agilidade e diminuindo o risco.

O terceiro ponto que defende é ao nível de entender e medir a necessidade do negócio, e isso na Amazon passou, por exemplo, por desenvolver uma equipa de branding & communication dentro de Procurement. Aponta ainda a sustentabilidade como uma área em que podem acrescentar valor, uma das quatro grandes tendências, e em grande parte das vezes o Procurement passa por esses departamentos que têm sido criados nas empresas. “Podemos ser um enabler e uma função agregadora de uma das grandes tendências do futuro”, acrescenta ainda.

Luís Ferreira comenta as diferentes vertentes apresentadas pelos oradores, entre a realidade apresentada por Pedro Hugo Rocha relativamente ao futuro, face ao lesson’s learning apresentado por Daniel Mendes da Silva, sobre as principais lições que as organizações devem retirar para estarem preparadas para o que poderá vir a seguir.

Questionado sobre como pode o Procurement reposicionar-se à mesa e contribuir não para o foco do custo, mas para o foco da receita, Pedro Hugo Rocha comenta que “o Procurement não trabalha em vácuo”, e defende que é um elo de ligação entre as necessidades da empresa e as capacidades e os recursos humanos e técnicos dos fornecedores. Na sua opinião, é necessário que o Procurement se reinvente, e que desafie o Procurement a testar coisas novas: “temos de escolher as coisas certas, mas podemos criar valor por esse caminho”.

Apresenta ainda uma terceira área fundamental relacionada com dar resposta ao negócio e às equipas de marketing e comerciais com agilidade e flexibilidade.

Reflectindo sobre o mesmo tema, Daniel Silva considera que a função de Procurement muitas vezes se centra na parte interna da gestão do custo, mas exemplifica com alguns casos. Retoma os três pontos que abordou no início, e que existia um outro de ligação entre eles: a colaboração com os fornecedores.

“Durante esta pandemia trabalhámos com muitos fornecedores”, revela, e comenta que procuraram entender junto dos fornecedores em que novos produtos ou serviços se encontravam a trabalhar, e testaram alguns, conectando com empresas de retalho para tentar ajudar estes fornecedores e tentar introduzir estes produtos nestes pontos para clientes externos.

Luís Ferreira retoma o tema do risco, e questiona os oradores sobre como se pode, ou como se deve, desenhar sistemas de KPI’s que incorporem indicadores para antecipar problemas posteriores.

“Essa é uma das áreas em que eu vejo que a tecnologia pode ser um game changer”, porque muitos dos conceitos de gestão de risco implementados nas empresas têm como base resultados passados, mas defende que é importante não olhar para trás, como era feito até à data, pois nesta situação não existem relatos que possam ajudar neste sentido. É necessário olhar para o futuro e tentar antecipar os próximos passos a tomar.

Pedro Hugo Rocha revela que na Campari decidiram trabalhar “num nível abaixo do digital”, relacionadas com risk sensing, plataformas de scanning de Big Data, para a visibilidade de fornecedores e até mesmo de regiões, por exemplo hubs logísticos, que lhes dá “uma perspectiva forward looking dos riscos que possam estar eminentes”.

Daniel Mendes da Silva apresenta ainda um desafio: “tentar entender qual é a necessidade do negócio. O que realmente queremos acrescentar, pois há negócios que pretendem apenas reduzir custos, e nesse caso não é necessário toda essa Big Data”.

Ao nível da responsabilidade social e sustentabilidade explica que por se tratar de uma plataforma web em que se registam fornecedores, é feito uma avaliação e existe uma monitorização em vários canais, sendo medidos quatro canais principais: ética, trabalho humano, sustentabilidade e ambiente. Têm 21 sub-tópicos em que estes fornecedores são avaliados e têm um rating e percentis para antecipar onde podem ter riscos na sua supply chain.

Revela que têm sentido dificuldade na visibilidade do Tier X, que está um pouco mais maduro na parte de direct material, mas onde “ainda é extremamente difícil conseguir ter uma conexão” e saber quem são os fornecedores dos fornecedores, e assim consecutivamente, de modo a conseguirem ter uma maior transparência na end-to-end supply chain. Tentam ainda mitigar o risco percebendo qual o peso que têm na facturação dos fornecedores, de modo a não os colocar em risco.

Pedro Hugo Rocha considera que “o factor humano voltou um bocadinho ao Procurement”, e que tem-se falado muito de digital Procurement, ferramentas e tecnologia, mas que no momento em que foi necessário analisar e dar uma resposta ao negócio, foi a parte humana que prevaleceu, falando directamente com os fornecedores.

Relativamente às aprendizagens que retiraram da pandemia, Pedro Hugo Rocha reforça a ideia da importância das equipas e das pessoas, e acredita num “Procurement relacional”, apoiado por ferramentas, mas que “é uma função que conecta necessidades de empresa e stakeholders com fornecedores”, e considera que nos próximos anos a aceleração do conceito de “agile Procurement” irá descolar, fazendo testes, implementando, verificando a sua funcionalidade, “porque o negócio vai pedir-nos para sermos flexíveis e ágeis”.

Por sua vez, e apesar de se encontrar numa empresa muito ágil e digital, foi necessário movimentar muitas pessoas em pontos específicos para dar resposta à necessidade do negócio, e como tal concorda que as pessoas e a agilidade são pontos fundamentais. Numa segunda ideia, perceber como é que o Procurement vai ajudar e dar resposta à necessidade do negócio, aliada ao crescimento da receita.

Num terceiro ponto, e em termos de conclusão, identificaram oportunidades de melhoria na forma como operam hoje e onde pretendem investir. Conta ainda que retomaram tecnologias existentes dentro da empresa que não estavam a ser utilizadas, e que devido à necessidade foram ‘redescobertas’.