Muito disseminada em contexto empresarial, a ideia de «cultura organizacional» tem um percurso consistente cujo detalhe não caberia num texto como este. Tradicionalmente indexada ao conjunto de valores disseminados no seio de uma organização, a expressão, fruto de um olhar oblíquo sobre o significado da palavra plurissignificativa «cultura», e pese embora o seu interesse crescente, tem revelado algum deficit de operacionalidade, com os teóricos a digladiarem-se sobre o seu alcance sem chegarem verdadeiramente a partilhar um chão comum que torne fecunda a possibilidade de diálogo, situação que o filósofo francês Jean-François Lyotard apodou, em 1983, de «diferendo».

Com efeito, sem um consenso minimamente auditável sobre o significado de «cultura», a própria noção de «cultura organizacional» parece condenada à condição de esdrúxulo objeto de estudo a dirimir pela academia no horizonte das ciências sociais, longe, portanto, da eficácia que a comunidade empresarial de boa-fé nela vem depositando. O erro, parece-me, reside bem aí: o significado da palavra «cultura» não deve ser “domesticado” pela academia, passo intermédio que tornaria “tangíveis” os resultados de produtividade de uma «cultura organizacional» tomada como simples “técnica” ao serviço da eficácia e excelência empresariais. A cultura foca-se obviamente na dimensão humana, qualitativa da vida das organizações, lembrando que a unidade que elas exibem é mais do que a mera concatenação acidental das suas partes.

Se for bem urdida, essa dimensão agregará valor ao contexto empresarial em que se insere, mas não deve ser essa a sua causa eficiente. A pretendida eficácia da cultura organizacional sofrerá um rude golpe se for assumida como simples instrumento de gestão, perdendo de vista a dimensão simbólica e qualitativa que esteve na sua génese.

Num mundo fortemente concorrencial em que que a sinalização de aspetos diferenciadores parece cada vez mais longínqua, dificuldade entretanto ampliada pela disseminação da linguagem do «remix» que faz da novidade um simples “detalhe”, a “criação” em sentido próprio virá unicamente da textura humana que nutre a vida das organizações. Nela reside a única dimensão que não será diretamente replicável noutras latitudes, a sua indelével marca d’água. Numa organização, a cultura não pode ser o último de uma interminável série de qualificativos listados como os produtos numa mercearia (quando se fala, por exemplo, «da responsabilidade social, económica e cultural da organização»), mas o seu próprio pulsar vital. Compreender isso, ou melhor, fazer isso, é ir para lá do habitual soundbyte.

Urbano Sidoncha | Diretor do Mestrado em Estudos de Cultura  | Universidade da Beira Interior