Numa era em que os limites ecológicos se tornam inegociáveis e as tensões sociais e económicas se ampliam a cada novo choque global,  deixou de ser possível compreender o mundo através de silos. Na segunda parte do seu artigo, Raquel Miranda aprofunda a urgência de uma visão sistémica e revela como a pressão sobre os recursos, a instabilidade climática e a desigualdade crescente estão a redesenhar as cadeias de valor e a exigir decisões informadas, interdependentes e sustentadas em evidência científica.

A Urgência de uma Visão Sistémica: Desafios Ambientais, Sociais e Económicos

O mundo enfrenta o desafio de assegurar recursos suficientes para uma população em crescimento, que, segundo as Nações Unidas, poderá ultrapassar os 9 mil milhões de pessoas até 2050. 

Esta pressão demográfica ocorre num cenário marcado por limites claros, incluindo a disponibilidade de terra arável, água potável e outros recursos naturais essenciais, num contexto em que se intensifica a necessidade de adaptação a um clima progressivamente mais quente, irregular e difícil de prever.

A resposta a este desafio exige uma compreensão integrada e interdependente dos fatores ambientais, sociais e económicos, reconhecendo que nenhuma destas dimensões pode ser tratada de forma isolada. A complexidade das dinâmicas atuais demonstra que decisões tomadas num domínio repercutem-se nos restantes, o que impõe estratégias coordenadas e fundamentadas em evidência científica. 

Este quadro reforça a necessidade de uma abordagem sistémica, em que fatores ambientais, sociais e económicos são analisados de forma articulada, reconhecendo que decisões tomadas numa dimensão têm repercussões imediatas nas restantes.

 

Desafios ambientais: entre a imprevisibilidade climática e a escassez de recursos

As alterações climáticas, resultantes do aumento contínuo das emissões de gases com efeito de estufa, têm provocado uma desestabilização profunda dos sistemas naturais, evidenciada por fenómenos como o degelo acelerado no Ártico, a subida do nível médio do mar, a acidificação dos oceanos e a maior frequência e intensidade de eventos meteorológicos extremos, incluindo secas prolongadas, cheias súbitas e ondas de calor. 

Esta evolução ocorre em paralelo com a degradação dos ecossistemas, resultante de pressões humanas que incluem a desflorestação, a conversão de solos para uso agrícola, a sobre-exploração de recursos essenciais como a pesca, a água e os minerais, bem como diversas formas de poluição que reduzem a capacidade de regeneração dos habitats e aceleram a perda de biodiversidade. Estes processos reforçam-se mutuamente: a deterioração dos ecossistemas limita a capacidade de resposta aos impactos climáticos, enquanto a instabilidade climática intensifica a degradação biológica.

A escassez crescente de recursos naturais, incluindo água doce, solos férteis e minerais estratégicos, introduz uma dimensão adicional de risco. A menor disponibilidade destes recursos coloca pressão sobre sectores produtivos, compromete estratégias de desenvolvimento e amplifica desigualdades sociais, especialmente em regiões já vulneráveis.

A análise integrada destes fatores demonstra que não se tratam de problemas isolados, mas de componentes interdependentes de um sistema global em tensão.

 

O impacto das alterações climáticas no setor agrícola

A seca severa de 2023, a segunda mais intensa desde 1931, evidenciou a vulnerabilidade do sector agrícola português face à crescente instabilidade climática e ao aumento da variabilidade dos recursos hídricos.

Dados do Instituto Nacional de Estatística indicam que a campanha de cereais de outono/inverno de 2022/2023 atingiu mínimos históricos, consequência da redução da área cultivada e de quebras significativas de produtividade. 

O aumento das necessidades de rega e o encarecimento dos bens necessários à produção agravaram os custos de exploração, reduzindo as margens de rentabilidade das explorações e diminuindo a disponibilidade de produto no mercado.

Esta conjugação de fatores fragilizou a sustentabilidade económica do sector e exerceu pressão adicional sobre os preços dos produtos alimentares. As repercussões estenderam-se à esfera social, refletindo-se na redução da acessibilidade aos alimentos e no aumento dos riscos associados à segurança alimentar.

 

O caso da escassez de lítio

O lítio é um recurso central para a produção de baterias utilizadas em veículos elétricos e em múltiplas aplicações eletrónicas. A procura por este mineral aumentou de forma muito significativa na última década, originando uma volatilidade acentuada nos preços.

Este fenómeno evidencia uma dimensão crítica da transição energética: a dependência de minerais estratégicos cujas cadeias de abastecimento se encontram fortemente concentradas e expostas a riscos de instabilidade. 

Um relatório recente sobre minerais críticos indica que os preços do lítio aumentaram cerca de oito vezes entre 2021 e 2022, contribuindo para um acréscimo relevante dos custos de produção de veículos elétricos e de outros equipamentos alimentados por sistemas de baterias.

Esta pressão sobre a oferta de minerais estratégicos, entre os quais o lítio, tem gerado constrangimentos relevantes nas cadeias globais de abastecimento de baterias, originando atrasos, interrupções, perdas de competitividade e um aumento generalizado de custos, revelando a vulnerabilidade das cadeias de valor a perturbações externas.

 

Desafios sociais: desigualdades crescentes, fragilidade laboral e pressões migratórias

A dimensão social enfrenta hoje desafios complexos que resultam de um mundo marcado por desigualdades profundas e transformações aceleradas. A urbanização é um exemplo disso mesmo. Com mais de metade da população mundial a viver em áreas urbanas, muitas cidades encontram-se sob pressão, incapazes de acompanhar o ritmo da procura por habitação, infra-estruturas, saneamento, educação e saúde. Esta discrepância alimenta desigualdades persistentes e compromete a coesão social.

A concentração de riqueza acentua este cenário. O relatório da Oxfam de 2024, que identifica que o 1% mais rico detém cerca de 43% da riqueza global, sublinha a magnitude desta assimetria. Tal desigualdade reflecte-se no acesso a oportunidades económicas e educativas, na capacidade de mobilidade social e no nível de qualidade de vida de grande parte da população mundial.

Paralelamente, as cadeias globais de abastecimento continuam a revelar condições laborais frágeis, caracterizadas por precariedade, baixos salários e negação de direitos fundamentais. Formas graves de exploração, como o trabalho forçado e infantil, concentram-se frequentemente nos elos menos visíveis da cadeia de valor, nomeadamente na agricultura, pesca e exploração mineira. Segundo a Anti-Slavery International, mais de 27 milhões de pessoas encontravam-se em situação de trabalho forçado em 2021.

As pressões sociais manifestam-se igualmente através de fluxos migratórios crescentes. A interacção entre alterações climáticas, escassez de recursos e conflitos armados está a provocar deslocações cada vez mais frequentes e prolongadas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados alerta que o número de pessoas deslocadas forçosamente atingiu níveis históricos e sublinha que a crise climática e a diminuição dos recursos naturais poderão impulsionar este fenómeno no futuro. 

Estimativas recentes sugerem que, em cenários de alta vulnerabilidade, poderá haver dezenas de milhões de migrações adicionais até meados da década de 2050, embora com elevado grau de incerteza.

 

Implicações para a gestão: antecipação, análise e oportunidade

Num contexto marcado por riscos sistémicos e por uma crescente interdependência entre factores económicos, sociais e ambientais, os gestores enfrentam a necessidade de reavaliar as estratégias das suas organizações. 

A adaptação requer a identificação rigorosa dos riscos mais relevantes, a análise das vulnerabilidades internas e externas e a definição de respostas capazes de mitigar impactos negativos enquanto criam oportunidades de crescimento. 

A capacidade de antecipar tendências, alinhar investimentos com objectivos de sustentabilidade e incorporar inovação tecnológica tornou-se determinante para assegurar competitividade num ambiente cada vez mais exigente. 

A sustentabilidade deixou de representar uma aspiração de longo prazo e afirma-se hoje como um requisito fundamental para garantir resiliência, segurança e prosperidade num mundo em rápida transformação.

Raquel Passos Miranda