Quando um simples clique é capaz de parar fábricas, atrasar entregas e abalar reputações, a cibersegurança deixa de ser um tema de TI e torna-se um imperativo de gestão. É essa a perspetiva de Rui Duro, Country Manager para Portugal da Check Point Software, que analisa como o novo campo de batalha da indústria é hoje digital, silencioso e global.
Num mundo industrial cada vez mais digital e interligado, um simples clique pode ser suficiente para parar o mundo. Linhas de produção paradas, entregas suspensas, contratos por cumprir e reputações comprometidas deixaram de ser cenários hipotéticos. Hoje, um ataque cibernético pode desencadear uma reação em cadeia com impacto económico global. O que antes era um problema restrito às equipas de TI tornou-se um risco estratégico que exige atenção ao mais alto nível de gestão. A digitalização trouxe ganhos de eficiência e competitividade, mas também criou novas vulnerabilidades. As empresas estão agora dependentes de sistemas interconectados, de fluxos automatizados e de redes globais de fornecedores. Esta dependência tornou as cadeias de abastecimento o novo campo de batalha do cibercrime.
Em 2025, segundo dados da Check Point Research, cada fabricante registou em média 1.585 ataques semanais, mais 30% do que no ano anterior. A Europa, e particularmente Portugal, registou um crescimento expressivo, com várias indústrias a serem visadas por campanhas de ransomware e espionagem digital. Estes números refletem uma tendência global: o setor industrial e logístico tornou-se um dos principais alvos de ciberataques. Os criminosos sabem que não precisam de roubar dados para lucrar. Basta-lhes paralisar uma fábrica, interromper a distribuição ou bloquear os sistemas de planeamento de produção. Cada hora de inatividade pode representar milhões de euros em perdas, sem falar no impacto reputacional e na quebra de confiança junto de clientes e investidores.
Os exemplos acumulam-se e são cada vez mais preocupantes. Em 2023, a Clorox viu-se obrigada a interromper as suas operações após um ataque de ransomware que lhe custou 356 milhões de dólares em perdas trimestrais. Em 2025, a Nucor, o maior produtor de aço da América do Norte, foi forçada a suspender a produção devido a uma intrusão nos seus sistemas. A Sensata Technologies, fornecedora de sensores e componentes para a indústria automóvel, enfrentou semanas de paralisia nas expedições, o que gerou atrasos e perdas de clientes. E a alemã Schumag AG acabou mesmo insolvente após meses de disrupções provocadas por ransomware. Estes casos demonstram que a cibersegurança já não é apenas uma preocupação tecnológica, mas uma questão de continuidade operacional e de sobrevivência empresarial.
O ponto mais crítico é que, no ecossistema industrial, nenhuma empresa opera isoladamente. As cadeias de abastecimento modernas são redes interdependentes que envolvem centenas ou milhares de fornecedores, distribuidores e parceiros tecnológicos. Esta interligação, que permite eficiência e velocidade, é também a principal vulnerabilidade. Basta um elo mais fraco para comprometer toda a cadeia. Quando um fornecedor é atacado, as consequências podem propagar-se rapidamente, causando disrupções em série. Um ataque a uma pequena empresa que fornece um componente essencial pode paralisar um fabricante global. Esta realidade está a ser explorada por grupos criminosos especializados, que vendem acessos roubados a redes industriais ou exploram vulnerabilidades em sistemas IoT e OT, muitas vezes negligenciados em termos de segurança.
Os sistemas de controlo industrial, os sensores e os dispositivos conectados que suportam a automação das fábricas são frequentemente antigos e desprovidos de mecanismos de defesa. Foram desenhados para eficiência e fiabilidade, não para enfrentar o cibercrime moderno. Hoje, essa falta de segurança representa uma porta aberta para intrusões. Os atacantes sabem que, ao comprometer um pequeno prestador de serviços ou fornecedor tecnológico, conseguem acesso privilegiado às redes dos grandes fabricantes. Este tipo de ataque em cascata, o chamado ataque à cadeia de abastecimento, é particularmente perigoso porque é difícil de detetar e de conter.
A dimensão geopolítica agrava o problema. Os ataques já não se limitam a motivações financeiras. Atores patrocinados por Estados têm vindo a direcionar esforços para setores industriais críticos, com o objetivo de roubar propriedade intelectual, enfraquecer economias rivais ou provocar disrupção estratégica. Nos últimos anos, assistiu-se ao roubo de planos de drones, projetos automóveis avançados e tecnologias ligadas à defesa. A perda de propriedade intelectual pode destruir vantagens competitivas construídas ao longo de décadas. Em paralelo, grupos de hacktivistas têm visado fabricantes ligados aos setores de energia e infraestruturas críticas, motivados por causas políticas. A fronteira entre o crime económico e o conflito geopolítico esbate-se cada vez mais, e as fábricas encontram-se agora na linha da frente dessa guerra silenciosa.
Os impactos económicos são profundos e duradouros. O tempo de paragem, ou downtime, não é apenas perda de produção. É também perda de confiança, incumprimento contratual, atraso em lançamentos de novos produtos e danos na reputação. Quando um fabricante falha uma entrega, o cliente tende a procurar alternativas. E quando a confiança se quebra, a recuperação é lenta e cara. Estudos internacionais, como o IBM Cost of a Data Breach Report 2024, estimam que o custo médio de recuperação de um ataque de ransomware ultrapassa os 4,5 milhões de dólares. No caso de cadeias de abastecimento interligadas, esse valor multiplica-se, uma vez que o impacto de um incidente se propaga por toda a rede.
Para enfrentar esta realidade, é imperativo que os executivos industriais passem a encarar a cibersegurança como um risco estratégico de negócio, e não como uma função técnica delegada ao departamento de TI. A separação entre “tecnologia” e “gestão” é um erro que já custou caro a muitas empresas. O verdadeiro papel dos líderes industriais é integrar a segurança digital nas decisões de negócio, na gestão de risco e na cultura corporativa. A questão já não é “estamos protegidos?”, mas sim “quantas horas conseguimos operar se os sistemas forem comprometidos?”, “os nossos fornecedores cumprem padrões mínimos de segurança?”, e “temos planos de recuperação testados e realistas?”.
A vantagem competitiva começa na prevenção. Em muitos setores, a maturidade cibernética já é um critério de seleção de fornecedores. Clientes internacionais exigem provas de resiliência, auditorias de segurança e políticas de resposta a incidentes. Uma empresa que não consiga demonstrar controlo e prevenção sobre a sua própria cadeia de abastecimento corre o risco de ser excluída de mercados estratégicos.
Para construir um setor verdadeiramente resiliente, há quatro prioridades fundamentais. A primeira é incorporar a resiliência operacional como parte integrante da estratégia empresarial. As empresas precisam de planos de continuidade de negócio testados, com tempos de recuperação medidos em horas, não em dias. Simulações regulares de incidentes cibernéticos devem envolver não apenas as equipas de TI, mas também as operações, a logística e a gestão. A segunda prioridade é proteger toda a cadeia de abastecimento. Isso implica exigir padrões de segurança mínimos a fornecedores e parceiros, avaliar riscos de terceiros e garantir visibilidade total sobre os sistemas conectados. Não se pode proteger o que não se conhece.
A terceira prioridade é defender a propriedade intelectual como se fosse o ativo mais valioso, porque é! A perda de dados, projetos ou algoritmos é um golpe estratégico. Soluções de prevenção de fuga de dados, segmentação de redes e políticas de zero trust são investimentos que protegem o coração da competitividade. A quarta prioridade é adotar uma postura de defesa proativa. Cumprir regulamentos, como a diretiva europeia NIS2, é apenas o ponto de partida. A conformidade é necessária, mas não suficiente. O objetivo deve ser antecipar ataques, identificar vulnerabilidades e reagir antes que o incidente ocorra. A utilização de inteligência artificial, automação e monitorização contínua é cada vez mais essencial.
A cibersegurança deixou de ser uma despesa inevitável e passou a ser uma fonte de vantagem competitiva. Empresas resilientes inspiram confiança, conquistam clientes e atraem investidores. Um relatório da Accenture de 2024 revelou que 74% das empresas industriais consideram a segurança digital um fator decisivo para manter contratos internacionais e que as organizações com maior maturidade cibernética têm 40% mais probabilidade de serem escolhidas como parceiros estratégicos. A resiliência cibernética é hoje o que a certificação de qualidade foi há trinta anos: um pré-requisito para operar em mercados globais.
A tecnologia é apenas parte da equação. A outra metade é a cultura. A maioria dos ataques bem-sucedidos não começa com um código sofisticado, mas com um erro humano, um e-mail de phishing, uma senha fraca, um acesso indevido. A sensibilização dos colaboradores e a criação de uma cultura de segurança são tão importantes quanto as defesas tecnológicas. A liderança tem aqui um papel decisivo, pois quando o exemplo vem de cima, a segurança passa a ser uma responsabilidade partilhada.
Num contexto em que cada minuto de paragem representa milhões de euros, o risco de inação é incomportável. O setor industrial e logístico está no centro de uma nova batalha, uma batalha silenciosa, digital e global. Mas há boas notícias, é que a prevenção funciona. Segundo o Global Cybersecurity Outlook 2025 do Fórum Económico Mundial, as organizações que investem em defesa proativa reduzem em média 80% o risco de disrupção operacional. A questão é que a prevenção exige visão, investimento e compromisso. Exige liderança.
O futuro das cadeias de abastecimento dependerá da capacidade de antecipar e mitigar ameaças cibernéticas. No curto prazo, os mercados continuarão a valorizar eficiência e custo, mas no médio e longo prazo, a verdadeira vantagem competitiva será a confiança. E a confiança constrói-se com segurança.
A pergunta que cada executivo deve fazer é simples: se um ataque cibernético parasse amanhã a nossa cadeia de produção, quanto tempo demoraríamos a recuperar? A resposta a essa pergunta definirá não apenas o futuro de uma empresa, mas a solidez de todo o ecossistema industrial. Num mundo onde cada elo conta, a resiliência digital é agora o principal fator de sobrevivência.
A cibersegurança é, hoje, o novo selo de qualidade da indústria. É o garante de que as fábricas continuam a produzir, que os camiões continuam a circular e que os clientes continuam a acreditar. Ignorar esta realidade é como deixar a porta do armazém aberta e esperar que ninguém entre. O risco já não é técnico, é estratégico. E a diferença entre as empresas que vão liderar e as que vão desaparecer está em quem decidir agir antes que o ataque aconteça.
Rui Duro, Country Manager para Portugal | Check Point Software



