O que deveria ter sido um avanço histórico rumo à descarbonização marítima transformou-se num impasse político. A sessão extraordinária do MEPC da Organização Marítima Internacional (IMO), que visava aprovar o Net Zero Framework, terminou com adiamento e divisões entre Estados-membros. Neste artigo, André Duro, da Euromar, reflete sobre o impacto deste recuo na credibilidade da organização e no futuro da regulação global do shipping.
A sessão extraordinária do MEPC da Organização Marítima Internacional (IMO) deveria ter marcado a adoção do Net Zero Framework (NZF), a primeira tentativa global de impor regras de emissões ao transporte marítimo. Em vez disso, o resultado foi um adiamento: 57 Estados votaram a favor de adiar a adoção por um ano, 49 contra e 21 abstiveram-se. Para alguns, trata-se de uma questão meramente administrativa; para outros, é a prova de um colapso sério no impulso político em torno da descarbonização marítima.
O IMO NZF sempre representou mais do que um pacote técnico de metas e taxas. Era o símbolo de que o shipping deveria avançar sob um quadro global único, evitando uma manta de retalhos de regimes regionais. Contudo, à medida que o debate chegou ao ponto decisivo, a geopolítica falou mais alto.
Os Estados Unidos lideraram uma campanha contra a medida, ameaçando com sanções, restrições portuárias e vistos mais difíceis para os Estados-Membros que a apoiassem. Outras economias influentes, como a Arábia Saudita e Singapura, alinharam-se com Washington, enquanto países como a Grécia, Chipre e outros europeus ficaram divididos entre a solidariedade com a União Europeia e as pressões internas do setor marítimo. As abstenções surgiram como a saída mais conveniente.
O adiamento não é necessariamente uma derrota, mas tem custos evidentes. O quadro do IMO NZF mantém-se vivo, passando agora para grupos técnicos que tentarão resolver as divergências sobre o preço do carbono, a distribuição dos lucros e o tratamento dos combustíveis de transição energética. Mas cada adiamento faz com que a confiança se vá perdendo. Armadores, financeiros e fornecedores de combustível ficam sem certezas, atrasando as encomendas e investimentos. E cresce o risco de fragmentação entre países ou regiões: múltiplas regras nacionais ou regionais, custos sobrepostos e perda de credibilidade nas soluções multilaterais.
A mensagem mais clara é outra: se uma iniciativa climática ambiciosa pode ser travada por ameaças de retaliação, então a autoridade da governação climática internacional fica abalada. A IMO sai desta semana diminuída, incapaz de impor consenso perante pressões geopolíticas. O NZF dificilmente regressará intacto: ou será diluído em exigências mais brandas, ou poderá nunca chegar a ser implementado. Em ambos os cenários, a única organização universal do setor marítimo fica a parecer mais observadora do que reguladora.
No fundo, o adiamento foi mais do que uma pausa — foi um golpe quase fatal. Ao ceder às pressões e adiar a decisão, a IMO deixou a porta aberta a que cada região ou país avance por conta própria. O mais provável é assistirmos ao crescimento de versões semelhantes ao modelo europeu (EU-ETS), com o Reino Unido, alguns Estados africanos e até a Turquia a desenharem os seus próprios esquemas de mercado de carbono. O resultado será um quadro regulatório disperso, desigual e burocrático, que tornará o shipping global ainda mais complexo e imprevisível.
André Duro, Senior Maritime Coordinator | European Mar (Euromar)



