O programa Portos 5+ promete mobilizar mais de 3 mil milhões de euros em investimento e concessões com prazos até 75 anos. Uma estratégia que pode transformar o sistema portuário português, mas que levanta também sérios desafios jurídicos e de governação. Em entrevista, o jurista Rui Duarte Rocha, associado sénior de Administrativo e Contratação Pública da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, analisa o enquadramento legal e os riscos de um programa que marca o futuro dos portos nacionais.

O Programa Portos 5+, aprovado pelo Governo português em julho de 2025, propõe uma nova estratégia para os portos comerciais do continente, com um horizonte temporal até 2035 e um investimento estimado em mais de 3 mil milhões de euros. O objetivo: reforçar a competitividade, sustentabilidade e integração dos portos nacionais nos grandes corredores logísticos europeus, através de novas concessões, algumas com prazos que poderão chegar aos 75 anos.

Trata-se de uma iniciativa de grande alcance económico e jurídico. “O Portos 5+ representa uma estratégia ambiciosa e potencialmente vantajosa para o país, desde que os contratos sejam bem desenhados e os mecanismos de controlo eficazes”, sublinha Rui Duarte Rocha, em entrevista à Supply Chain Magazine. Mas o jurista deixa o alerta: “Concessões tão longas exigem rigor contratual e mecanismos robustos de revisão e reequilíbrio, para evitar rigidez excessiva e perda de flexibilidade do Estado”.

Um programa de grande escala e com múltiplos objetivos

De acordo com o Governo, o Portos 5+ prevê 15 novas concessões, a lançar até 2035, cobrindo diferentes áreas da atividade portuária, desde a modernização de terminais à introdução de combustíveis alternativos e tecnologias de digitalização e automação. Entre as prioridades do programa estão:

  • Descarbonização e sustentabilidade, com aposta na eletrificação de cais e utilização de combustíveis verdes;

  • Digitalização da operação portuária, integrando dados, fluxos e automatização de processos;

  • Reforço das ligações ferroviárias e rodoviárias, para garantir maior intermodalidade e eficiência logística;

  • Valorização económica das áreas portuárias, atraindo novos investimentos e promovendo o desenvolvimento regional.

A dimensão das concessões — algumas previstas até 75 anos — é uma das características mais discutidas. “O direito europeu não proíbe prazos longos, mas exige que estejam devidamente justificados pelo ciclo económico do investimento”, explica Rui Duarte Rocha. “O essencial é garantir que o contrato integra cláusulas de revisão periódica, partilha de riscos e mecanismos transparentes de fiscalização”.

Silotagus: o primeiro contrato do novo ciclo

O primeiro contrato celebrado no âmbito do Portos 5+ foi assinado em outubro de 2025, entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a SILOTAGUS, S.A., para a concessão dos Terminais de Granéis Alimentares da Trafaria e do Beato.
O acordo, com prazo base de 30 anos (até 2055), estabelece obrigações de investimento e manutenção, mecanismos de reequilíbrio económico-financeiro e cláusulas inovadoras de partilha de lucros.
O Estado — através da APL — receberá um terço dos lucros excedentários gerados pela exploração dos terminais, sempre que superem o nível contratualmente definido. O contrato foi enquadrado no Decreto-Lei n.º 107/2025, que autoriza formalmente a concessão e define as bases regulatórias e de reversibilidade dos ativos.

A estrutura contratual da Silotagus é vista como um caso-piloto que poderá servir de referência para futuras concessões. No entanto, também expõe os desafios de conciliar estabilidade com flexibilidade: diferentes prazos para cada terminal, mecanismos de revisão e integração de metas ambientais e tecnológicas.

Desafios jurídicos e riscos de rigidez

O especialista da PRA sublinha que “o sucesso do programa dependerá da qualidade técnica dos contratos”. Entre as garantias essenciais, destaca:

  • Cláusulas de reequilíbrio económico-financeiro bem delimitadas, que previnam renegociações excessivas;

  • Garantias financeiras e ambientais proporcionais ao risco;

  • Planos de desempenho com indicadores auditáveis;

  • Clareza nos mecanismos de reversão de bens concessionados para o Estado.

“Os contratos devem combinar estabilidade estrutural e adaptabilidade funcional”, refere Rui Duarte Rocha. “Só assim será possível garantir a proteção do interesse público e a segurança jurídica dos investidores”.

Ainda assim, o jurista alerta para possíveis tensões: “A harmonização das concessões em vigor com as novas metas de sustentabilidade e digitalização pode gerar divergências interpretativas e, em casos limite, litígios sobre a repartição de encargos e prazos”.

Para Rui Duarte Rocha, o Portos 5+ é simultaneamente uma oportunidade histórica e um risco estrutural. “Se for executado com contratos equilibrados e mecanismos de salvaguarda, pode colocar Portugal na rota dos grandes players europeus e acelerar a transição verde e digital dos portos. Mas se os contratos forem rígidos e mal estruturados, o país pode ficar preso a compromissos que limitam a sua capacidade de adaptação durante décadas.” A chave, conclui, “está na qualidade técnica e jurídica dos contratos, na fiscalização eficaz do Estado e no alinhamento com as metas europeias de concorrência e sustentabilidade”.

📖 A entrevista completa com Rui Duarte Rocha na edição de novembro da Supply Chain Magazine (SCM #68), onde o jurista analisa em detalhe os desafios jurídicos, os riscos e as oportunidades deste plano estratégico para os portos portugueses.