Portugal pode ser um hub logístico inteligente da Europa. Esta foi a ambição deixada pela secretária de Estado da Mobilidade, Cristina Pinto Dias, na abertura do 27.º Congresso de Logística, esta terça-feira, 14 de outubro. O governo – acrescentou – está a trabalhar em políticas públicas que garantam que o país vai liderar as tendências do setor, mais do que acompanhá-las.

Promovido pela APLOG – Associação Portuguesa de Logística, o congresso, que decorre até esta quarta-feira no Tagus Park, em Oeiras, é subordinado ao tema “Colaboração Humano – Máquina | O novo paradigma”. E, a propósito, a governante sustentou que “a tecnologia vem acelerar a eficiência, mas às máquinas faltam a criatividade, a proximidade e a visão estratégica, que são atributos do talento humano”. Na sua perspetiva, a automação deve ser o catalisador da requalificação humana.

Portugal – disse – quer estar na linha da frente da transformação em curso e tem condições para isso: uma localização estratégica, uma rede de portos, empresas com visão e ambição e talento qualificado.

Cristina Pinto Dias concretizou a ambição: fazer o país subir do atual 38.º lugar que ocupa no índice global de performance logística para o grupo dos primeiros 30.

Intervindo igualmente na sessão de abertura, o presidente da APLOG, Afonso Almeida, começou por endereçar os desafios que as cadeias de abastecimento enfrentam, desde logo os conflitos militares e as tarifas aduaneiras.

Quanto à tecnologia, que está no centro deste encontro de dois dias, ressalvou que a Inteligência Artificial (IA) já não é uma tendência distante, estando presente em áreas críticas da atividade, nomeadamente com algoritmos de otimização de rotas ou de previsão de stocks ou, nos armazéns, em soluções que combinam a robótica e a visão computacional.

São fatores de eficiência, mas – alertou – levantam-se alguns desafios, entre eles se destacando os que se prendem com a adaptação das competências. Colocam-se, igualmente, riscos éticos e de confiança, a impor salvaguardas para que as decisões sejam transparentes e auditáveis. Neste contexto, ao ser humano compete assegurar a direção e o propósito das decisões. “Os profissionais continuam a ser o centro do ecossistema”, advogou.

Desafios do talento

E foram exatamente os “Desafios do talento em logística e transporte” que estiveram em análise na primeira mesa redonda do evento, um tema introduzido por Pedro Amorim, Entreprise Sales Director Portugal, Med and Eastern Europe do ManpowerGroup. A conversa desenrolou-se a partir da apresentação dos principais dados extraídos do estudo que a consultora de recursos humanos promoveu para a APLOG, estudo a que responderam 62 empresas e que evidenciou as principais tendências, preocupações e desafios do setor.

No que toca às preocupações manifestadas, são reunidas em quatro grandes áreas: a digitalização e automação, identificadas por 97% da amostra, correspondendo a uma subida de 2% face à primeira edição do estudo, em 2023; a gestão de talentos, com a mesma incidência, mas um aumento de 3%; a cibersegurança, apontada por 95% dos respondentes (mais 3% do que há dois anos); e a geopolítica e os eventos mundiais, referidos pela mesma percentagem, mas com uma descida de 1% face a 2023.

Questionados sobre os desafios e prioridades, as empresas destacaram a transformação digital, a formação e desenvolvimento, a agilidade e flexibilidade, e a procura de eficiências.

No que concerne a gestão de talento, 98% considerou que o principal desafio constitui a escassez e competitividade pelo talento (mais 9% em relação ao estudo anterior); 95% referiu a atualização de competências face à digitalização (uma subida de 4%). A fidelização de pessoas e o défice de liderança foram também apontados.

Não obstante os desafios, 57% das empresas pretendem aumentar as equipas em 2026, com apenas 3% a manifestar a intenção oposta, o que resulta numa projeção para a criação líquida de emprego de 54%.

Sobre as estratégias para atrair e fidelizar talento, a revisão das propostas salariais surge em primeiro lugar, seguida da capacitação das pessoas (upskilling e reskilling).

Depois da apresentação do estudo, o tema foi alvo de debate por Ana Guimarães, Human Resources Director da The Navigator Company; Isabel Monteiro, Chief People Officer da BA; Luís Pedro, Managing Director da Torrestir; e Luís Branquinho, head of Supply Chain da Körber Supply Chain.

Um futuro mais verde e inteligente

Dos desafios do talento o congresso avançou para as tendências de inovação, com a senior manager Innovation da DHL Customer Solutions & Innovation da DHL, Emily Pitcher, a partilhar as principais conclusões do Logistics Trend Radar 7.0 da empresa. E, como pilares da logística do futuro, destacou, desde logo, o papel da Inteligência Artificial, considerando que a adoção de soluções de IA ética e responsável está a permitir otimizar operações, prever disrupções e reforçar a eficiência das cadeias de abastecimento, enquanto reduz desperdícios e emissões.

Entre esses mesmos pilares incluiu a sustentabilidade e a necessária evolução dos modelos logísticos nesse sentido – suportados na digitalização, na economia circular e na descarbonização.

Nesta edição, ficaram sob o radar da DHL cinco novas tendências que, segundo o operador, prometem redefinir o ecossistema logístico global. São elas: AI Ethics, no sentido de garantir o uso ético e transparente da inteligência artificial nas operações logísticas; Workforce Focus, envolvendo a valorização do talento humano e a promoção de ambientes de trabalho mais seguros, flexíveis e inclusivos; Green Urban Transformation, com o acelerar da transição para cidades mais sustentáveis e cadeias logísticas de baixo impacto ambiental; E-Commerce Evolution, visando impulsionar uma nova fase do comércio eletrónico, marcada pela personalização e integração omnicanal; e Audio AI, que se prende com explorar o potencial da IA baseada em som e voz para otimizar comunicações, operações e experiências do cliente.

Um novo mundo autónomo

Foi também sobre a transformação em curso que se pronunciou Sérgio Ferreira, partner da EY Consulting, para antecipar que se está a viver a quinta revolução industrial protagonizada pela IA. “Quando inventámos a Internet, o que conseguimos foi reduzir o custo unitário da distribuição da informação. Neste momento, estamos a democratizar o custo da cognição, estamos a democratizar o acesso à inteligência e à tomada de decisão”, enquadrou.

Na sua perspetiva, esta capacidade de automatizar os milhares de decisões da cadeia de abastecimento constitui “a grande oportunidade” para as organizações. “Olhando para o que está a acontecer, vamos deixar de ter uma lacuna entre empresas tradicionais e empresas digitais. O fosso vai-se alargar entre os que alavancarem a IA e tudo o que ela pode fazer em termos de algoritmos para transformarem as organizações e os que não o fizerem”, sustentou.

Neste contexto, partilhou o que considera serem as três grandes tendências no horizonte. A começar pela criação de um novo conceito – o de organizações algorítmicas, aquelas que, através do poder dos dados, dos algoritmos e da automação, vão garantir vantagens competitivas no mercado.

Em segundo lugar, a evolução de transações para experiências: “Quantos se lembra, do que pagaram pela última série que viram na Netflix ou pela última música que ouviram no Spotify?”, questionou, para recordar que, com estas empresas, não se fazem transações, antes se estabelecem relações. É o modelo de subscrição, que está a conquistar novos clientes. E estas empresas são bem sucedidas porque alavancam todo o potencial dos dados e dos algoritmos.

Finalmente, segundo Sérgio Ferreira, um novo mundo autónomo está à porta: são os agentes de IA. “Todos vamos ter um até final da década. Vão ser criados aos milhões este ano e nos próximos”, preconizou. E explicou: “Até agora, tínhamos assistentes de IA que respondem a perguntas, mas a grande transformação que está a chegar é a autonomia de damos a esses agentes, que vão saber falar connosco e ter ação por nós.”