O que têm em comum Joaquim Oliveira (Deloitte), João Queirós (EY) e Pedro Pinto Barros (PwC)? São conhecedores dos temas da cadeia de abastecimento. E é a partir desse conhecimento que foram desafiados pela SCM para um exercício de projeção dos desafios que estarão no caminho do setor e da função até 2030. Ainda que não inteiramente coincidentes no olhar, há perspetivas em comum. E uma certeza: a de que se vive um momento de transformação profunda que convoca as organizações e que é terreno fértil para o procurement se afirmar como uma ferramenta de criação de valor. 

Joaquim Oliveira, partner de Consulting, Enterprise Technology & Performance da Deloitte

“A rápida evolução de tecnologias como a Inteligência Artificial Generativa (GenAI) e a Inteligência Artificial Agentic (Agentic AI) está a reformular a forma como o procurement opera. Estas ferramentas prometem ganhos substanciais de produtividade, maior capacidade preditiva e automatização de processos. Contudo, uma integração bem-sucedida exige uma abordagem estratégica: é necessário investir na transformação digital e capacitar as equipas com competências especializadas. Sem essa adaptação, há riscos reais de resistência interna, falhas de alinhamento com os processos existentes e perda de oportunidades de inovação.

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A crescente instabilidade no comércio global, marcada por pressões inflacionárias, conflitos geopolíticos e alterações nas cadeias de abastecimento, impõe novos desafios à gestão de risco no procurement. A resposta exige medidas proativas e bem estruturadas. 

A criação de equipas especializadas para lidar com requisitos legais e/ou barreiras alfandegárias é um exemplo de uma estratégia para a mitigação dos riscos operacionais num contexto de imprevisibilidade. Tendo em conta este exemplo, no contexto de uma organização, esta equipa não só assegura a conformidade com regulamentações, como permite mitigar os riscos operacionais, assegurando a continuidade do fornecimento e protegendo a cadeia de valor. Adicionalmente, a adoção de ferramentas de risk sensing com base em IA reforça a visibilidade da cadeia multi-tier e constrói relações de colaboração com fornecedores.

A digitalização do procurement depende fortemente do desenvolvimento de talento qualificado. A capacidade de atrair, reter e formar profissionais com competências digitais torna-se uma prioridade absoluta. Sem uma força de trabalho capacitada, as organizações terão dificuldades em tirar partido das novas ferramentas e metodologias.

Mais do que competências técnicas, é necessária uma mentalidade adaptativa, voltada para a inovação e para a colaboração interfuncional. O futuro das equipas de procurement passa por ter equipas híbridas — com competências técnicas, digitais e comportamentais. O investimento em upskilling e reskilling será o diferencial competitivo das organizações mais bem preparadas.

Apesar do aumento da complexidade dos mercados e do potencial estratégico do procurement, a função ainda enfrenta limitações de influência real em áreas críticas como I&D, fiscalidade e marketing. Esta falta de integração compromete o seu impacto em decisões estruturais, como make or buy, reshoring ou inovação de produto.

Para superar este desafio, o procurement precisa de evoluir de uma função reativa para um verdadeiro cocriador da estratégia de negócio. Isso exige alinhamento transversal com todas as áreas da organização; KPI claros e orientados para o valor; e participação ativa em temas como ESG, sustentabilidade e impacto social.

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João Queirós, senior manager de Supply Chain & Operations da Ernst & Young

“O aumento da frequência e intensidade dos choques globais – como pandemias e guerras – deixaram visível que as cadeias de abastecimento altamente otimizadas são frágeis e insustentáveis no longo prazo. A resiliência e a gestão de risco deixaram de ser apenas um tema para passar a ser uma vantagem competitiva. As equipas de procurement terão de repensar as suas estratégias e abraçar novas como multi-sourcing ou o nearshoring.

As novas estratégias que as equipas de compras terão de adotar para dar resposta a cadeias de abastecimento mais resilientes trarão uma maior complexidade de gestão. Embora a globalização tenha proporcionado acesso a mercados e fornecedores, também trouxe desafios relacionados com a complexidade e gestão em múltiplas jurisdições. As empresas precisarão de navegar por diferentes regulamentações, culturas e práticas comerciais o que dificultará a eficiência e eficácia das operações de compra.

A função de compras está a evoluir muito rapidamente e a forçar alterações ao nível de competências técnicas e comportamentais. Acrescem os desafios relacionados com as características próprias das novas gerações que entram no mundo do trabalho – mais digitais, mais orientadas ao desafio e à satisfação imediata dos seus objetivos. As organizações terão de investir em reskilling e upskilling, bem como em modelos inovadores de trabalho, mais atrativos, e que consigam reter os melhores profissionais.

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Não poderia terminar um artigo deste género sem abordar o tema da tecnologia. O impacto da inteligência artificial está a mudar rapidamente o cenário das organizações, incluindo das equipas de compras. A adoção desta tecnologia e de outras como blockchain e automação irá exigir aos profissionais de compras uma forte capacidade de adaptação e adoção de novas habilidades. A resistência à mudança e a falta de conhecimento tecnológico podem ser barreiras significativas.”

Pedro Pinto Barros, advisor director na PwC

 A inteligência artificial (IA) tem vindo a afirmar-se como uma das tecnologias mais transformadoras no domínio do procurement. (…)  Todavia, para implementar eficazmente a IA, é fundamental estabelecer diretrizes claras para a sua utilização, criar uma infraestrutura tecnológica robusta e promover uma mudança cultural significativa que fomente a adoção da inovação. Recomenda-se, por conseguinte, iniciar com projetos-piloto de pequena escala com casos de uso que demonstrem o seu valor acrescentado; estes devem ser acompanhados de investimentos em formação especializada para o desenvolvimento de competências internas. 

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A adoção de qualquer  tecnologia só será verdadeiramente eficaz se acompanhada pelo desenvolvimento das competências dos profissionais de procurement, competências essas que ultrapassam o conhecimento adquirido em contexto de trabalho – o chamado on the job training. Conhecimentos profundos de análise de dados, negociação e gestão de fornecedores assumem uma importância crescente. Neste sentido, e de acordo com o estudo “Across the Procurement Verse”, da Economist Impact, torna-se essencial o investimento em programas de formação contínua e personalizados, que promovam o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais, bem como o crescimento profissional. A colaboração com instituições de ensino superior para a conceção de currículos alinhados com as exigências do mercado constitui igualmente uma estratégia eficaz para preparar a próxima geração de profissionais. 

Além das competências técnicas, os profissionais devem  estar preparados para responder a novas exigências éticas e sociais, nomeadamente através da divulgação de indicadores ESG, que ganham crescente relevância estratégica nas organizações. A União Europeia, através de iniciativas como o recente pacote Omnibus, tem introduzido diversas diretivas e regulamentos com vista ao relato de informação não financeira e, ainda que não tenham uma aplicação generalizada a todas as empresas, é fundamental que estas se preparem para responder às exigências crescentes. 

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O atual contexto global, marcado por volatilidade e incerteza, reforça a importância crítica da gestão de riscos em procurement. A disrupção das cadeias de abastecimento, resultante de conflitos internacionais e de políticas comerciais imprevisíveis, exige uma abordagem proativa na identificação e mitigação de riscos. Tal implica a diversificação da base de fornecedores e o estabelecimento de parcerias estratégicas com outras áreas da organização, conforme indicado na análise da Economist Impact, como a investigação e desenvolvimento, com vista à elaboração de planos de contingência robustos. A adoção de tecnologias de monitorização em tempo real constitui igualmente uma mais-valia, permitindo uma resposta célere a alterações no ambiente externo e assegurando a continuidade das operações.”

 

Este artigo pode ser lido na íntegra na SCMedia News #65.