A sustentabilidade é o denominador comum do segundo Dossier SCM. Um tema incontornável para a sociedade e para a economia e, por conseguinte, uma rota imperativa para o setor logístico. Impulsionadas pela legislação europeia, que, apesar de algum abrandamento, vem impor metas e obrigações, as empresas estão num claro ponto de viragem. Investem na descarbonização de processos, otimizam as operações, de modo a que sustentabilidade também seja sinónimo de eficácia e eficiência, e apostam em parcerias, a montante e a jusante da sua cadeia de abastecimento, num compromisso coletivo com o futuro escrito a verde.
O relógio europeu abrandou, mas não parou
“Stop-the-clock”. É assim que é conhecida a mais recente diretiva da União Europeia (UE) relativamente às obrigações de reporte e dever de diligência das empresas no âmbito da sustentabilidade. Trata-se da Diretiva UE 2025/794, de 14 de abril de 2025, que os Estados membros têm de transpor para as respetivas legislações até final do ano. E tem esta designação porquanto, essencialmente, vem adiar os prazos, mas também simplificar o quadro legal e reduzir a carga administrativa associada ao reporte ESG (ambiental, social e de governance).
Este é um adiamento que a responsável pela Coordenação, Parcerias & Inovação do GRACE, Teresa Themudo, vê com bons olhos, entendendo-o como uma tentativa de equilibrar rigor com viabilidade operacional. “A complexidade técnica do novo quadro de reporte é significativa, especialmente para empresas de menor dimensão ou com menor maturidade em sustentabilidade. Por isso, a simplificação e o adiamento podem ser positivos se forem encarados como uma oportunidade para consolidar capacidades — e não como um pretexto para abrandar o compromisso”, justifica.
O essencial – alerta – “é que o tempo adicional seja usado para investir em processos, dados, governance e qualificação das equipas, de forma a garantir que o reporte, quando entrar em vigor, represente verdadeiramente a evolução das práticas e não apenas um exercício administrativo”. Para a associação que agrega empresas sob a égide da responsabilidade, este tema tem de extravasar o compliance, devendo, antes, ser encarado na ótica da competitividade, da resiliência e de um “walk the talk” em que se alia o “porquê” ao “como”, tendo por base um propósito comum: a criação de impactos positivos e duradouros nas pessoas e no planeta.
Relatórios e obrigatoriedade à parte, estarão as empresas portuguesas no bom caminho? A porta-voz do GRACE dá conta de uma “evolução clara”, com maior integração dos temas de sustentabilidade na estratégia, nos modelos de negócio e na relação com stakeholders. Em muitas áreas — como clima, economia circular, diversidade, inclusão ou impacto social — há progressos consistentes. Não obstante, reconhece que o caminho ainda é desigual, persistindo desafios na qualidade dos dados, na definição de metas mensuráveis, na integração plena da cadeia de valor e na articulação entre compromissos e execução.
Colocar a supply chain no centro da sustentabilidade
A Bel Portugal é uma das empresas que está a fazer esse caminho, com a ambição da empresa de chegar a 2030 com redução de emissões em toda a cadeia, zero desperdício alimentar nas fábricas, transição total para embalagens circulares, e aumento da eficiência energética. “Queremos uma operação em que cada etapa seja gerida para minimizar impactos negativos e maximizar benefícios para as pessoas e o ambiente”, sintetiza o diretor de Supply Chain, Ricardo Marques.
A grande protagonista da estratégia é a supply chain, com a reorganização dos fluxos logísticos, a otimização das rotas e a utilização de energia verde nos armazéns dos parceiros a conduzirem a que, desde 2022, se verificasse “uma redução significativa das emissões de CO2”. Concretizando, indica que a empresa utiliza megatrucks nos fluxos diários, evitando mais de 120 viagens anuais, reduzindo o consumo total de combustível e as emissões associadas, ao mesmo tempo que a utilização de biodiesel nestes mesmos fluxos gerou uma diminuição de até 90% na emissão de dióxido de carbono.
São resultados que decorrem da reconfiguração da cadeia de valor, tornando-a mais eficiente, mais resiliente e com menor impacto ambiental. O que envolveu rever todos os processos logísticos e industriais, apostar em tecnologia, reorganizar fluxos e desenvolver parcerias estratégicas para garantir não só a redução de emissões, mas também maior flexibilidade perante imprevistos, e eficiência operacional. Traduzindo para a prática: revisão de rotas, utilização da capacidade máxima dos camiões, redução dos períodos de imobilização dos transportes. Mas não só: a empresa trabalhou nas embalagens, primárias e secundárias, para serem 100% recicláveis ou compostáveis no médio/longo prazo; usou a Ecovadis como medida de seleção de fornecedores; adotou regras relacionadas com práticas ambientais claras, incluindo-as nos cadernos de encargos.
Este é um caminho que a Bel quer fazer em conjunto com todos os elos da cadeia, numa abordagem que envolve projetos piloto de redução de emissões, digitalização de processos e partilha de boas práticas. “A colaboração é permanente, sempre com objetivos comuns de melhoria continua”, assegura Ricardo Marques, dando conta de que, com esse intuito, a empresa está a desafiar os parceiros da cadeia de abastecimento a terem no mínimo, classificação Prata no Ecovadis, com projetos de planos de redução de impacto ambiental e o cumprimento das regras definidas pela Bel.
Há cápsulas que fazem a diferença, com logística
Trabalho conjunto é precisamente o que desenvolvem, há dez anos, a Nespresso Portugal e a Luís Simões, numa operação que visa conciliar eficiência logística e sustentabilidade. E que é permanentemente desafiada pela mudança de hábitos de consumo e, em particular, pelo impulso acelerado do comércio online.
“No e-commerce, em particular, registámos nos últimos anos um crescimento consistente, impulsionado por mudanças significativas nos hábitos de consumo”, nota o diretor de Operações, Qualidade e Logística da Nespresso Portugal, António Martins, adiantando que, neste contexto, a Luís Simões assegura “a excelência de todo o processo logístico”: desde a receção do produto, controlo de lotes e rastreabilidade, até à preparação e expedição de pedidos, gestão de devoluções e operações de co-packing.
Um balanço “francamente positivo” é igualmente o que faz o diretor Regional de Logística da Luís Simões, Luís Mendes Fernandes, afirmando que esta é “uma verdadeira parceria”, em que crescimento e inovação são duas constantes. “A proximidade e a exigência normativa da Nespresso contribuem positivamente para o desenvolvimento das nossas competências, o que muito valorizamos”, refere.
Há particularidades do portefólio – pelo facto de ser altamente personalizado, de incluir diferentes tipos de produtos e combinações de encomendas – que exigem uma cadeia de distribuição especializada e operacionalmente avançada. Assim, assumindo como missão garantir a operação com um número residual de falhas que não comprometa a experiência de compra do consumidor, a Luís Simões intervém regularmente na melhoria dos indicadores de eficácia e eficiência. Em 2025, com esse propósito, o investimento total aproximou-se do milhão de euros. O diretor de Logística da Nespresso corrobora essa aposta, nomeadamente nos processos de picking, “uma etapa crítica devido ao volume diário de encomendas e à elevada personalização das encomendas”.
Mas, numa marca que tem a sustentabilidade como bandeira, como se concilia a pressão sobre a cadeia logística com esse compromisso? O diretor de Operações elenca as sucessivas medidas adotadas: bicicletas para entregas no centro de Lisboa e veículos elétricos para distribuição ao domicílio; a definição, para os parceiros, de metas claras de redução de distâncias percorridas e emissões de CO₂; e a utilização de embalagens de cartão reciclado e reciclável para o envio das encomendas de e-commerce, entre outras. A propósito, enuncia que a operação de e-commerce da Nespresso tem evoluído significativamente para se tornar mais sustentável, “enfrentando um desafio complexo com soluções inovadoras”: “É um desafio, é certo, mas, através de um conjunto de medidas, temos vindo a conseguir alcançar este objetivo”.
Reinventar a roda, um pneu de cada vez
Na mesma rota de sustentabilidade está a Continental Tires, consciente de que a indústria de pneus tem uma fatura substancial a pagar no que toca ao impacto ambiental. Da extração de matérias-primas – como o petróleo e a borracha natural – ao uso de combustíveis fosseis na produção, até à libertação de microplásticos pelo desgaste, sem esquecer o descarte inadequado, somam-se parcelas nessa fatura.
Aqui, nas palavras do head of Sustainablity, Jorge Almeida, a sustentabilidade não é um projeto paralelo: “Faz parte de tudo o que fazemos.” E o que significa isso? Significa obter matérias-primas de forma responsável, reduzir emissões ao longo de toda a cadeia de valor e desenvolver produtos mais eficientes em termos energéticos e com maior durabilidade. “Estamos empenhados em tornar a mobilidade mais sustentável uma realidade. Por isso, trazemos inovações para o mercado o mais rapidamente possível, garantindo sempre a máxima segurança e desempenho”, manifesta.
É um manifesto que se escreve na prática: as fábricas – diz o porta-voz – estão a tornar-se mais limpas, inteligentes e eficientes na utilização de recursos e exemplo disso é facto de, desde 2020, 100 por cento de eletricidade utilizada em todas as operações ser proveniente de fontes renováveis. Além disso, a Continental expande o uso de energia renovável própria nas suas instalações sempre que possível, o que, em 2024, se traduziu numa poupança de aproximadamente 50 gigawatts-hora de energia através de mais de 80 projetos em todo o mundo. Com 2023 incluído, são 200 gigawatts-hora poupados em dois anos.
Na direção da sustentabilidade, a economia circular é outra das paragens, com as matérias-primas reciclados a tornarem-se “cada vez mais importantes” na produção da Continental. Mas, o head of Sustainability ressalva que, para tornar os produtos mais circulares, há que pensar de forma diferente: passar de um conceito de “fim de vida” para o de “fim de utilização”, ou seja, quando termina a primeira vida de um pneu, deve começar algo novo.
Assim, a empresa está “constantemente” a testar e a integrar novos materiais e tecnologias no processo produtivo, “sempre mantendo rigorosos padrões de segurança e desempenho”. Há números que provam essa abordagem: em média, em 2024, os pneus da Continental continham 26 por cento de materiais renováveis e reciclados, sendo intenção aumentar esta proporção para pelo menos 40 por cento até 2030.
Sejam pacotes de leite, cápsulas de café ou pneus, o propósito é transversal, com a sustentabilidade a permear as decisões e os investimentos, na certeza também de que é boa para o negócio.
Pode ler este dossier na íntegra na SCM Media #69.



