A colaboração como imperativo na cadeia de abastecimento dos produtos de grande rotação foi a principal conclusão que emergiu da conferência FMCG & Retail 2025, promovida pela Supply Chain Magazine na última quinta-feira, 12 de dezembro. Tendo como anfitriã a Sonae MC, em Carnaxide, convidou a uma reflexão sobre o tema “Entre o linear e o instantâneo: como reinventar a supply chain FMCG?”.
E foi na mesa redonda dedicada ao tema do evento que a necessidade de colaboração foi colocada em evidência. Moderada por Vírgilio Vaz, senior supply chain consultant, reuniu os vários elos da cadeia – indústria, retalho e operadores logísticos. Antes, porém, os participantes foram desafios a pronunciar-se sobre as práticas e soluções que estão a transformar cadeias tradicionalmente lineares em cadeias ágeis e responsivas.
Na ótica do supply chain director da Lactalis, Artur Santos, o desafio principal, enquanto grupo agroalimentar que trabalha em ambiente de multitemperatura, com múltiplos formatos e canais, é garantir que os produtos estejam disponíveis para os shoppers e para os consumidores e, para isso, “a supply chain tem de estar dentro do processo de negócio, para colaborar e adicionar valor”.
“Mas, nada disto se faz sem informação. Não podemos pensar em ter cadeias de abastecimento ágeis, responsivas, eficientes e eficazes sem informação, não só on time, mas também qualitativa, sobre a qual possamos trabalhar para prever”, afirmou.
A antecipação é, precisamente, um dos pilares cruciais, na ótica do business development director Iberia da Americold, Mauro Monteiro, que lhe acrescenta a capacidade de planeamento e a versatilidade, este último essencial para um operador logístico de temperatura controlada. “A versatilidade e a cooperação na cadeia são fundamentais para criar as soluções necessárias que que, no final do dia, os consumidores sejam alimentados pelos produtos que estão nas nossas plataformas e circulam nas nossas viaturas”, indicou.
De acordo com esta visão esteve o diretor-geral de Business Development da Luís Simões, Vítor Enes, defensor da colaboração enquanto ferramenta de otimização dos processos logísticos. E, nesse aspeto, deu exemplos práticos de como as massas críticas são relevantes, nomeadamente um caso, na plataforma da região de Madrid, em que foi possível convencer duas multinacionais a partilharem o mesmo centro logístico e tirarem partido dessas sinergias. Recordando que, entre os fatores principais na exploração de um veículo, estão o equilíbrio de custos, a taxa de otimização e os tempos de espera na carga e descarga, argumentou que é necessário “procurar massas críticas e trabalhar em conjunto”.
Já o CEO do Avenidas Group, Manuel Reis, aportou um olhar direcionado para a dialética linear versus instantâneo, para defender a necessidade de introduzir no centro das cidades infraestruturas complementares às que existem nos arredores, isto é, serviços de micrologística que permitam proximidade e entregas rápidas, respondendo a um consumidor que exige essa rapidez e que gera imprevisibilidade no consumo.
Também Miguel Mamede, area manager de Supply Chain Operations na Sonae MC, advogou o equilíbrio entre o linear e o instantâneo, recordando como a empresa nasceu num hipermercado e, 40 anos depois, está a investir na proximidade, no e-commerce e no quick commerce. No entanto, abastecer formatos muito diversos coloca alguns desafios, nomeadamente compatibilizar serviço com custos. Nesse contexto, é fulcral a partilha com os parceiros, entre eles, os fornecedores.
Mas, o que é preciso para desbloquear a colaboração e a cooperação, em particular no que concerne a partilha de dados? A esta questão do moderador, Miguel Mamede reconheceu que a supply chain ainda não conseguiu ultrapassar na totalidade os obstáculos à partilha de dados e à qualidade da informação. Também em matéria de planeamento conjunto, há “um longo caminho a percorrer”, sendo necessário investir em sistemas para que a cadeia tenha, como um todo, visibilidade sobre a procura.
Manuel Reis concordou na importância de todos os parceiros que interagem na cadeia terem total visibilidade em tempo real, mas concordou igualmente que é difícil. Um problema que poderia ser ultrapassado se houvesse um player central que agregasse todos os dados.
Vítor Enes retomou o tópico das massas críticas, para advogar a importância de as empresas se juntarem, partilhando armazéns e transporte. Concretizando, referiu-se à descarbonização como uma oportunidade para essa colaboração: “Se não nos juntarmos, só vamos estar a substituir veículos a combustão por veículos elétricos. O que temos é de juntar as massas críticas no mesmo camião e fazer distribuição em conjunto.”
A experiência de Mauro Monteiro é outra. Deu conta de que a cultura interna da Americold já é de colaboração, afirmando: “Os parceiros com que nos vamos relacionando vão percebendo que a partilha de dados, e até a partilha de problemas, leva a que o operador se possa ajustar.”
Também na Lactalis, segundo Artur Santos, a colaboração com os parceiros de negócios e prestados está “num patamar bastante evoluído”: “Sobretudo quando existem relações muito duradoras já muita quebra de resistência e ganho de confiança.”. Já com os clientes, ainda se está a desenvolver, e, com os “colegas de mercado” é mais difícil, com os esforços do passado a esbarrarem em questões de compliance.
O contributo do benchmarking supply chain
De colaboração voltaria a falar-se no painel debate que encerrou o evento, um tema suscitado pela apresentação das principais conclusões do 13.º Benchmarking Supply Chain promovido pela GS1 Portugal.
Numa conversa moderada por Beatriz Castanhas, técnica de estudos de mercado, Miguel Mamede, da Sonae MC, começou por dizer que o estudo constitui “um bom exemplo de uma ferramenta” que potencia a colaboração entre retalhistas e fornecedores. Isto porque permite, de forma quantificada e segmentada, ter uma análise critica dos principais temas, identificando focos de melhoria e contribuindo para criar planos de ação para resolução dos problemas.
A ótica dos distribuidores foi levada a palco por Danilo Hassamo, Finance & Supply Chain director da PrimeDrinks, que deu a conhecer que o maior desafio da empresa é sempre garantir que o produto não falta nas prateleiras dos retalhistas. Mas também assegurar que constitui uma ponte válida na transação da informação entre produtor e retalhista.
Já o Supply Chain director da Bel Portugal, Ricardo Marques, defendeu a importância da colaboração, em função das necessidades de produto. Todas as fases antes de o produto chegar à prateleira, da paletização, à carga e descarga, têm de funcionar encapsuladas no end-to-end, o que obriga, por exemplo, a trabalhar em parceria com a distribuição. E, nesse sentido, considerou que o estudo da GS1 “faz todo o sentido”.
Entre as pessoas e os processos
A colaboração faz-se com pessoas e foi sobre elas que se pronunciaram Sofia Pereira Lopes e Filipa Tomás, da Academia Desculpa Lá. O ponto de partida foi a assunção de que, no retalho, o que está por trás de uma decisão não aparece nos dashboards, mas, sim, mas atitudes das pessoas responsáveis pelo atendimento. E, embora esteja reduzido a um estereótipo – o bip da passagem dos produtos pela caixa – o retalho alimentar é uma cadeia do armazém ao transporte, do transporte à loja e ao cliente. “Quando algum ponto falha, gera-se um desastre em cadeia e é aí que entra a academia”, enquadraram, dando conta de uma abordagem assente em três pilares visando fortalecer as pessoas: consciência, literacia e comunidade, transformando conhecimento em cuidado, técnica em confiança e equipas em comunidade. Essa é – afirmam – a verdadeira revolução, porque, embora esteja no centro das operações, a supply chain não funciona sem pessoas e não há eficiência operacional sem desenvolvimento humano.
De outras transformações falou o cofundador e executive chairman da Lyzer, Nuno Serradas Duarte., para dar conta de como a sua empresa, com ferramentas de analítica avançada, está a ajudar a supply chain a deixar de reagir e a passar a prevenir. A volatilidade introduzida por fenómenos como a pandemia, as alterações climáticas ou as greves torna mais difícil prever as vendas, dificuldade essa que é acentuada pelo crescimento dos marketplaces e pela diversidade de canais e consequente fragmentação da operação logística.
Também o diretor de Logística da Panidor, Pedro Paiva, abordou a transformação, concretamente ao nível do S&OP e que permitiu à empresa passar da reação à antecipação, o que exigiu a adoção de um modelo verdadeiramente colaborativo. O processo foi suscitado pelos desafios inerentes ao crescimento: o planeamento linear, em que a produção e a logística reagiam às vendas, tinha impacto negativo sobre as diferentes equipas, aliado à sazonalidade e à inerente variabilidade das vendas durante o ano. “Havia necessidade de previsões fiáveis, de garantir o equilíbrio entre a oferta e a procura e de alinhamento entre todos”, partilhou, justificando a redefinição do S&OP. O resultado foi melhor uso da capacidade interna, menos ruturas, maior estabilidade operacional e um nível de serviço alinhado com os objetivos.
Um novo ecossistema
A mudança está, pois, em curso no grande consumo. E esse foi precisamente o foco do orador que abriu esta conferência: o diretor-geral da Centromarca, Pedro Pimentel. “A incerteza como motor de transformação” foi o fio condutor de uma intervenção em que começou por lembrar como, fruto da pandemia de Covid-19, em cinco anos foi possível alcançar desenvolvimentos que antes demorariam uma geração. “Houve resposta, mas também houve reinvenção”, sintetizou, para argumentar que, fruto das crises inflacionistas, mas também do contexto geopolítico, a resiliência se tornou quase um método. “Já ninguém sabe muito bem como é trabalhar em segurança”, comentou.
E, neste cenário, o grande consumo é um triângulo – entre produção, retalho e consumidor – que se está sempre a reconfigurar, que se tornou muito dinâmico, fluido e interativo. As marcas, em concreto, tiveram de se adaptar, de pensar num consumidor que, cada vez mais, age de forma que não é de fidelização a um produto, mas que compra por convicção e quer transparência e sustentabilidade.
O retalho hoje já não é só uma rede de lojas, é também uma plataforma logística e um laboratório de dados. E, cada vez mais, uma matriz de conveniência, um interface omnicanal em que os formatos de proximidade se estão a multiplicar e em que a proximidade já não é tamanho, é tempo.
Há um novo ecossistema – ditado, ainda, por fatores como os consumidores imigrantes e os consumidores com mais de 50 anos, para os quais os fornecedores e o retalho têm de olhar. E neste novo ecossistema, defendeu que “a competitividade é cada vez mais um jogo de equipa”, obriga a criar uma rede, a gerar capacidade de colaboração com quem está a montante e a jusante. “Quem quer liderar o mercado tem de colaborar”, advogou.
Nas palavras de Pedro Pimentel, o setor continuará a viver uma incerteza muito grande: “A incerteza passou a ser um método. Se o grande consumo fosse um barco não seria um petroleiro, seria um barco pequeno e ágil, com uma tripulação muito eficiente e passageiros muito exigentes. A bússola é o comportamento do consumidor e toda a cadeia de valor tem de trabalhar para o consumidor e lembrar-se sempre de que não somos só consumidores, somos pessoas.”



