Num mundo marcado por choques climáticos, tensões sociais e dependências complexas, repensar a forma como abastecemos e produzimos deixou de ser uma escolha: tornou-se uma condição essencial para garantir continuidade, competitividade e sustentabilidade. É a partir desta convicção que Raquel Miranda, uma apaixonada pelas áreas de Sustentabilidade & Melhoria Contínua, reflete sobre a urgência de construir cadeias de valor mais resilientes num contexto global em mudança.
A Nova Realidade do Abastecimento Global
Numa economia profundamente interligada, a capacidade de uma organização prosperar depende cada vez mais da robustez da sua cadeia de abastecimento. Matérias-primas extraídas em ecossistemas frágeis, componentes fabricados em regiões remotas e bens transportados por corredores logísticos globais compõem sistemas complexos que operam sob tensão constante. Neste contexto, a resiliência deixou de ser apenas uma vantagem competitiva: tornou-se um imperativo estratégico para assegurar a continuidade das operações e proteger o valor das organizações.
A experiência recente demonstra que a cadeia de valor global é altamente vulnerável a choques externos de natureza social ou ambiental. Fenómenos localizados numa determinada região podem desencadear efeitos de cascata à escala global, comprometendo a continuidade das operações e a estabilidade dos negócios.
Alterações Climáticas: Um Factor de Risco Sistémico
As alterações climáticas que enfrentamos constituem um dos principais fatores de risco, traduzindo-se em fenómenos meteorológicos cada vez mais severos, como ondas de calor, secas prolongadas, inundações, furacões ou incêndios florestais, todos com potencial para interromper cadeias de fornecimento e afetar diferentes setores de atividade.
O Caso do Canal do Panamá
O episódio registado no Canal do Panamá entre 2023 e 2024 constitui um exemplo paradigmático. A redução acentuada dos níveis de água devido à seca agravada associada ao fenómeno El Niño obrigou a Autoridade do Canal a impor restrições de calado e a limitar os trânsitos diários. Entre outubro de 2023 e setembro de 2024, o tráfego total recuou cerca de 29,3%, demonstrando claramente até que ponto uma infraestrutura crítica pode tornar-se vulnerável a choques climáticos e comprometer cadeias de abastecimento em vários continentes.
O Setor do Cacau sob Pressão
Entre os setores mais expostos encontra-se o do cacau, que enfrenta desafios complexos relacionados com a sustentabilidade. Estes englobam problemas ambientais, práticas de trabalho infantil, desigualdades de género e níveis persistentes de pobreza entre os agricultores. Uma parte substancial destes produtores não consegue obter um rendimento digno, o que agrava a fragilidade estrutural da cadeia de abastecimento e limita a capacidade de resposta a perturbações externas.
No Gana, a combinação de preços internacionais recorde do cacau com rendimentos estagnados para os agricultores agravou tensões sociais nas regiões produtoras. Apesar de o cacau ser um pilar da economia nacional, muitos pequenos produtores continuam abaixo do limiar de pobreza, incapazes de cobrir custos de produção e necessidades básicas.
Entre 2023 e 2025, esta situação traduziu-se num aumento significativo do contrabando de cacau para países vizinhos, onde o preço pago ao produtor é mais elevado, e em protestos organizados por associações que afirmam representar centenas de milhares de agricultores.
Este caso demonstra como a ausência de um rendimento digno para os agricultores não é apenas um problema social, mas um risco sistémico para a sustentabilidade de um setor.
Sustentabilidade como Pilar Estratégico
Perante este cenário, torna-se evidente que a sustentabilidade não pode ser tratada como um elemento periférico das estratégias empresariais. Exige uma visão integrada que considere, ao longo de toda a cadeia de valor, os riscos, as interdependências e as oportunidades existentes. A criação de valor duradouro depende tanto dos processos internos das organizações como da estabilidade dos ecossistemas, da resiliência das comunidades produtoras e da solidez das relações com os fornecedores.
A transição para cadeias de valor sustentáveis implica uma atuação coordenada centrada em três eixos fundamentais:
• Mitigação dos riscos ambientais e sociais, através de uma análise sistemática das vulnerabilidades e de uma gestão proativa dos impactos;
• Reforço da resiliência, assegurando que as cadeias de abastecimento conseguem responder rapidamente a perturbações externas;
• Geração de valor, promovendo práticas responsáveis que consolidem a competitividade das empresas e contribuam simultaneamente para o bem-estar das comunidades e a preservação dos recursos naturais.
Ao adotar esta perspetiva, as empresas posicionam-se de forma mais robusta para enfrentar a incerteza crescente e garantir a sustentabilidade dos seus modelos de negócio num ambiente global cada vez mais exigente e complexo.
A sustentabilidade é uma responsabilidade, mas é também uma oportunidade real para gerar valor e fortalecer as bases das cadeias de valor do futuro.



