Recuperar a capacidade de ter a produção próxima dos mercados é um imperativo, por razões de soberania, ditado pelas fragilidades, já percebidas pela União Europeia, associadas a cadeias de abastecimento longas e pelos respetivos custos, nomeadamente económicos.

Esta mensagem foi deixada na Procurement Conferência 2025, realizada esta segunda-feira, 6 de outubro, pelo diretor académico do Procurement & Global Sourcing Program da Nova SBE Executive Education, Pedro Silva Caldeira. E foi deixada no âmbito do debate que moderou sobre o tema “O procurement e a cadeia de valor que tremos e a que precisamos: o despertar industrial de Portugal.

Para este debate concorreram António Grilo, presidente da Agência Nacional de Inovação (ANI); César Pestana, presidente da eSPap – Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública; e Manuela Patrício, diretora de Negócio Portuário e Logística do Porto de Lisboa.

Desafiada a pronunciar-se sobre o potencial dos portos portugueses como aceleradores da industrialização, Manuela Patrício começou por dar conta de que a infraestrutura de Lisboa enfrenta alguns constrangimentos decorrentes da elevada idade dos terminais, mas também da fragilidade nas ligações intermodais. E isto porque, em Lisboa, 90% da mercadoria é escoada por rodovia, um cenário partilhado com Setúbal e Leixões, nomeadamente.

No entanto, comentou que os portos estão preparados para o futuro e que, num país marítimo como Portugal, têm de ser o elo fundamental da industrialização. As necessidades – disse – estão elencadas e é nesse contexto que surge a estratégia Portos 5+, recentemente lançada pelo governo.

Impõe-se, assim, o aumento da ligação a outros meios de transporte que não os rodoviários, mas também investimento na sustentabilidade, em particular na eletrificação da própria infraestrutura e do abastecimento dos navios. Em Lisboa, está, aliás, a ser construída uma subestação porque não há energia suficiente para esse efeito.

Outros são os desafios da central de compras da administração pública, com o seu presidente a destacar o elevado nível de regulação como um fator que acrescenta complexidade à contratação pública. E que colide com o desejo de simplificação e de aceleração dos processos. César Pestana precisou que o tempo de implementação dos regulamentos, em particular da transposição das diretivas comunitárias, gera frustração em que trabalha na área.

“Precisamos de tempos mais rápidos e de simplificar”, advogou, para reconhecer, no entanto, que, ao mesmo tempo, são necessários processos que garantam que não há interferência humana na decisão, sob pena de falta de transparência. Impõe-se, assim, um exercício de equilíbrio entre garantias e flexibilidade.

Na ótica do gestor, vigora uma atitude construtiva face a estes processos, não se podendo esquecer que a contratação pública representa entre 15 a 20% do PIB, dependendo do país, valor este que só por si motiva a desenvolver processos de melhoria. Até porque – notou – a contratação pública tem um efeito de arrasto.

Por sua vez, o presidente da ANI focou-se nos desafios associados à industrialização, para defender que, face às tensões geopolíticas atuais, com impacto a nível europeu e nacional, é essencial olhar para as boas práticas estabelecidas e mudar a lógica de pensar. E, entre as dimensões que requerem um foco especial, destacou as matérias-primas críticas e a tecnologia, ambos fatores de soberania.

A Europa – preconizou – tem de ter a capacidade de dominar a cadeia de abastecimento nestes dois domínios, nomeadamente as matérias-primas raras para a indústria de semicondutores e as tecnologias digitais, mas também as que têm a ver com a aeronáutica e a mobilidade aérea autónoma. São setores que – disse – vão merecer uma proteção especial a nível comunitário.

Na ótica de António Grilo, as empresas têm de começar a produzir na Europa, e em Portugal especificamente, produtos e componentes que garantam o domínio de um conjunto de matérias-primas com “um enorme potencial do ponto de vista económico para o objetivo de industrialização”.