Com mais de duas décadas de experiência em compras e supply chain, David Viana defende que esta é uma função que vai muito além da negociação: exige visão transversal, capacidade analítica e, sobretudo, resiliência. À frente da área na Aquapor, partilha o seu percurso, as lições aprendidas e os conselhos para quem possa querer seguir este caminho.
Descreva o seu trabalho em três palavras.
Estratégico, transversal e orientador.
Por que se tornou num profissional de supply chain?
Tal como muitos colegas da área, não foi uma escolha deliberada. Costumamos dizer que não escolhemos as compras, as compras é que nos escolhem. Tudo começou num estágio curricular no Grupo Portugal Telecom, na PTCompras. O que mais me atraiu foi a transversalidade e a dinâmica da função, com interação constante com fornecedores e clientes internos.
Desde cedo fui exposto a um nível de exigência elevado, num modelo de compras desenvolvido pela McKinsey e Mercer. Geria processos de ponta a ponta: reuniões técnicas com clientes internos, apoio jurídico, criação de RFP, análise de propostas, negociações comerciais e contratuais, até à elaboração de relatórios e recomendações de adjudicação ao board. Para um recém-licenciado, apresentar semanalmente a administradores de uma multinacional foi extremamente desafiante e enriquecedor.
Essa combinação de exigência, visibilidade e diversidade de competências acabou por consolidar a ligação que mantenho até hoje à área de Procurement & Supply Chain.
Descreva um dia típico de trabalho.
Começo por rever e-mails e estabelecer prioridades em função do roadmap da área e das urgências em curso. De seguida, procuro garantir que a equipa tem tudo controlado ou sinalizar temas que requeiram a minha intervenção.
A meio da manhã surgem os “incêndios ativos”: problemas logísticos, pedidos de informação urgentes, necessidades de apoio a outros departamentos. A regra é simples — atuar onde posso acrescentar valor e delegar o resto.
As reuniões internas ou com fornecedores acontecem, de preferência, antes do almoço. À tarde concentro-me em consultas, negociações, análises e relatórios, bem como em pontos de situação com a gestão de topo, assegurando o alinhamento estratégico e operacional.
Quais os aspetos mais e menos gratificantes da sua profissão?
O mais gratificante é perceber que contribuímos de forma direta para os resultados do grupo. Uma função de P&SC bem estruturada tem impacto em receitas, margens, custos, rentabilidade de ativos e até no working capital. Além disso, reforça a qualidade da informação de gestão e dos processos.
O menos gratificante é a gestão de urgências não planeadas, que desviam foco de temas estruturantes e consomem tempo sem gerar resultados palpáveis. Acresce o facto de, em algumas organizações, estas áreas acumularem tarefas acessórias com pouco valor acrescentado.
Como mantém a motivação nos momentos mais desafiantes?
O segredo está em manter o foco a médio e longo prazo e ver os obstáculos como oportunidades de aprendizagem. A experiência mostra que já superámos desafios maiores, e isso ajuda a relativizar os atuais.
É igualmente essencial reconhecer limites. Quando o desgaste emocional se prolonga e o stress atinge níveis nocivos, devemos ponderar alternativas. Nenhuma empresa justifica comprometer a saúde mental.
Quais as competências fundamentais para ter sucesso nesta função?
Um profissional de P&SC tem de ser, paradoxalmente, um especialista generalista: capaz de lidar com categorias muito distintas sem perder a visão global.
No plano técnico, são críticas a negociação e a capacidade analítica. No plano comportamental, destaco a resiliência, a gestão de múltiplas prioridades e a comunicação clara, que constrói pontes entre áreas diversas.
Como cuida da sua saúde mental?
Sem fórmulas mágicas nem gurus de produtividade. Um pouco de desporto e convívio com amigos têm sido suficientes até hoje.
Descreva o episódio mais caricato da sua carreira.
Alguns episódios ficam melhor guardados nos bastidores (risos). Mas o que aprendi foi a manter o sangue-frio e transformar momentos embaraçosos em boas histórias… fora da sala de reuniões.
Que conselhos daria a futuros profissionais?
Não pensem que esta profissão se resume a cortar custos ou negociar contratos. Compras é muito mais do que isso: é compreender o negócio no seu todo, cultivar curiosidade por diferentes áreas e saber ligar pessoas, processos e objetivos.
É também uma função em que a resiliência é decisiva. Há sempre urgências e pressões, mas são elas que fazem crescer. O meu conselho é simples: mantenham-se curiosos e flexíveis. O resto vem com o tempo — não é preciso nascer sobredotado para ser um profissional de excelência.
Supply Chain no ADN – David Viana, Head of Procurement & SC | Aquapor