Quando a supply chain falha, os doentes sentem. Foi com esta consciência que especialistas, empresas e hospitais se encontraram no Hospital da Luz, em Lisboa, para mais uma edição da Pharma Supply Chain, sob o mote “Cadeias de Abastecimento em Saúde: Resiliência, Rastreabilidade e Inovação”.
Hoje, as cadeias de abastecimento farmacêuticas e de healthcare enfrentam um cenário complexo. Escassez de medicamentos, desafios regulatórios, disrupções geopolíticas, crises energéticas e falta de mão de obra qualificada têm vindo a testar a resiliência de hospitais, distribuidores e fabricantes. Ao mesmo tempo, a transformação digital e a inovação tecnológica apresentam oportunidades inéditas para otimizar processos, melhorar a rastreabilidade e reforçar a segurança e eficiência das cadeias. Foi esse o pano de fundo para a edição de 2025 da Pharma Supply Chain.
Nuno Flora, presidente executivo da ADIFA, abriu a conferência destacando as tendências do mercado farmacêutico, cujo crescimento tem oscilado nos últimos anos, e os desafios que o setor enfrenta, incluindo a já referida escassez de medicamentos. Sublinhou ainda que a transformação digital é inevitável, mas exige atenção especial a regulação, compliance e qualidade, assim como à integração de tecnologias como a Inteligência Artificial, que impacta a gestão de stocks, otimização de rotas e operação de contact centers.
Pedro Lima, CEO da GLSMED (Luz Saúde), reforçou que a complexidade regulatória europeia é um dos maiores constrangimentos atuais. Além disso, as cadeias estão expostas a disrupções externas — conflitos geopolíticos, crise energética, escassez de componentes tecnológicos — que obrigam a reforçar resiliência através da diversificação de fornecedores, digitalização de processos e um procurement colaborativo.
Transformação digital e Inteligência Artificial
A IA foi apontada como fator decisivo para melhorar gestão de stocks, otimização de rotas e atendimento, mas a implementação tecnológica ainda enfrenta muitas barreiras no terreno. Hernani Duarte, diretor de logística da ULS Lisboa Ocidental, apresentou soluções que já têm em prática, como o Scansuite (registos móveis adaptados ao fluxo logístico); Knowlogis (gestão de stocks com IA e alertas de risco de validade); EDI e RFID; LOGinBo (apoio na receção de materiais e consumos ao doente).
Na mesa-redonda final, Pedro Teixeira (ULS Lezíria) haveria de reforçar precisamente essa ideia:
“Sabemos que a tecnologia é o caminho, mas é difícil pô-la em prática.”
Inês Furtado, CEO da Eliot, apresentou aeronaves como o ET15 (híbrido VTOL de asa fixa) e o CASTA (para cargas pesadas), destinadas à logística médica e de emergência. Os projetos-piloto já mostram impacto concreto: entregas de medicamentos a lares de idosos, voos entre o Hospital de São João e polos do Porto/Valongo, e missões na Madeira e Açores.
Além das aeronaves, a Eliot desenvolve também o sistema de segurança FTS e o software de gestão UA Tracker, reforçando a eficiência e a segurança nas operações.
Casos práticos e soluções no terreno
Daniel Baptista e Vitor Ferreira, da Cegid, abordaram “A nova era da Logística: IA & Operação conectadas”, trazendo depois para o palco, para um rápido debate, dois clientes. Sérgio Quinteiro (Luz Saúde), explicou que “A solução integrou toda a logística de compras e vendas com o ERP do grupo.” e Fábio Lopes (FHC Farmacêutica) aludiu aos ganhos claros em exatidão de stock, redução de erros de picking e performance das equipas.
O evento contou também com a presença de grandes players do setor, como a DHL Supply Chain que apresentou a sua experiência global através da DHL Health Logistics, a marca do grupo dedicada ao setor de Life Sciences & Healthcare. Para a entrega atempada de medicamentos e produtos de saúde em condições ideais, é determinante a rede integrada, end-to-end, presente em mais de 220 países e guiada pelo propósito “We Care”, como detalhou Sandra Serôdio.
A informação e a comunicação como motores da eficiência foram o foco da intervenção do Global Head da unidade Pharma da Rangel. Tiago Seguro salientou que, além da tecnologia, a coordenação e clareza na comunicação são essenciais para o sucesso do end-to-end:
“Nunca tivemos tantas formas de comunicar: Teams, WhatsApp, Email, Zoom… e, ainda assim, a mensagem acaba por se perder em algum lugar.”
A Generix Group está na vanguarda da transformação digital na cadeia de abastecimento farmacêutica, alinhando-se com os princípios da “Supply Chain Pharma 360º”. Eduardo Bentes exemplificou como a sua abordagem integrada, o uso de tecnologias avançadas e o foco na colaboração, lhes permite criar soluções que não só melhoram a eficiência operacional, mas também garantem a conformidade dos produtos farmacêuticos e, em última instância, a segurança dos pacientes.
A ZOR, representada por Manuel Pizarro e Leonardo Suarez, mostrou como combina tecnologia e inovação logística para responder a necessidades específicas da cadeia térmica farmacêutica, trazendo exemplos que aliam inovação, proximidade e adaptação local. Foi momento para partilharem algumas histórias reais de sucesso da América Latina, analisarem o impacto do CO₂ nas cadeias de abastecimento do setor farmacêutico nos EUA, América do Sul e Ásia, além de explicitarem à audiência como fazer as escolhas certas entre soluções ativas e passivas para garantir eficiência e sustentabilidade.
Em comum, todas as empresas reforçaram que a supply chain farmacêutica exige mais do que eficiência: clama por confiança, visibilidade total e capacidade de resposta em tempo real.
Resiliência e rastreabilidade… humanas
A mesa-redonda de encerramento, moderada por Bárbara Fraga (Logistema), juntou representantes da ULS Lezíria, Devlop, Tecnibite/Xlog, Grunenthal e Adecco. Foram discutidas estratégias para lidar com ruturas e incertezas, desde nearshoring (nem sempre aplicável) até buffers de stock. Para Carolina Oliveira (Grunenthal):
“O principal é tentar antever situações que podem causar ruturas, e preparar para o inesperado.”
A rastreabilidade também foi analisada. Bruno Leitão (Devlop) destacou que é possível garanti-la totalmente dentro do armazém, mas que o maior desafio ainda continua a estar fora dele.
E ficou uma certeza: a resiliência começa nas pessoas. Como afirmou Nuno Figueiredo (Adecco):
“Falar de resiliência sem falar de pessoas é completamente impossível.”
O Pharma Supply Chain 2025 mostrou que a cadeia de abastecimento em saúde enfrenta desafios globais — escassez de medicamentos, regulação complexa, disrupções externas — e que não existem soluções únicas. Entre tecnologia, inovação e parcerias, a cadeia de abastecimento no setor da saúde só será verdadeiramente resiliente se colocar pessoas e rastreabilidade no centro. É que, como sintetizou Bárbara Fraga:
“A supply chain deixou de ser invisível. Portanto, há que lidar com a resiliência perante as ruturas e com a rastreabilidade para garantir segurança”.