Durante décadas, Portugal assistiu à sua própria desindustrialização lenta e sem alarme, mas deixando à vista os destroços das antigas fábricas de bens transacionáveis, revelando um modelo económico cada vez mais frágil e dependente da eficiência logística internacional e da produção deslocalizada.

Quantos empresários com vocação produtiva foram forçados a abandonar a indústria para sobreviver nos serviços? Quantas microempresas e negócios de subsistência existem hoje, com margens curtas e sem qualquer impacto relevante na balança comercial do país em consequência da ausência de uma verdadeira política industrial?

A lista de obstáculos que enfraquecem o tecido produtivo é bem conhecida por qualquer procurement leader de bens transacionáveis:

  • Custos logísticos penalizadores;
  • Limitado hinterland;
  • Baixa produtividade e modernização das infraestruturas e equipamentos portuários;
  • Terminais multiusos limitados e reduzida intermodalidade;
  • Acesso limitado a matérias-primas no mercado doméstico;
  • Elevado custo da energia na indústria;
  • Regime fiscal que desincentiva a produção e desacelera a economia;
  • Elevada burocracia e lentidão dos processos administrativos públicos;
  • Ausência de uma marca nacional forte;
  • Falta de clusters industriais verdadeiramente competitivos;
  • Fraco ecossistema de exportação;
  • Aversão ao risco industrial no sistema financeiro.

Ignorar esta realidade é perpetuar o atraso estrutural da indústria portuguesa.

Enquanto país, não podemos esperar reindustrializar com as mesmas condições que levaram à desindustrialização.

O mais recente “choque de realidade”, provocado pelas tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China e novamente o risco das operações comerciais no Mar Vermelho, veio reforçar aquilo que a pandemia e a guerra na Ucrânia já haviam evidenciado: a fragilidade estrutural das cadeias de abastecimento globais, a vulnerabilidade da posição europeia e em particular da portuguesa.

Em discursos recentes, a Europa tem reforçado a necessidade de recuperar a sua autonomia estratégica e garantir capacidade industrial própria nos setores-chave do futuro.

(…)

O futuro industrial de Portugal depende da nossa capacidade coletiva, pública e privada, de garantir acesso competitivo a matérias-primas, transformar com excelência e inovação, e distribuir com eficácia e alcance global – construindo assim uma marca portuguesa sinónimo de competência industrial, valor acrescentado e fiabilidade internacional, capaz de atrair iniciativa empreendedora e investimento industrial com ambição, visão e confiança no seu potencial.

Portugal precisa de criar condições sistémicas para tornar a sua base operacional e industrial verdadeiramente competitiva, atrativa e resiliente.

Portugal precisa de uma estratégia industrial séria e ambiciosa que:

  • Incentive o investimento em tecnologia, automação e inovação, tornando-o mais vantajoso do que a exploração da mão de obra barata;
  • Ofereça benefícios fiscais concretos a quem aposta na modernização industrial, no reinvestimento e na criação de valor em território nacional;
  • Conecte a indústria à investigação, ao conhecimento e à engenharia aplicada, para acelerar a transformação tecnológica;
  • Desenvolva clusters fortes e competitivos, suportados por logística, energia e financiamento adequados;
  • Alinhe as políticas migratórias e de qualificação com as necessidades reais da indústria nacional, valorizando o trabalho especializado e combatendo o recurso abusivo a mão de obra indiferenciada e precária;
  • Invista na formação e requalificação contínua, preparando empresas e trabalhadores para a economia industrial do século XXI.

Assim, teremos um ecossistema atrativo para qualquer iniciativa industrial séria e resiliente.

Pedro Silva Caldeira, professor na Nova SBE

Este artigo pode ser lido na íntegra na SCMedia #65.