Com a idade, vamos perdendo a visão. É uma capacidade humana importante que, quando colocada em causa, pode limitar – imenso – a velocidade e a eficácia das suas decisões. O mesmo se aplica às cadeias de abastecimento. As “cegueiras operacionais” podem comprometer as operações das empresas, e é necessária uma visibilidade abrangente para lhes responder da melhor forma.
Se, antes, as cadeias de abastecimento eram planeadas a longo prazo (leia-se, anos), hoje, torna-se difícil antecipar as possíveis mudanças globais. O longo prazo está mais curto do que nunca.
Apenas nos últimos cinco anos, as empresas foram surpreendidas com eventos mundiais de grande impacto logístico, como a pandemia de COVID-19, o navio Ever Given (da Evergreen) encalhado no Canal do Suez, a falta de contentores, a crise dos chips, a invasão russa à Ucrânia ou as tarifas norte-americanas. Todos estes eventos criaram uma (ainda maior) instabilidade das cadeias de abastecimento, verificando-se que, de uma semana para a outra, tudo pode mudar. E a resposta tem de ser iminente e informada. Com olhos de águia.
Mas, tal como já referi, com a idade, a visão vai sendo cada vez mais limitada. Em Portugal, considera-se que a logística, mais profissionalizada e modernizada para as organizações, surgiu no início da década de 90, encontrando-se ainda com cerca de 35 anos. Porém, a sua origem remonta às estratégias militares, razão pela qual o Dia da Logística ficou calendarizado no dia 6 de junho, como referência ao Dia D: o desembarque das forças aliadas na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial, em 1944, uma grande operação logística militar.
E porque é que isto é importante? Porque percebemos que esta logística – empresarial – já tem, pelo menos, 81 anos. E sabendo a importância que a visibilidade nas cadeias de abastecimento tem para o seu controlo, isto poderá, de certa forma, explicar estas dificuldades oculares: as supply chains estão a precisar de ir a uma consulta de “oftalmologística”.
Assim, podemos estabelecer um paralelismo entre as principais doenças oculares e os desafios de visibilidade que marcam a gestão moderna das cadeias de abastecimento:
– Miopia
Visibilidade: quanto mais perto, melhor.
Trata-se da dificuldade que as empresas têm em adotar uma visão de longo prazo dentro das operações. Focam-se em decisões momentâneas, de menor impacto, descurando grandes investimentos que poderiam gerar maiores retornos.
– Presbiopia
Visibilidade: afastar os pedidos para os ver bem.
Em total oposição à miopia, encontramos a presbiopia: a dificuldade de ver as cadeias no curto prazo, e de lhes responder correta e atempadamente. Adiam-se decisões importantes para uma maior ponderação que, por vezes, só chega a uma conclusão quando já é tarde demais.
– Cataratas
Visibilidade: turva.
Os dados das empresas não estão atualizados, ou estão enviesados. A falta de padronização e de interligação entre os sistemas dificulta a tomada de decisão, que pode acabar por ser a errada.
– Diplopia
Visibilidade: dupla.
Quando as empresas têm informação duplicada e contraditória entre si, como níveis de stocks divergentes, relatórios contraditórios, deadlines diferentes ou forecasts duplicados. Cria-se uma desconfiança nos dados e uma maior dificuldade na tomada de decisões, podendo ser adotadas as erradas.
– Astigmatismo
Visibilidade: falta de foco.
Seja a curto ou a longo prazo, as empresas têm um problema de foco. Não compreendem as prioridades que devem dar a cada tarefa, mas os processos decorrem naturalmente, como sempre foram feitos.
– Daltonismo
Visibilidade: idêntica.
Com efeitos semelhantes ao astigmatismo, o daltonismo confunde os níveis de prioridades das tarefas e a gravidade dos seus impactos nas operações. Porém, o problema não se encontra no foco, mas sim na incapacidade de diferenciação. O foco está lá, mas as prioridades parecem idênticas. Tudo é importante e tudo é urgente.
– Visão distorcida
Visibilidade: extremista.
Não ter uma visão dos impactos reais das decisões pode levar a exageros, antecipando um grande impacto de algo que deveria ser pouco significativo, ou vice-versa. Verifica-se uma maior dificuldade de adaptação a cenários mais voláteis e flutuantes.
– Estrabismo
Visibilidade: end-to-end.
Cada vez mais, é necessário um certo nível de “estrabismo logístico” para conseguirmos antecipar os acontecimentos da cadeia logística. Precisamos de ter um olho em cada ponta da cadeia, olhando simultaneamente para os fornecedores e para os clientes. Porém, quando temos demasiados pontos de controlo, e tudo a acontecer ao mesmo tempo, é difícil focarmo-nos no essencial. É importante delegar tarefas e contar com uma equipa de suporte, sem que seja apenas uma pessoa a tentar assumir o controlo de tudo.
– Visão em túnel
Visibilidade: umbigo.
Este problema ocular está relacionado com a falta de visão periférica, ou seja, as empresas esquecem-se de olhar para os seus parceiros e de os envolver. O foco está apenas nos seus riscos diretos, deixando que os restantes processos complementares se alinhem – ou que respondam pelas suas falhas.
– Degenerescência macular
Visibilidade: o resto.
Por vezes a dificuldade não está na falta de visão dos processos complementares, mas sim em ser essa a única que as empresas têm em conta. A total tentativa de controlo dos processos dos parceiros, negligenciando o próprio core do negócio.
– Olho seco
Visibilidade: falta de lubrificação.
Ocorre quando os parceiros são realmente tidos em conta nas operações, porém, existem falhas de comunicação. É necessário lubrificar a operação através da troca de informação entre as partes, para que esta se torne mais fluida.
– Descolamento da retina
Visibilidade: nada.
A perda súbita de visão sobre as supply chains pode ocorrer em situações de greves, catástrofes ou falência de um fornecedor crítico para a operação. Verifica-se uma interrupção temporária da visão global e exige uma ação imediata.
– Fotofobia
Visibilidade: tudo.
A informação disponível na empresa é demasiada, e envolve tanto dados cruciais como insignificantes. Existem dados redundantes e desorganizados, que deveriam ser limados antes de ser feita a sua análise. Torna-se difícil tomar decisões devido ao seu excesso.
– Olho preguiçoso
Visibilidade: mais tarde.
Existe uma grande dificuldade em alinhar os processos junto dos parceiros e departamentos internos. Há problemas de comunicação devido ao adiamento de tarefas que poderiam ter sido tratadas logo no momento, mas que ficam para depois.
– Conjuntivite
Visibilidade: irritação na operação.
São aqueles pequenos erros de picking, atrasos pontuais, devoluções… tarefas pequenas de grande impacto para a operação, que não cegam, mas complicam os processos. É uma constante irritação à operação, mas que permanece presente sem ser analisada e corrigida.
Tal como os problemas oculares comprometem a visão das pessoas, também certas dificuldades nas operações criam dificuldades na visão das cadeias de abastecimento, limitando as suas capacidades de antecipar riscos, planear ou tomar decisões. Esta “oftalmologística” passa pela transparência de dados, integração tecnológica e colaboração entre parceiros. Afinal, tal como os humanos, também as cadeias de abastecimento têm de recorrer a certas tecnologias que lhes permitam corrigir os seus problemas de visão.
E a sua empresa? Já usa óculos?
Fábio Santos | Estudante de Gestão da Distribuição e da Logística, Instituto Politécnico de Setúbal