O transporte de mercadorias continua a ser um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa. Mas é precisamente por isso que é também um dos setores onde a mudança mais pode contar. Ferrovia, rodovia e transporte fluvial estão a reinventar-se com soluções concretas que reduzem emissões, aumentam a eficiência e reposicionam Portugal — e a Península Ibérica — num novo mapa logístico mais sustentável. Fique a conhecer três projetos que mostram que a mudança é possível e, mais importante, já está em marcha.
Volkswagen Autoeuropa: -290 toneladas de CO₂/ano
Em novembro de 2021, foi criado o projeto “Comboio Trans Ibérico”, que consistia no transporte de viaturas entre a fábrica da Seat em Martorell, em Barcelona, e a Volkswagen Autoeuropa, em Palmela. Este modelo permitiu transportar, por ano, 20.000 veículos, e foram reduzidos cerca de 2.4000 camiões da estrada, traduzindo-se numa diminuição de 43% nas emissões de CO₂.
Ainda que se tenham alcançado resultados positivos, esta ligação teve de ser temporariamente suspensa devido a alguns constrangimentos operacionais na rede ferroviária, segundo António Oliveira, representante da Volkswagen Konzernlogistik em Portugal. Contudo, a experiência obtida permitiu lançar, no início de 2025, um novo projeto ferroviário de transporte de veículos desde a Volkswagen Autoeuropa até ao porto de Santander, em Espanha. O serviço semanal, prestado pela Pecovasa – empresa do Grupo Renfe – e pela Medway – subsidiária da MSC –, inicia-se na fábrica da Seat em Martorell, Barcelona, passa pela Autoeuropa, em Palmela, e termina no porto de Santander. São transportados 190 veículos num comboio de 18 vagões de dois pisos, em bitola ibérica, através de locomotivas Euro6000. Ao chegar ao destino, as viaturas seguem, por via marítima, até Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, entre outros.
António Oliveira afirma que o balanço é positivo. “Cada viatura transportada por comboio representa uma redução significativa de emissões face ao transporte rodoviário. Além disso, a ferrovia destaca-se como uma alternativa sustentável e fiável, complementando os modos rodoviário e marítimo com capacidade regular de escoamento.” Além disso, já foi possível retirar mais de 1.000 camiões da estrada por ano, evitando cerca de 290 toneladas de CO₂ anuais.
Luís Simões e Lactogal: -315 toneladas de CO₂/ano
Em 2024, a Luís Simões e a Lactogal celebraram um acordo que visava descarbonizar o transporte entre as duas fábricas da empresa de lacticínios e derivados (780 km diários), através de um modelo de produção e distribuição mais sustentável. A colaboração entre ambas as partes levou ao desenvolvimento de um modelo que incorpora uma viatura gigaliner (de 25,5m) movida a combustível HVO. Ao abrigo do acordo, a Lactogal cedeu a gestão da sua plataforma logística na Tocha à Luís Simões, em que as novas viaturas fazem o circuito entre esta unidade e a da Modivas, a 130km. Em paralelo, foi implementado o e-CMR – guia de remessas digital – eliminando o uso de papel e aumentando a rastreabilidade e controlo das mercadorias.
A alguns meses de completar um ano desde o início do projeto, Luís Freitas, diretor-geral da Luís Simões, faz um balanço, desde logo, positivo pela redução de 87% de emissões de CO₂ , o que equivale a menos 315 toneladas de CO₂ por ano. “A sustentabilidade não é um caminho imediato e gratuito: é uma transformação gradual e árdua e que nos coloca num estado completamente diferente, mudando a cultura, os processos e os negócios das organizações e da sociedade em geral.”
“O sucesso do projeto foi possível graças à colaboração das equipas das duas empresas, que aproveitaram o momento para rever processos e garantir que o forte investimento neste tipo de viaturas e tecnologia estava associado a uma utilização da viatura maximizada, com trabalho de 24h por dia”, indica Luís Freitas. Acrescenta que utilizaram um “complexo modelo operativo” para o qual foi necessário o conhecimento de um operador de transportes com vários anos de experiência, suporte especializado diário e um planeamento de manutenção preventiva/preditiva que garantisse uma alta fiabilidade da operação. “Portanto quando falamos de resultados, neste caso – como em tantos outros projetos nos quais a Luís Simões participa – os benefícios da eficiência foram disseminados por outros elos da cadeia de valor, o que, no final de contas, amplifica o impacto e justifica verdadeiramente o investimento com um retorno muito rápido para o cliente.”
Terminal Fluvial de Castanheira do Ribatejo: -1000 toneladas de CO₂ /ano
O projeto do Terminal Fluvial de Castanheira do Ribatejo, que levou cerca de 13 anos para avançar, foi finalmente apresentado ao público, em julho de 2025. O Grupo ETE e o Grupo Pousadinha são os responsáveis pela infraestrutura que irá reforçar o apoio à atividade marítima-portuária e logística do porto de Lisboa. A obra foi adjudicada no dia 6 de junho, à empresa Mota-Engil”, e terá um prazo de construção de 12 meses.
O novo terminal apresenta-se como o ‘First Gate’ do porto de Lisboa, contando com uma ligação direta rodoviária à Plataforma Logística Norte, e às zonas do Carregado e da Azambuja, permitindo aumentar a capacidade de importação e exportação do porto de Lisboa. António Caneco, do Grupo ETE, explica que o conceito de ‘First Gate’ consiste na descarga direta no sistema portuário ainda antes de chegar à zona de influência do porto de Lisboa, reduzindo o congestionamento do tráfego, aumentando a eficiência da cadeia logística e antecipando operações.
Terá um parque com capacidade para 300 contentores, e ainda a possibilidade de prestação de serviços de reparação e manutenção naval no local. Numa fase inicial, prevê-se uma movimentação fluvial superior a 2.500 toneladas de carga por dia, com um volume entre 20.000 e 70.000 TEU por ano. Estima-se que, com a expansão do terminal, a movimentação possa chegar aos 200.000 TEU por ano.
Cada barcaça terá capacidade para transportar o equivalente a 100 camiões, e será possível movimentar até quatro barcaças em simultâneo, alcançando uma redução de cerca de 80% das emissões de CO₂. O projeto apresenta-se como uma alternativa à rodovia, permitindo retirar da estrada entre 100 a 400 camiões por dia, na cidade de Lisboa. Por ano, serão reduzidas cerca de 1.000 toneladas de emissões de CO₂. “Trata-se de um investimento estratégico pensado para modernizar a logística da região de Lisboa e Vale do Tejo, reforçar a competitividade do Porto de Lisboa, e responder às necessidades ambientais, sociais e económicas da região”, afirma António Caneco.
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