A atribuição do estatuto de “projeto estratégico” à mina de lítio em Covas do Barroso, no norte de Portugal, ao abrigo do novo Regulamento Europeu das Matérias-Primas Críticas (CRMA), está a ser contestada por Organizações Não Governamentais (ONG), que alertam para os riscos profundos que esta decisão pode implicar, tanto para as comunidades locais como para a integridade das cadeias de abastecimento de lítio na Europa.

A Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), a MiningWatch Portugal e a ClientEarth apresentaram uma queixa formal à Comissão Europeia, exigindo a revisão da decisão. Segundo as ONG, a aprovação do projeto falha na devida avaliação dos impactos ambientais e sociais, o que compromete os princípios de sustentabilidade e responsabilidade que a transição energética deveria respeitar.

O caso levanta questões críticas para os profissionais de procurement, sobretudo nos setores da indústria automóvel, eletrónica e energia, altamente dependentes do lítio para a produção de baterias. O estatuto “estratégico” concedido ao projeto dá-lhe acesso preferencial a licenciamento, financiamento e avaliação ambiental, mesmo perante alegações de riscos de colapso de barragens de rejeitos, impacto na biodiversidade e ameaça aos recursos hídricos ligados à bacia do Douro.

“Classificar este projeto como ‘estratégico’ serve apenas para justificar a degradação ambiental e os prejuízos para as comunidades locais, ignorando a incerteza económica do lítio e a contínua incapacidade da Europa em desenvolver uma cadeia de valor coerente para baterias”, defendeu Nik Völker, da MiningWatch Portugal, citado em comunicado.

Este tipo de contestação expõe riscos reputacionais significativos para empresas que venham a integrar lítio proveniente da Mina do Barroso nas suas cadeias de fornecimento. A crescente exigência de transparência e rastreabilidade nas compras de matérias-primas coloca os departamentos de procurement na linha da frente da mitigação desses riscos.

Europa entre a autonomia estratégica e a responsabilidade social

A advogada da ClientEarth, Ilze Tralmaka, sublinha: “A transição verde não pode ser construída à custa de ecossistemas frágeis e comunidades rurais. O lítio deve ser extraído com responsabilidade, ou corremos o risco de substituir uma forma de poluição por outra.”

As preocupações das ONG tocam diretamente em práticas agrícolas, qualidade da água e a herança cultural da região de Covas do Barroso, fatores que desafiam a narrativa de uma mineração “verde” e levantam dilemas éticos para as empresas que procuram fontes responsáveis de matérias-primas.

A União Europeia tem procurado acelerar projetos de extração no continente como forma de reduzir a dependência de fornecedores externos, como a China ou o Chile. O CRMA, adotado em 2024, visa precisamente garantir o acesso europeu a matérias-primas essenciais, acelerando projetos considerados estratégicos.

Contudo, a pressão para cumprir metas de eletrificação e descarbonização pode estar a colidir com a necessidade de garantir uma cadeia de fornecimento ética e sustentável. Este caso representa um teste real à coerência da estratégia europeia, bem como à capacidade dos departamentos de procurement de tomar decisões informadas, que equilibrem disponibilidade, custo, impacto ambiental e responsabilidade social.

O episódio da Mina do Barroso reforça o papel crucial da função de procurement na transição energética: não apenas como garante de fornecimento, mas como guardiã da integridade da cadeia de valor. Reforça também a necessidade de due diligence ambiental e social robusta, e da colaboração entre compradores, fornecedores, comunidades e decisores políticos para garantir que a transição energética seja, de facto, sustentável.

O pedido de revisão interna apresentado pelas ONG será analisado pela Comissão Europeia nas próximas semanas. Caso a resposta não seja considerada satisfatória, os promotores da queixa admitem avançar para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

INFOGRAFIA: MiningWatch Portugal