A Associação Portuguesa de Compras e Aprovisionamento (APCADEC) reuniu profissionais do setor no evento “Desafios do Procurement: do Custo ao Valor”, que decorreu a 21 de maio. Ao longo de um dia de debates, foram partilhadas experiências, perspetivas estratégicas e soluções inovadoras que estão a transformar a função de Compras.

O evento teve a abertura de João Correia Botelho, presidente da associação, que começou por contextualizar o estado do setor e os temas que seriam, posteriormente, abordados ao longo do dia.

Seguidamente, Paulo Portas, ex-vice-primeiro-ministro e comentador político, apresenta um contexto macroeconómico da situação atual global, com o tema “Tendências geopolíticas e geoeconómicas num mundo em mudança”. Em grande parte do seu discurso, os EUA, a China e a Rússia foram referidos como países com alto risco atual, por razões diferentes. A nível mundial, destacou a rápida emancipação da economia oriental, e as principais razões para este crescimento.

Apresentou ainda cinco fatores que estão a apoiar a economia da Península Ibérica: Turismo, ativos nos últimos 10 anos, energia, PRR e imigração. No caso do turismo, em Portugal tem atualmente um impacto substancialmente maior, equivalendo a 20% do PIB nacional, tendo ainda sido feito um balanço sobre os resultados dos investimentos e da dívida portuguesa, que se encontra abaixo da média europeia.

Seguidamente, o programa trouxe dois casos de estudo. Para o “Roteiro da CUF para a Gestão de Riscos de Fornecedores”, Ignacio Garrido Kaifer, new sales manager da Achiles, e Pedro Botelho Neves, supply chain & logistics manager da CUF, apresentaram a forma como hoje é feita a gestão de fornecedores da CUF através da nova ferramenta da Achiles.

Hoje, a função de procurement é mais estratégica dentro da empresa, e Pedro Botelho Neves destacou alguns fatores-chave, como a relação muito próxima com os fornecedores, a avaliação de fornecedores, a responsabilidade para com eles, o apoio para que eles cresçam ou a seleção de fornecedores críticos.

 

No segundo caso, Maria do Rosário Fernandes, procurement manager da M Dados, apresentou “Os desafios para além da contratação”, com o caso das viagens de trabalho. A M Dados é a central de compras do Grupo José de Mello, responsável por tornar os processos mais eficientes e minimizar os custos. No caso das viagens de negócio, foram identificadas diversas ineficiências, como a falta de previsão de viagens, burocracias ou pouca capacidade negocial, faltando um planeamento. Como exemplo, destaca que, por vezes, existiam processos em que, para reservar uma viagem de comboio, poderia demorar até sete dias em autorizações.

Através de uma política de viagens, foi possível fazer um planeamento de 6 em 6 meses, juntando as empresas, e aumentando assim a eficiência. Houve uma maior comunicação entre o parceiro de viagens e o cliente, facilitados os processos de requisição e desenhados diferentes formas de contacto e suporte, defendendo que, por diferentes necessidades das várias empresas, este não poderia ser um modelo “one size fits all”.

Filipe Brás, business developer da EVIO, seguiu-se no programa, explicando “Como reduzir os custos de carregamento da frota elétrica”, e como podem as empresas ser mais eficientes nesta matéria. Por um lado, através de carregadores dentro das empresas, destacam desde logo um maior poder negocial ao kWh, por outro, através de comparações de preços entre postos, ou visualização de carregamento em tempo real. O responsável demonstrou ainda em como a negociação de uma diferença de 1 cêntimo por kWh acaba por ter um grande impacto na fatura de carregamento da frota ao final do mês.

Seguidamente, Pedro Pinto Barros, senior manager da PwC, conversou com João Correia Botelho sobre “Transformação nas compras: Da Visão à Execução”. Ao longo deste momento, foi avaliada a evolução da profissão nos últimos anos, passando a ser uma função mais estratégica; o papel da tecnologia; a importância da análise de dados; ou a relação com os fornecedores.

A Inteligência Artificial foi um dos temas principais, transversal às várias áreas abordadas, com impacto tanto para as próprias empresas quanto para a consultoria, tendo sido comparada a um estagiário que sabe tudo, mas que precisa de ser treinado.

A terminar a manhã, houve ainda a mesa-redonda “Criação de valor através do Procurement”, com a participação de Cláudia Monteiro, Head of Procurement do Montepio Serviços, A.C.E., Hugo Eloi Alves, Chief Procurement Officer da SECIL, e Ivo Diz, diretor de compras da ANA – Aeroportos de Portugal, sob a moderação de Patrícia Carvalho, Vice-Presidente da APCADEC.

Cláudia Monteiro começa por considerar que o procurement é a criação de valor e, como tal, deve haver proximidade, tanto aos clientes internos como às áreas de negócio, em estreita colaboração e com uma escuta ativa. Defende que quanto mais cedo o procurement for envolvido no processo, melhores os resultados e o valor aportado.

Hugo Eloi Alves concorda que a colaboração é o mais importante para criar impacto, e que esta deve ser formalizada. Considera que a gestão estratégica de categoria é uma mais-valia, ao analisar vários casos isoladamente, com um objetivo conjunto. Também destaca o envolvimento de outras áreas no processo e que deve haver uma maior compreensão das suas metodologias, de forma a conseguirem otimizar os processos.

Por fim, Ivo Diz considera importante criar informação regular com foco, e ter dados do passado, presente e futuro, de forma a melhorar as suas previsões. Como exemplo, destaca a oportunidade de analisar contratos que estejam quase a terminar, podendo agregar valor na sua renovação, negociando questões de inovação ou sustentabilidade, e trabalhando lado a lado com os fornecedores para acrescentar valor. Também as operações devem estar associadas ao processo de procurement, com dados claros e objetivos bem definidos.

A iniciar a tarde, Isabel Azevedo Santos, vice-presidente da APCADEC, e Nuno Ferraz, head of procurement and purchasing do Grupo Brisa, apresentaram o prémio APCADEC, que distingue os processos das empresas em Portugal. O Grupo Brisa foi o último vencedor do Prémio APCADEC 2024 by EIPM Awards, tendo posteriormente sido distinguido nos EIPM-Peter Kraljic Awards, um prémio internacional, na categoria “Sustainability Transformation”.

Nuno Ferraz explicou como foi o processo, desde a candidatura até à conquista do prémio, bem como a participação no prémio internacional, passando pela recolha de dados para apresentar a concurso ou pelas intensas auditorias. Destacou a dificuldade de análise, preparação das equipas, compromisso, e a necessidade de tempo. Como benefícios, destacou o benchmark que é feito entre outras empresas a nível internacional, a certificação e a auditoria, sendo entregue um documento com sugestões de melhoria nos processos.

Seguidamente, foi a vez de Pedro Amorim, corporate sales director do ManpowerGroup, falar sobre os “Desafios da escassez de talento”, com o estudo “Global Talent Shortage 2025”, que envolveu 40.413 pessoas, em 42 países. Ao nível do mercado nacional, Portugal é o terceiro maior país com dificuldades em encontrar talento (84%), encontrando-se 10 pontos percentuais acima da média global (74%), e superado apenas por Alemanha (86%) e Israel (85%).

Entre Lisboa e Porto encontramos a maior parte da mão de obra, encontrando-se maior dificuldade nas regiões do interior. Entre setores, o dos “Transportes, Logística & Automóvel” é o 4.ª maior a apresentar escassez de talento, com 85%, e as Operações e Logística a 5.ª competência mais difícil de recrutar. O responsável deixa algumas recomendações para enfrentar a escassez continuada, como ações de upskilling e reskilling, aumento de salários ou maior flexibilidade de horário. O orador terminou a sua apresentação afirmando que as pessoas abandonam as empresas pela liderança, e que são retidas pela cultura.

Sob o mote “Inovação em Compras com SAP: De Custo a Valor”, Lívia Pessoa Theophilo, solution advisor da SAP, apresentou as soluções da empresa para melhorar os processos de compras das empresas, que vão desde soluções de ponta-a-ponta, de colaboração com fornecedores, gestão de risco ou analítica inteligente, e ainda soluções baseadas em Inteligência Artificial.

Diogo Belford Henriques, partner & head of public affairs da H/Advisors CV&A, foi o próximo a subir a palco, com o tema “Procurement na Gestão de Crise”. Nos últimos anos, as cadeias de abastecimento têm enfrentado vários desafios, desde a pandemia de COVID-19, o navio da Evergreen, ou mais recentemente o apagão, quase 50 anos depois do último.

Durante a sua apresentação, mostrou como o procurement pode causar ou resolver uma crise, ou até mesmo melhorar o mundo, e as quatro etapas do processo de crise: Pré-crise, crise, resposta e pós-crise. Em termos de conclusão, deixou a recomendação: “Preparamo-nos para a última crise, não para a próxima”, pois não saberemos o que, ou quando, irá acontecer, mas podemos preparar-nos para uma crise semelhante à última, analisando a forma como respondemos e onde podemos melhorar.

Mantendo o tema do risco, José Mogadouro, associate director da Moody’s, deu exemplos de vários casos de risco como forma de aprendizagem, sob o mote “Navigating Supply Chain Challenges in the Age of Exponential Risk”. O orador apontou que mesmo as maiores empresas podem cometer erros graves, caso não estejam atentos a alguns detalhes. Exemplos disso foram a Maersk e a Volkswagen, que, ora devido a um ciberataque, ora por falta de atenção a um dado de um fornecedor, tiveram grandes perdas.

Neste sentido, deixou algumas recomendações de áreas às quais as empresas devem estar atentas, e da importância de terem um parceiro que lhes permita reduzir o risco nas suas cadeias de abastecimento.

Quase a terminar o dia, Silvio Mota, diretor sénior da Mercado Eletrônico, apresentou as soluções da empresa, baseadas em Inteligência Artificial integrada nos pacotes base. O software inclui soluções de IA Generativa como suporte à analítica, bem como a possibilidade de criação de vários Agentes AI, privados ou para a equipa, e com os quais os profissionais também podem comunicar por voz.

O evento encerrou com um orador motivacional, João Pereira Leite, da SEED – emotional intelligence & coaching, que deu alguns conselhos de como os profissionais podem aumentar a sua assertividade, através de procedimentos base, como manter uma escuta ativa, não adiar conversas difíceis ou focar-se no problema e não na pessoa. A melhoria contínua através do feedback é também importante para evitar erros repetitivos, pelo que a comunicação é uma skill fundamental.

Nota: Poderá ler o artigo em maior detalhe brevemente, na nossa revista SCMedia News.

Fotografias: Supply Chain Magazine e APCADEC.