Num setor onde os minutos contam, os riscos não podem ser uma surpresa. A logística, enquanto espinha dorsal das cadeias de abastecimento, exige previsibilidade, mas vive da incerteza. Interrupções como a COVID-19, falhas energéticas, fenómenos climáticos extremos ou acidentes operacionais mostraram-nos que a resiliência é mais do que uma qualidade desejável: é um imperativo. É aqui que entra o Manual de Risco.
O que é um Manual de Risco?
É um documento estruturado, acessível e transversal a toda a organização, que detalha:
- Os riscos por departamento;
- Os procedimentos a adotar em caso de crise;
- Os responsáveis por cada ação;
- Os contactos de emergência e os canais de comunicação internos e externos.
Mais do que um guia, é um plano vivo que se atualiza com as lições aprendidas.
É fundamental definir, antecipadamente, quem será o porta-voz da empresa em caso de crise. Imagine-se um acidente grave. Quem comunica com os bombeiros, com os meios de comunicação, com os stakeholders? Não podem ser todos. Quando todos falam, a informação perde-se, distorce-se ou, pior, compromete a imagem da empresa. Tem de haver uma pessoa responsável, treinada, que centraliza a informação, garante a veracidade dos dados e comunica de forma clara, oficial e alinhada com a estratégia da empresa. É essa figura que deve falar com as autoridades, acalmar os stakeholders e proteger a reputação do negócio. Numa crise, comunicar bem é agir com responsabilidade.
Por que é essencial na logística?
- Minimiza o impacto das crises: Um incêndio num armazém ou um apagão podem paralisar a operação — ou apenas atrasá-la, se houver plano;
- Garante a continuidade do serviço: Clientes valorizam quem se antecipa ao problema, e entrega apesar das adversidades;
- Evita falhas de comunicação: Saber quem comunica, o que diz, e a quem o diz, evita danos reputacionais;
- Valoriza o capital humano: Equipas que sabem o que fazer em momentos críticos reagem com confiança e eficiência.
Como construir um Manual de Risco eficaz?
- Diagnóstico de riscos reais (internos e externos) por departamento;
- Classificação dos riscos: frequência, impacto e probabilidade;
- Criação de planos de ação claros para cada cenário;
- Definição de responsáveis e canais de decisão;
- Treino regular das equipas com simulações e revisões periódicas.
O risco não se elimina, mas gere-se — e ignorá-lo pode custar caro
A pandemia mostrou que muitas empresas não estavam preparadas. A guerra na Ucrânia desorganizou cadeias de abastecimento inteiras. O canal Suez fez atrasar as mercadorias e subir os custos de transportes. O recente apagão nacional expôs, mais uma vez, a fragilidade de quem depende da sorte para continuar a operar. E há mais — na Filadélfia, os sistemas de controlo de tráfego aéreo falharam durante 96 segundos. Parece pouco? Imagine se fosse consigo no ar. Estes exemplos são reais e recentes. Continuar a operar sem um Manual de Risco é um luxo que nenhuma empresa pode permitir. Um vírus, um tremor de terra, uma falha tecnológica ou um colapso económico podem surgir a qualquer momento. A questão não é “se” vai acontecer, mas “quando”.
Preparar-se com um plano B claro, treinado e assumido por toda a organização pode ser a diferença entre fechar portas ou resistir à próxima crise. É uma questão de responsabilidade. Em casa e no trabalho, não podemos continuar a reagir — temos de antecipar. Postos de trabalho, contratos, operações e até a reputação de uma marca estão em jogo. E quando acontece o inesperado, já ninguém tem tempo para decidir: Ou já se sabe o que fazer, ou perde-se o controlo. Ter um Manual de Risco é, hoje, tão essencial como ter um seguro. E mais do que salvar o negócio, é garantir que ele continua a existir.
Anabela Marcelino, Diretora Geral da Keta Foods | Especialista em Logística Internacional e Liderança Executiva