“Na corrida para a digitalização da cadeia de abastecimento, não é a tecnologia mais rápida que vence, mas a capacidade de adaptar a organização.” Esta é a visão de Luis Solis, Director Advanced Learning Innovation Programa na IE Business School, partilhada com a audiência do primeiro dia da SCM Conference 2025, esta terça-feira, 6 de maio.

A sua intervenção centrou-se precisamente sobre o que designa como o pilar em falta na evolução digital da cadeia de abastecimento: a prontidão organizacional. Começou por dar conta de estudos recentes, nomeadamente da consultora Gartner, que apontam para dificuldade na transformação digital, indicando que cerca de 70% dos esforços de digitalização da cadeia apresentam resultados abaixo do esperado. O que o fez questionar se estará a ser dedicada à evolução organizacional a mesma energia que se aplica ao fortalecimento da tecnologia e dos sistemas.

O que se verifica – disse – é que a mudança tecnológica está a acontecer a um ritmo muito mais acelerado do que a mudança social, com o desfasamento a crescer relativamente à mudança organizacional.

Neste cenário, Luis Solis convidou a uma reflexão: “A primeira tarefa é saber se, quando se fala de transformação digital, os líderes estarão a fazer a pergunta correta. E o mais provável é que a maioria não o faça.”

Justificando este argumento, apresentou um caso de estudo, envolvendo “um dos principais players do mundo a nível industrial”, com 63 mil funcionários e 39 fábricas. Antes do projeto de transformação, a empresa enfrentava alguns desafios, entre eles tempo pouca disponibilidade dos produtos, tempos de resposta muito elevados (entre oito a 12 dias quando os concorrentes entregam em até três dias) e existência de outros canais de distribuição para os mesmos produtos, mas a preços inferiores. Além disso, as partes e os componentes não chegavam a tempo e não existia informação sobre a sua localização. Como consequência, as operações na cadeia de abastecimento não decorriam como planeado e os custos aumentavam.

A solução de digitalização proposta tinha como objetivos uma maior visibilidade, decisões mais rápidas, maior eficiência, diminuição dos lead times e melhor experiência do cliente. Foi lançado um projeto a três anos, que envolvia a implementação de tecnologia 4.0, com vista a alcançar os objetivos propostos e, como resultado, garantir o sucesso financeiro e a continuidade do negócio.

No entanto, como partilhou o orador, não foram colocadas as perguntas certas. E, num projeto em que a coluna vertebral era a tecnologia, o que se verificou é que, entre os 600 fornecedores, os níveis de capacidade tecnológica e de talento eram diferentes, os sistemas não eram necessariamente compatíveis e muitos dos fornecedores não tinham músculo financeiro para fazer a mudança. Colocava-se um problema de conetividade, não de visibilidade, porque esta, segundo Luis Solis, depende das pessoas, é mediada pelo nível de colaboração e mediada pela confiança.

Daí que tenha defendido que o enfoque, na transformação digital, deve incluir as capacidades organizacionais, o que passa por ter a mentalidade certa. E, a seu ver, a maior parte dos dirigentes não é movida pela prontidão organizacional.

Nesse sentido, Miquel Serracanta, Managing Director & Owner-Founder da Solutions & Decisions, iniciou o segundo dia com o tema do talento e na adaptação às novas necessidades das empresas, com o tema “Talent as the new Supply Chain Bottleneck”.

A falta de pessoas e de talento são dificuldades que afetam, de forma diferente, as cadeias de abastecimento. Se, por um lado, há áreas em que é mais difícil encontrar pessoas, por outro, há pessoas, mas falta de talento. Como forma de contexto, aponta que cerca de um quarto da população do mundo está localizado na Ásia, encontrando-se neste continente grande parte da força laboral mundial, e ao nível do talento, verifica-se uma mudança nas skills que as empresas procuram, de modo a adaptarem-se às novas necessidades.

Para fazer face à falta de pessoas, a solução começa a surgir através da Inteligência Artificial (IA), mas isso também tem gerado desconfiança por parte das próprias pessoas, que temem perder os seus empregos para a tecnologia. Nesse sentido, o profissional explica que o investimento na digitalização e robotização levou as empresas a investir no reskilling das suas pessoas, acabando por substituir os postos atuais pela tecnologia, mas reaproveitando as pessoas, adaptando apenas as suas funções às novas necessidades.

Assim, dá-se uma mudança na área de recursos humanos, que passa a valorizar mais as soft skill do que as technical skills, sendo muito valorizada a adaptabilidade, que considera ser uma característica mais diferenciadora e humana. Miquel Serracanta deixa então a questão: “vamos olhar para a falta de talento como desafios ou oportunidades?”.

Aponta, então, as 10 skills mais procuradas em 2025, de acordo com o World Economic Forum:

  • Pensamento crítico e inovação;
  • Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem;
  • Solução de problemas complexos;
  • Pensamento crítico e analítico;
  • Criatividade, originalidade e iniciativa;
  • Liderança e influência social;
  • Uso da tecnologia, monitorização e controlo;
  • Design tecnológico e programação;
  • Resiliência, tolerância de stress e flexibilidade;
  • Raciocínio, resolução de problemas e idealização.

Por parte das empresas, existem ainda dois desafios: atração e retenção de talentos. Miquel Serracanta destaca que hoje não se trata apenas de uma questão de salário, mas sim de as pessoas sentirem que estão no sítio certo, deixando algumas recomendações, tanto para as empresas quanto para as pessoas.

Na sua intervenção na SCM Conference 2025, Pedro Bobião, fundador da consultora Vide de Grunwald, lançou um alerta provocador: “O vosso supply chain está a criar valor… ou a sabotá-lo?”. Com exemplos concretos de projetos na Europa, América do Sul e Sul da Europa, Pedro Bobião demonstrou como a operação logística pode ser decisiva — seja para atrair investidores, duplicar a produção sem CAPEX ou, pelo contrário, travar uma aquisição à última hora. Da reestruturação de cadeias ineficientes à análise crítica de riscos invisíveis durante processos de due diligence, a apresentação revelou a supply chain como um barómetro de maturidade empresarial e um ativo estratégico incontornável para o crescimento sustentável e escalável.