Olhar para a descarbonização como uma oportunidade: foi este o desafio que Maria Lacalle Muls, Sustainablity Expert e membro do board do CSCMP Spain, deixou aos participantes na SCM Conference 2025, no segundo dia do evento, 7 de maio.

Ao iniciar a sua intervenção, subordinada ao tema “Understanding transportation emission calculation methodology as a driver to descarbonize”, a especialista começou por brincar com o apagão de 28 de abril, afirmando que é a melhor forma de ser “net zero”. Porém, não sendo uma solução, partilhou a sua visão da descarbonização como uma banheira (a atmosfera), em que nunca extremidade está torneira de CO2 e na outra o escoamento, composto pelos chamados removedores de dióxido de carbono – os naturais, como as árvores, e as novas tecnologias de captura. É um jogo, disse, no qual a supply chain tem uma palavra a dizer, buscando ferramentas que contribuam para acelerar a redução das emissões, em particular as de âmbito 3, relacionadas com os materiais e o transporte.

Na rota para a descarbonização, importa saber medir as emissões, com a oradora a partilhar com a audiência os princípios básicos da equação Kaya. São cinco as variáveis: transporte, multimodalidade, peso da carga de cada contentor ou veículo, eficiência energética, e intensidade carbónica da energia. No entanto, nem sempre estes dados estão acessíveis, o que faz com que as empresas se concentrem em três fatores para calcular as suas emissões: distância, modo de transporte e peso da carga. Neste processo de medição, surgem alguns obstáculos, relacionados, nomeadamente, com a dificuldade em aceder a dados de qualidade, a escassa colaboração com os fornecedores, e a falta de metodologias padronizadas.

Aos elos da cadeia de abastecimento deixou cinco vias para descarbonizar. Primeiro, reduzir a procura de transporte, por exemplo, reduzindo a distância percorrida ou limitando os volumes transportados. Segundo, mudar para um meio de transporte mais “verde”, sendo que trocar a rodovia pela ferrovia reduz as emissões em nove vezes, e passar do avião para o navio diminui 50 vezes as emissões. Maximizar a carga é outra das soluções, o que pode ser conseguido agrupando envios, de modo a reduzir o espaço vazio. Potenciar a eficiência energética, por outro lado, é possível diminuindo a velocidade, pois impacta o consumo de combustível. E, finalmente, transitar para fontes energéticas mais sustentáveis, como os biocombustíveis.

Maria Lacalle introduziu, ainda, o conceito de triângulo de incompatibilidade no freight, cujas faces são o custo, o tempo de trânsito e as emissões. Cabe a cada empresa estabelecer a sua prioridade: por exemplo, se ela for reduzir os custos e ser mais “verde”, a solução poderá passar pelo transporte marítimo. O que, na sua opinião, é importante é que as empresas deixem de associar a sustentabilidade a um custo. Se a supply chain – defendeu – trabalhar de maneira estratégica, a descarbonização será, antes, uma oportunidade.

Mantendo o foco na área do transporte, Fernando Cruz Gonçalves, professor da ENIDH, falou sobre o transporte marítimo, nomeadamente sobre o futuro da carga contentorizada em tempo de conflito. Foram apresentados vários dados globais de transporte marítimo, bem como os desafios que estão a impactar as principais rotas marítimas mundiais.

Ficou claro que as tarifas aduaneiras dos EUA e os conflitos no Mar Vermelho estão a trazer um clima de incerteza ao mercado do transporte marítimo de carga contentorizada, e que poderá haver uma intensificação dos ataques aéreos dos EUA para tentar eliminar a ameaça dos Huthis, que são apoiados pelo Irão. Poderá ainda ocorrer uma intervenção terrestre por parte das forças sunitas, reorganizadas e com o apoio da Arábia Saudita e dos EUA.

Fernando Gonçalves deixa ainda a nota de que com a normalização do conflito no Médio Oriente, será necessário reafetar 162 navios que estão a dar resposta ao acréscimo de distância que decorre da passagem pela Rota do Cabo em detrimento do Canal do Suez.