Vivemos tempos em que a palavra sustentabilidade se tornou uma bandeira bonita usada em discursos de poder, campanhas publicitárias e cimeiras internacionais, onde os grandes líderes do mundo sentam-se em mesas redondas, a discutir um futuro limpo e verde, enquanto à sua volta rondam frotas de carros topo de gama e no céu ecoam os motores dos seus jatos particulares.

A Europa tem sido uma das maiores vozes dessa suposta revolução verde, apresentando-se na vanguarda da transição energética e da mobilidade sustentável, mas ao olharmos para além das luzes e dos slogans reciclados, percebemos que esta sustentabilidade é muitas vezes um privilégio dos ricos, que desfilam em Teslas e outros elétricos de luxo, enquanto os pobres vivem ao lado das minas de lítio e dos cemitérios de baterias. 

Para produzir uma única bateria de um carro elétrico, em média, é necessário extrair dezenas de toneladas de minério que vêm maioritariamente do hemisfério sul, onde comunidades inteiras são deslocadas, lençóis freáticos são drenados e crianças trabalham em minas, como as do Congo, para alimentar a cadeia verde europeia que se quer limpa, moderna e eticamente superior. O lítio que alimenta os sonhos elétricos da Europa acaba por ser o pesadelo de tanta outra gente da América do Sul; o cobalto que move os motores de última geração vem de zonas esquecidas por Deus e pelas autoridades sanitárias e enquanto as praças europeias celebram os incentivos à mobilidade elétrica e os objetivos climáticos de 2030, a realidade é que exportamos o sofrimento ambiental e importamos a glória do marketing verde.

O cinismo atinge o seu ponto alto quando se olha para a cadeia de produção da tecnologia dita sustentável. Mais de 80% das baterias dos carros elétricos vendidos na Europa são produzidas na China, a esmagadora maioria dos ímanes usados nos motores elétricos possuem terras raras extraídas e processadas também na China, a produção de painéis solares, turbinas e células de hidrogénio segue a mesma lógica de dependência tecnológica e industrial. Somos líderes na ambição e seguidores na produção.

A Europa grita independência energética, mas alimenta-se do carvão chinês que alimenta as fábricas que produzem os nossos componentes verdes. É uma autossuficiência feita em PowerPoint e embalada em caixas com origem asiática e se a China decidisse tornar-se menos amiga do ambiente e mais centrada no lucro ou na geopolítica, a Europa veria rapidamente a sua bolha verde rebentar. Não temos a capacidade nem a infraestrutura para sustentar o nosso discurso e, no fundo, sabemos disso.

A ironia não termina aí. Enquanto o cidadão comum é empurrado para carros elétricos caros, para substituições forçadas de eletrodomésticos e para impostos sobre tudo o que consome energia não renovável, os grandes defensores da causa ambiental continuam a voar em jatos privados. Ursula Von der Leyen, por exemplo, usou jatos em quase todas as suas deslocações oficiais num só ano; nas conferências do clima é habitual ver centenas de aviões particulares estacionados, enquanto lá dentro se apela ao fim das emissões; na COP28 no Dubai, por exemplo, cerca de 1400 jatos privados aterraram para um evento cujo objetivo era precisamente discutir como reduzir o uso de combustíveis fósseis.

É uma hipocrisia monumental com que infelizmente nos deparamos, onde se pede ao cidadão que não use sacos de plástico, ao mesmo tempo que se enche o céu de CO₂ num dia que ficou marcado na história como um dos dias com a maior pegada ecológica de sempre. Sustentabilidade é só para quem fica em terra?

E quando se fala de carros elétricos? Fala-se de um produto que está longe de ser acessível à maioria dos europeus. Em Portugal, por exemplo, o preço médio de um carro elétrico ultrapassa os 35 mil euros, três vezes o rendimento médio anual de muitas famílias. Os incentivos existem, mas são para quem pode, e nos países com menos poder de compra a transição é mais lenta, mais desigual e mais penosa. Os transportes públicos continuam insuficientes, as infraestruturas de carregamento são escassas fora dos grandes centros urbanos e a mobilidade verde transforma-se num luxo com etiqueta ambiental: quem pode desfila, quem não pode adia.

Para completar o quadro, a Europa não só importa a tecnologia como também exporta o seu lixo, as baterias usadas, os resíduos eletrónicos e até veículos elétricos fora de uso são enviados para países com menos regulamentação ambiental e laboral, onde são desmontados sem segurança, reciclados em condições perigosas ou simplesmente deixados a apodrecer. Em muitos casos, os mesmos países que fornecem os minerais acabam por receber os resíduos, fechando um ciclo tóxico de dependência e exploração. Uma economia circular, sim, mas de desigualdade.

A verdade é que a transição energética europeia, tal como está desenhada, é feita em cima de contradições profundas e muitas vezes hipócritas. Queremos ser verdes, mas não queremos pagar o verdadeiro custo de o ser, preferimos externalizar o impacto e internalizar o crédito; vestimos a camisola da liderança climática, mas usamos sapatos fabricados por outros. Há uma ilusão coletiva de progresso que só se sustenta enquanto os países fornecedores não levantarem a voz e, enquanto os cidadãos europeus não se perguntarem de onde vem realmente o seu conforto verde, a inércia veio para ficar.

Estamos perante um modelo que reproduz desigualdades, que esconde os impactos sob o tapete do terceiro mundo e que serve de palco para líderes que dizem uma coisa e vivem outra. A verdadeira sustentabilidade exige coerência, exige justiça climática e social, exige uma visão que não se limite a impor carros elétricos, mas que reconfigure todo o sistema de produção, consumo e transporte, de forma equitativa e duradoura.

Até lá, continuaremos a aplaudir os carros do futuro enquanto enterramos o lixo do presente em territórios que, como o ditado diz: “Longe da vista, longe do coração”.

Gonçalo Vieira, Finalista de Gestão de Transportes e Logística, ENIDH