A Indústria 4.0 tem-se estabelecido como um catalisador de alterações profundas na forma como concebemos e operamos as nossas cadeias de valor. O conceito da Indústria 4.0 assenta essencialmente em princípios como a interoperabilidade de sistema, a virtualização, a descentralização, a orientação para o serviço, o “Big Data”, a modularidade e a escalabilidade. Estes princípios têm sido alavancados por tecnologias como o Industrial IoT, realidade aumentada, manufatura aditiva, cibersegurança, “cloud/edge computing”, “big data and analytics”, robótica autónoma, simulação e “digital twins”.

Os impactos
Estudos realizados por diversas consultoras tecnológicas evidenciam o impacto da introdução destas tecnologias na indústria, não só em termos económicos, no aumento da produtividade e eficiência nas linhas de produção, mas também ao nível social e ambiental.

No setor económico, verifica-se um aumento da produtividade e eficiência, já que estas tecnologias permitem alavancar as metodologias Lean, melhorar a transparência e gestão de stocks, focar no valor acrescentado, reduzir custos de energia e aumentar a disponibilidade dos equipamentos produtivos. Além disso, permitem também uma maior agilidade na adaptação a novos mercados, reduzir o “time to market”, melhorar as relações com fornecedores e aumentar a satisfação dos clientes através do desenvolvimento de produtos mais personalizados e com maior qualidade.

No campo social, a Indústria 4.0 desencadeia um maior investimento por parte das empresas em novos projetos de inovação e desenvolvimento, o que potencia a criação de emprego nas diversas áreas tecnológicas. Para além disto, potencia a qualidade de trabalho dos colaboradores, já que melhora as condições ergonómicas, aumenta a segurança no trabalho, reduz o trabalho manual e promove a motivação dos operadores. Ao nível ambiental considera-se que a Indústria 4.0 possa potenciar a redução de emissões poluentes e diminuir o consumo de recursos naturais, além de facilitar a indústria circular. Conforme apresentado pelo “The impacts of Industry 4.0 technologies”, existem já evidências científicas que comprovam a importância do impacto da Indústria 4.0 nas três dimensões apresentadas.

Os desafios
Com base nos impactos apresentados, torna-se evidente o grande potencial da implementação de soluções de indústria 4.0. No entanto, existem também desafios inerentes à adoção destas tecnologias e que devem ser tidos em consideração. De forma resumida e simplificada, podemos considerar que um dos principais desafios na implementação de projetos nesta área está relacionado com a adoção de tecnologias inovadoras que, por um lado, pretendem facilitar o trabalho diário dos trabalhadores diretos e indiretos, mas, que por outro, obrigam à requalificação de competências a todos os níveis da organização. Neste sentido, torna-se imperativo não só investir na formação dos colaboradores ao nível das áreas tecnológicas, como também promover uma cultura de aprendizagem contínua que promova uma ágil adaptação das equipas a mudanças neste setor. Este desafio está fortemente ligado à temática da cultura organizacional por tocar diretamente em temas como mindset e resistência à mudança, que são áreas sensíveis e que envolvem um esforço continuado. É por isso importante que as organizações reprogramem o mindset das equipas e abracem uma cultura de “digital-first” para melhor se adaptarem a novas formas de trabalho. A adoção destas tecnologias só será eficaz se toda a organização estiver envolvida e motivada, e para isso é necessário reconhecer o valor acrescentado que as mesmas poderão gerar. Há igualmente desafios a ter em consideração no que toca ao processo de planeamento e implementação de projetos e soluções na área da Indústria 4.0. É por isso crucial definir um plano de implementação bem estruturado que permita prever os custos e os recursos necessários para a eficaz implementação e posterior manutenção. Uma abordagem que pode facilitar a implementação deste tipo de soluções é a definição de alguns casos de uso como prova de conceito, por forma a validar as soluções antes de se avançar com um rollout aplicado aos restantes processos. É também importante envolver os diferentes stakeholders desde a fase inicial do projeto, proporcionando um período de adaptação e identificação de melhorias que permitam um rollout o mais facilitado possível.

Além dos desafios de planeamento devem ser considerados os desafios técnicos. A introdução de diferentes tecnologias e sistemas de informação pressupõe que estes estejam interligados. Isto significa interoperabilidade entre diferentes sistemas de diferentes áreas (fornecedores, logística, produção, clientes, etc.), que poderá levar a uma rápida escalabilidade do nível de complexidade informático. Neste cenário, é necessário avaliar criteriosamente que sistemas usar e que arquitetura adotar por forma a reduzir a complexidade, tanto de implementação como de manutenção dos sistemas. Associado a este último tema está a estandardização, que se apresenta tanto como uma oportunidade como um desafio. Por um lado, a estandardização permite reduzir a complexidade e facilitar o rollout de soluções, sendo uma mais-valia para as organizações. Porém, é um processo complexo e moroso que deve ser tido em consideração desde muito cedo. A definição de standards considera todos os sistemas, aplicações, servidores, e inclusive os dados de chão de fábrica e a forma como estes são recolhidos. Tudo deve estar definido e estruturado desde cedo num processo de implementação de projetos desta natureza.

Desta forma, garantimos uma maior qualidade dos dados recolhidos e mais confiança na implementação de algoritmos na área de análise de dados, potenciando a rápida e estruturada melhoria de processos, a implementação de estratégias de manutenção preventiva, a otimização da gestão de inventários, a análise de causas em defeitos, entre outros. A disponibilidade e qualidade dos dados pode também alavancar uma das tecnologias mais emergentes e disruptivas da atualidade, a Inteligência Artificial Generativa. Além do potencial que a IA já nos permite alcançar, a GenAI permite ir mais além e criar hipóteses de forma automática e extremamente rápida. Se tomarmos como exemplo linhas de produção ou processos logísticos, atualmente já é possível ter simuladores com o “digital twin” estático da linha ou do processo. Com a GenAI podermos ir mais além e criar possíveis cenários gerados automaticamente e numa questão de segundos, que nos possibilitam otimizar e entender melhor os processos, mesmo antes destes existirem fisicamente.

Em conclusão, podemos considerar que a adoção de tecnologias emergentes traz consigo ganhos e benefícios significativos e que apesar dos desafios inerentes à sua implementação, estas tecnologias permitem às organizações diferenciar-se e aumentar a sua competitividade num cenário de constante e acelerada mudança.

Tiago Moura | Manufacturing Digitalization lead | Bosch