Os portos de Leixões e do Beato, em Lisboa, encontram-se numa situação crítica de sobrelotação, constituindo uma ameaça ao abastecimento de trigo utilizado na produção de pão, bolos, massas, bolachas e cereais de pequeno-almoço. Esta crise, apelidada pelos líderes do setor como uma “tempestade perfeita”, coloca em perigo a cadeia de fornecimento e exerce uma pressão significativa nos custos, podendo resultar num aumento dos preços para o consumidor, de acordo com o jornal ECO.

A origem deste impasse reside na chegada de navios de grandes dimensões carregados com milho, soja e outras matérias-primas destinadas à produção de rações animais. Esta realidade é agravada pelos constrangimentos na importação provenientes da Ucrânia. A falta de espaço nos silos portuários impede que navios que transportam trigo panificável e trigo duro descarreguem, resultando em custos consideráveis enquanto aguardam a oportunidade para o fazer.

O presidente da Associação Portuguesa das Indústrias de Moagem (APIM), Luís Ramos, alertou que “corremos o risco de eventualmente faltar o cereal e de não haver farinha para fazer pão, bolachas ou massas alimentícias porque a capacidade de armazenagem nas fábricas é muito reduzida e estamos habituados a fazer uma rotação quase semanal de navios”. Com o aumento previsto do trânsito de navios até ao final do ano, particularmente durante o período natalício, a situação pode agravar-se, pressionando os industriais a refletirem estes custos nos preços finais dos produtos.

Pedro Moreira da Silva, CEO da Cerealis, enfatiza a gravidade da situação nos portos, destacando que “estas infraestruturas estão completamente cheias, chegando ao ponto de não ser possível descarregar barcos que estão a chegar todas as semanas”. Este congestionamento, já está a resultar em sobrecustos logísticos e em prolongados períodos de estadia dos navios, fatores que inevitavelmente se traduzirão no aumento dos custos industriais. O gestor calcula que cada dia de atraso na descarga de um cargueiro pode representar um custo entre 20 a 30 mil euros, “o que se somará aos custos de logística acrescida que a falta de armazenagem vai provocar”. Além disso, a subida dos preços do trigo duro durante o verão e o aumento dos custos totais de energia estão a pressionar ainda mais a indústria alimentar, conforme noticiado pela ECO em agosto.

Luís Ramos, líder da APIM, admitiu “que são contas por alto, mas entre o trigo mole e o trigo duro, as fábricas deste setor precisam de consumir mais de 3.000 toneladas de cereal por dia.” Com a dependência nacional em mais de 90% da importação de cereais, a APIM já alertou o Governo sobre a necessidade de expandir a capacidade de armazenamento nos portos e de ajustar essas infraestruturas às exigências específicas da indústria.

O responsável ilustra vividamente a situação com o exemplo de Leixões, onde destaca: “Há cerca de um mês, um navio trouxe 40 mil toneladas de milho brasileiro e ainda não conseguiu descarregar a totalidade da carga, o que equivale a 40% da capacidade total do silo concessionado à SDL.” Ao mesmo tempo, descreve a situação de um navio com trigo que, em condições normais, ficaria apenas dois dias no porto, mas devido à falta de espaço no armazém temporário, está há mais de uma semana a descarregar diretamente para as fábricas, resultando em “custos muito significativos para a indústria”. “O Porto de Aveiro está igualmente cheio, principalmente com produtos para a alimentação animal.” Acrescenta que Viana do Castelo e Marín (Galiza) não estão preparados para este tipo de operações, e o abastecimento às fábricas do Grande Porto resultaria em “custos avultados”.

Quanto à solução imediata, o representante das moagens de trigo e dos produtores de massas, bolachas e cereais de pequeno-almoço, sugere “reservar uma parte do espaço nos silos exclusivamente para os cereais destinados à alimentação humana.” “É o Governo que pode regular isto e estabelecer prioridades, em função do consumo. Acho que a alimentação animal não é prioritária face à humana.” Luís Ramos salienta que não procura um conflito com os produtores de rações, mas destaca a importância de salvaguardar as prioridades e considerar essas questões de forma equilibrada. Até o momento, a tutela não respondeu às questões levantadas pelo ECO.

Por sua vez, Jaime Piçarra, secretário-geral da associação que representa os produtores de alimentos para animais (IACA), destaca a capacidade do setor em aproveitar as oportunidades do mercado, mesmo em tempos voláteis. Em relação à proposta de reservar espaço nos silos para alimentação humana, comenta que “a APIM tem razão, e como os silos estão cheios, neste pico não há a rotação que havia anteriormente, em condições normais.”

No entanto, observa que os produtores de rações também enfrentam desafios, suportando os “sobrecustos” devido à espera de barcos. Em resposta à situação atual e à volatilidade do mercado, enfatiza a importância de aumentar a área de armazenagem, promover maior rotatividade e considerar a capacidade das empresas de terem mais espaço para armazenar stock. No entanto, o investimento em novos silos na região de Lisboa enfrenta um “problema de fundo”, uma vez que a Silopor, está em liquidação há mais de 20 anos.