Apesar de o mundo estar virado do avesso, há tradições que se mantêm: 8 de março é Dia Internacional da Mulher. Contudo, segundo dados do Fórum Económico Mundial, nenhum de nós irá assistir à paridade de géneros já que, à taxa atual de evolução, na melhor das hipóteses, vão ser precisos 132 anos para lá chegarmos. Igualdade e equidade precisam-se e, estereótipos à parte, antes de qualquer coisa somos todos humanos.

 

Um estudo da Procurious – “Women in Procurement & Supply Chain: Against The Odds” – diz que 74% das mulheres ainda são confrontadas com adversidades no local de trabalho baseadas no género e apenas 16% das mulheres ouvidas sentem que a sua empresa está a fazer “progressos tangíveis no sentido de abordar o preconceito de género”.

A investigação baseia-se num inquérito global a 170 mulheres e foi desenvolvida para avaliar a prevalência e o impacto do preconceito de género na força de trabalho na supply chain, assim como os investimentos que as empresas estão a fazer para impulsionar a mudança.

Quando inquiridas sobre os principais recursos e iniciativas em que gostariam que as suas empresas investissem para impulsionar a mudança e combater a desigualdade de género na profissão, as disparidades salariais (49%), a mentoria (47%) e a formação em liderança (45%) estão no top 3 da lista.

Face à escassez de mão de obra no setor e à enorme dificuldade com que as empresas se deparam para reter ou recrutar os melhores talentos, os líderes de empresas que atuam na supply chain que continuam a não olhar e levar a sério nas suas organizações políticas de promoção de igualdade correm o risco de perder ainda mais talentos.

Outras conclusões fundamentais apontam que 70% das empresas ou não têm estratégias para proteger e promover as mulheres na supply chain ou, se existirem, são ineficazes; apenas 14% das empresas têm estratégias de igualdade de género; só 16% estão a trabalhar na implementação de tais estratégias; 63% das mulheres dizem que, no topo das suas carreiras, são também “primariamente responsáveis” pelo trabalho doméstico em casa.

 

Ainda longe da paridade

A presença feminina em cargos de decisão nas empresas evolui lentamente. Quanto maior é a responsabilidade dos cargos, mais reduzida é a presença de mulheres a desempenhá-los. A presença feminina em cargos de decisão diminui também quando a dimensão das empresas aumenta.

De acordo com o estudo da Informa D&B “Presença feminina nas empresas” relativo ao final de 2022, os empregados do sexo feminino são cerca de 2,9 milhões, representando cerca de 42% do total. Mas nos cargos de decisão, que incluem sócios, acionistas, cargos de gestão e direção executiva, a percentagem de mulheres é de cerca de um terço do total destes cargos (34%) e em cargos de liderança, apenas 26,9% são ocupados por mulheres.

Os números decrescem ainda mais quando se sobe na hierarquia: apenas 13,9% das funções de direção-geral são desempenhadas por mulheres, uma percentagem que é de 16,2% nos lugares de conselhos de administração.

Segundo a mesma fonte, as empresas cotadas são as que registam uma evolução mais expressiva da presença de mulheres, provavelmente fruto da diretiva europeia segundo a qual os conselhos de administração destas empresas terão de incluir 40% de mulheres até 2026. Em Portugal, a presença feminina na gestão das empresas cotadas mais que quadruplicou na última década, passando de 5,7% em 2011 para 25,5% em 2022, uma percentagem ainda longe dos 40% determinados pela diretiva da UE.

Igualmente por pressão legislativa, há uma diferença entre as empresas públicas e privadas. No setor empresarial do Estado, composto por 289 empresas, 17% das empresas têm equipas exclusivamente masculinas, 2% exclusivamente femininas e 81% de equipas mistas. No setor privado, as 354 mil empresas têm 39% de equipas exclusivamente masculinas, 5% exclusivamente femininas e 55% mistas.

Teresa Cardoso de Menezes, diretora-geral da Informa D&B, salienta que “a presença feminina no mercado de trabalho, para além de representar mais de 40% do total, é cada vez mais qualificada, fruto de uma grande evolução em termos de preparação académica. É, no entanto, uma evolução que não está a ter correspondência no número de mulheres que ocupam cargos de gestão e liderança; com este estudo, a Informa D&B pretende contribuir para uma evolução que, apesar de lenta, mostra alguma consistência.”

A presença feminina em cargos de gestão é menor nas empresas de maior dimensão, apesar de ter crescido ligeiramente nos últimos 5 anos. Nas micro empresas, há 30% de mulheres a ocupar cargos de gestão, uma percentagem que vai descendo para os 22% nas pequenas empresas, para os 20% nas médias empresas, até aos 17% nas grandes empresas.

Em termos de liderança, a tendência é semelhante. Ou seja, apesar de ter aumentado nos últimos anos em quase todos os setores, encontra-se bastante longe da paridade. Enquanto nas micro empresas 28% da liderança é feminina, tal só acontece em 9% dos casos nas grandes empresas.

Embora com diferenças menos significativas, existem também menos mulheres a liderar as empresas com maior antiguidade. Nas empresas jovens, 28,2% são lideradas por mulheres, percentagem que desce para os 27,2% nas empresas adultas e para os 24,6% nas empresas maduras (com mais de 20 anos de idade).

 

Acabar com os telhados de vidro

Mas vai sempre havendo exceções à regra e são também essas exceções que vão impulsionando a mudança. O mundo da supply chain, da logística e das operações procura cada vez mais a promoção de todas as formas de diversidade e inclusão.

A mutinacional XPO, por exemplo, este ano celebra a data reafirmando o seu compromisso em oferecer às mulheres igualdade de oportunidades no acesso a todos os postos de trabalho e, a partir de hoje e durante todo o mês de março, o operador logístico promove uma série de debates internos, a nível europeu e nacional; conversas inspiradoras que pretendem encorajar a presença das mulheres no transporte e logística.

Valerie Chaut, responsável de Recursos Humanos da XPO Europa, explica que “a nossa missão como líderes é promover a modernidade e atratividade da nossa indústria e lutar contra ideias preconcebidas de que estas são profissões orientadas para os homens. O Dia Internacional da Mulher dá-nos uma plataforma pan-europeia para promover a cultura diversificada e inclusiva que estamos a construir. O nosso compromisso com a igualdade de oportunidades para todos é essencial para a forma como definimos o sucesso na nossa empresa”.

Este prestador global de serviços logísticos também participa ativamente na promoção de um ambiente de comunicação aberto, que inclua o acesso a cargos de gestão para mulheres condutoras. A empresa realizou os seus primeiros Fóruns de Mulheres Condutoras em França e no Reino Unido em 2022, oferecendo às mulheres a oportunidade de falar com os gestores e sugerir formas de melhorar a sua experiência profissional.

“As nossas pessoas são o nosso maior ativo, e as mulheres da XPO são agentes de mudança que impulsionam a nossa empresa e o nosso setor. Estamos empenhados em utilizar a nossa liderança na Europa para ligar o maior número possível de mulheres a carreiras gratificantes”. A forma mais convincente de o fazer, é ouvir as próprias mulheres – as nossas condutoras, funcionárias dos centros logísticos e líderes empresariais – e continuaremos a assegurar que elas tenham uma voz poderosa na nossa cultura”, lembra Luis Gomez, Presidente da XPO Europa.

Igualdade e equidade não são sinónimos

Outro exemplo vem da ID Logistics Iberia, onde 39% da equipa é composta por mulheres, sendo que este valor sobe para 58% em Portugal. Algumas executivas do operador logístico falam sobre a sua experiência profissional num setor ainda liderado por homens.

Patricia Herrero, diretora de Sistemas de Informação da ID Logistics Iberia, afirma que a sua experiência enquanto mulher a trabalhar num setor maioritariamente masculino tem sido muito positiva. “Embora ainda existam desafios em termos de igualdade de género no mundo empresarial, pessoalmente, não tive grandes dificuldades na minha carreira devido ao meu género. Além disso, na ID Logistics, tenho tido a sorte de trabalhar com equipas profissionais que valorizam a diversidade e reconhecem o valor que cada membro aporta, seja homem ou mulher”.

Esta responsável realça ainda que o fosso cultural que existia no passado está a diminuir progressivamente à medida que mais mulheres assumem papéis de liderança e os homens se envolvem ativamente na luta pela igualdade de género. “É importante continuar a trabalhar para eliminar os estereótipos de género e promover uma cultura empresarial inclusiva, para que as mulheres possam sentir-se empoderadas e ter as mesmas oportunidades no mundo empresarial”, acrescenta.

Pelo seu lado, Cristina Fernández, diretora de Contract Management Projetos e Reengenharia da ID Logistics Iberia, destaca que “enquanto profissional no setor logístico, desempenhei vários cargos de gestão durante mais de trinta anos. E sinto-me otimista porque, além de ter contado sempre com o apoio necessário, tenho testemunhado uma evolução em que há cada vez mais presença e liderança feminina. No entanto, há ainda muito por fazer. Para continuar a avançar nesse sentido, é essencial que as mulheres superem o medo de entrar em áreas tradicionalmente dominadas por homens. O verdadeiro desafio reside em encorajarmo-nos a procurar oportunidades, capacitarmo-nos de forma constante e trabalhar arduamente para alcançar o sucesso. A transformação do panorama só é possível através da participação ativa no mesmo”.

Vitória Nunes, diretora da Unidade de Negócio em Portugal da ID Logistics, explica que, na sua experiência pessoal, teve o privilégio de trabalhar com executivos e colegas eticamente corretos nos negócios e na vida, que a apoiaram e encorajaram a conciliar o trabalho com a vida pessoal. “Embora o setor logístico tenha sido tradicionalmente gerido por homens, isto não foi um obstáculo para a minha carreira. Acredito que o mais importante é trabalhar com paixão e honestidade, e sempre senti que fui recompensada por isso. É importante continuar a trabalhar em conjunto para fomentar a diversidade e a inclusão no setor e promover a igualdade de oportunidades para todos os colaboradores, independentemente do seu género. Se continuarmos a avançar nessa direção, estou confiante de que podemos alcançar um setor logístico onde a igualdade e a diversidade sejam a norma”, afirma.

 

Estereótipos têm os dias contados?

“Embora ainda seja uma área predominantemente masculina, o setor logístico registou uma evolução significativa em matéria de igualdade de género nos últimos anos, graças aos esforços desenvolvidos no sentido de promover a diversidade e a inclusão a todos os níveis, desde a entrada de mulheres em posições operacionais até à promoção de mulheres a posições de liderança”, salienta Patricia Herrero.

E acrescenta, “há cada vez mais iniciativas e programas concebidos para promover a igualdade de género no setor logístico. As empresas estão a implementar políticas de igualdade de oportunidades, medidas de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, e programas de formação e desenvolvimento para mulheres. Além disso, os estereótipos de género estão a ser eliminados e estão a ser feitos esforços para assegurar que as mulheres têm igualdade de oportunidades de acesso a cargos de direção”.

Nesse sentido, Cristina Fernández, concorda com a importante evolução em matéria de igualdade de género que o setor logístico está a viver. “Nos últimos anos, temos visto como cada vez mais mulheres estão a ocupar posições de liderança no setor, o que representa um grande avanço na luta pela igualdade de género. Na ID Logistics, enquanto empresa comprometida com a igualdade, estamos a trabalhar para encorajar a inclusão de mulheres a todos os níveis da nossa organização, promovendo a formação e o desenvolvimento das aptidões e competências necessárias para desempenhar qualquer posto de trabalho, independentemente do género”.

Vitória Nunes diz que, nos últimos anos, tem havido uma maior consciencialização e compromisso do setor logístico em promover a igualdade de género. “Embora o sector seja ainda predominantemente masculino, estão a ser feitos progressos significativos no recrutamento e promoção de mulheres em funções operacionais e de liderança. Estão também a ser adotadas políticas e medidas para promover a igualdade de oportunidades, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e o desenvolvimento de carreira para as mulheres. No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer para alcançar uma verdadeira igualdade de género no setor. É importante continuar a trabalhar em conjunto para eliminar os estereótipos de género e promover a diversidade e a inclusão a todos os níveis da organização”, acrescenta.

 

Do compromisso à ação

Para Patricia Herrero está claro que há ainda muito trabalho a ser feito para alcançar a igualdade plena no setor logístico e, para isso, é necessário continuar a tomar medidas em diferentes direções. “Por um lado, é importante continuar a promover a diversidade e a inclusão no setor e a encorajar a igualdade de oportunidades para todos os colaboradores, independentemente do seu género. É igualmente necessário sensibilizar e educar os líderes empresariais e os colaboradores para a importância da igualdade de género e a eliminação dos estereótipos de género no local de trabalho. Em terceiro lugar, devem ser implementadas políticas e práticas concretas para assegurar a igualdade de remuneração e a igualdade de oportunidades para o desenvolvimento de carreira. E, finalmente, penso que é importante estabelecer objetivos mensuráveis e acompanhar regularmente os progressos para assegurar que os avanços estão a ser feitos”, explica.

Na mesma linha, Cristina Fernández acredita que alcançar a igualdade plena no setor logístico é um objetivo fundamental, que requer um compromisso ativo e constante de todas as empresas e profissionais do setor. “Na minha opinião, alguns dos próximos passos que devemos dar para alcançar a igualdade plena no setor logístico passam por encorajar a presença de mulheres em posições de liderança e direção, promovendo o seu desenvolvimento profissional e oferecendo oportunidades de formação e qualificação. A isto, devemos acrescentar a implementação de medidas que promovam a igualdade de género a todos os níveis da empresa, desde o recrutamento e seleção de pessoal até às políticas de remuneração e programas de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Tudo isto, sem descurar as iniciativas de sensibilização e formação de todo o staff da empresa em matéria de igualdade de género, para que possam contribuir ativamente para a criação de um ambiente de trabalho mais inclusivo e diversificado”.

Vitória Nunes não tem dúvidas que “para alcançar a igualdade plena no setor logístico, é necessário continuar a promover a diversidade e a inclusão, e a estabelecer políticas e práticas concretas para assegurar a igualdade de remuneração e a igualdade de oportunidades para o desenvolvimento profissional. É igualmente importante sensibilizar e educar os líderes empresariais e os colaboradores sobre a importância da igualdade de género e a eliminação dos estereótipos de género no local de trabalho. Além disso, devem ser estabelecidos objetivos mensuráveis que devem ser monitorizados regularmente para assegurar que estão a ser feitos progressos no sentido da igualdade plena no setor logístico. Este é um processo contínuo, que requer o compromisso e a ação concertada de todos os intervenientes”.