A subida dos custos do transporte, a tendência para cadeias de abastecimento mais curtas, entre outras dificuldades logísticas, têm feito com que o mercado português esteja cada vez mais a ser procurado por parte de grandes clientes internacionais de calçado, especialmente na zona das Felgueiras, pela indústria especializada ali instalada.

O presidente da APICCAPS, citado pelo ECO, explica que esta “deslocalização nítida da China e de outros países asiáticos” está a acontecer “não só pelas circunstâncias da pandemia”, que fizeram com que muitas empresas optassem pelo fornecimento mais próximo (nearshoring) para encurtar a cadeia de abastecimento aos mercados europeus, mas também pelo aumento do preço e as atuais complicações na área logística e dos transportes.

“Os custos que acarretam são enormíssimos e compensa produzir na Europa. É um segmento que está a começar a voltar. (…) Há uma procura de Portugal pela qualidade, pela rapidez da entrega, pelas circunstâncias atuais. Porque hoje em dia os prazos para as entregas têm de ser mais curtos e cada vez mais a moda é efémera. E Portugal consegue fazer tanto séries pequenas como grandes produções”, acrescenta Luís Onofre.

Um dos casos que está a superar os registos de vendas em relação ao período da pandemia graças a essa transferência de produção dos países do Oriente para Portugal é a marca Darita, que trabalha maioritariamente em regime de private label, exportando 90% dos artigos para os países como Países Baixos, a Alemanha, o Reino Unido e a França.

Filipe Mora, o responsável administrativo da marca, relatou ao ECO que existem “casos de clientes que faziam cá 10% e 90% no outro lado, e agora estão a passar para cá 50%” devido ao acréscimo de custos nesses mercados mais longínquos”, em consequência do acréscimo de custos dos mercados mais distantes, acrescentando que “o que os faz estar lá é o preço, pois a nível de qualidade gostam mais de cá”.

João Pinto, responsável do departamento comercial da empresa Joseli, também confirmou que “há muitas marcas grandes, key players, que no último ano procuraram Portugal, movendo as suas produções da China, do Vietname e da Índia” sublinhando que “ou tentaram. Uns conseguiram, outros não. É um dos motivos pelo qual a maior parte das empresas está lotada e tem a capacidade produtiva preenchida a 100%, sobretudo aqui na zona de Felgueiras”.

Contudo, o gestor conta que em alguns casos, os prazos de entrega triplicaram, mesmo que cerca de 80% dos materiais sejam comprados em Portugal dado que os fornecedores não conseguem entregar os seus produtos a tempo, “até podemos ter mais encomendas, mas só conseguimos produzi-las passados três ou quatro meses devido a estes problemas de escassez e aumentos dos preços das matérias-primas”, referindo ainda que teme que esta seja uma procura “para duas ou três estações e depois, quando as coisas voltarem ao normal, esses clientes voltem para os países onde produziam anteriormente”.

Além disso, o disparo da procura estrangeira tornou a subcontratação no país mais cara e, “para colmatar este problema e reduzir a dependência externa”, a estratégia da Joseli passou pela compra de duas empresas de costura em Felgueiras e em Guimarães, subindo assim o efetivo de 180 para 240 pessoas.

Ao contrário desta, Paulo Martins, o CEO da marca Celita, contou que não tem planos para expandir a sua produção, “sempre tivemos alguma prudência nos investimentos. Este aumento da procura em Portugal pode eventualmente ser passageiro, para resolver alguns problemas de momento e, as coisas estabilizando, voltar ao normal”.

O boletim trimestral de conjuntura editado pela APICCAPS, em parceria com o Centro de Estudos da Universidade Católica do Porto, depois de um primeiro trimestre em que foram exportados 21 milhões de pares de sapatos no valor de 493 milhões de euros (+25,2% em termos homólogos), revela que as preocupações dos empresários estão agora “centradas no abastecimento de fatores de produção, em especial no preço e disponibilidade de matérias-primas, e na escassez de mão-de-obra para responder à forte procura”.

Respetivamente à indústria do calçado desportivo, segundo o relatório Athletic Footwear Market, elaborado pela Allied Market Research, prevê-se que no final desta década possa valer 165 mil milhões de dólares (153,6 mil milhões de euros), um aumento de 50% em relação aos 109 mil milhões de dólares (101,5 mil milhões de euros) que representava em 2020, devido à popularização da prática desportiva e à democratização do seu uso em ambientes mais formais.