A disrupção das cadeias de abastecimento e o estrangulamento dos fluxos logísticos estão a provocar a paralisação das produções industriais um pouco por todo mundo e têm sido as grandes forças de bloqueio para o regresso desejado aos dias normais. Na tarde de amanhã e durante sábado, a APAT reúne os transitários portugueses em Cascais para o seu 18.º congresso e o grande tema é precisamente a “Disrupção do sistema logístico”.

 

2021 está a ser o ano de todos os desafios para as cadeias de abastecimento e os transitários, enquanto “arquitectos do transporte”, estão no meio da tempestade. Escassez de matéria-primas, falta de componentes e peças, aumento dos custos energéticos e dos combustíveis, longos atrasos no transporte, contentores e valor dos fretes… a lista de tudo o que se tem abatido sobre as cadeias de abastecimento ao longo deste ano é quase tão extensa como as supply chains globais.

É praticamente impossível escapar ao tema e não falar sobre escassez, aumento de custos e até possibilidades de desabastecimento, mas é igualmente fundamental não alimentar inseguranças e medos, que acabam por se traduzir num avolumar de dificuldades.

Por isso, em vésperas da realização do 18.º congresso dos transitários portugueses ouvimos os membros da actual direcção da APAT para tentar perceber, dentro da esfera de actuação profissional de cada um deles, quais os grandes desafios e combates mas, sobretudo, o que esperar depois daquilo que já se apelidou de tempestade perfeita.

 

Rodoviário: estratégia precisa-se

“Levando em linha de conta que em 2011 existiam quase 102.000 veículos pesados para o transporte de mercadorias e em 2018 o seu número era de pouco mais desses mesmos 102.000 (Pordata), sendo que na maior parte dos anos intermédios se andou abaixo dos 90.000, constata-se que Portugal não evoluiu no número de unidades de transporte em 8 anos. O salto dado em 2019 (não existem ainda dados de 2020), indiciava uma melhoria (mais de 116.000), mas não temos grandes dúvidas que de 2020 para cá, também por força da pandemia, esse número voltará a baixar.

E baixará ainda mais, se não existir uma estratégia que sirva para alavancar o negócio dos transportadores que, como é sabido, fornecem a matéria-prima para a execução dos transportes rodoviários às empresas dos mais diversos sectores, entre os quais os transitários.

Naturalmente que quando lemos “alavancar”, a primeira coisa que se pensa é em dinheiro mas, o nome utilizado antes (“estratégia”) penso que será tanto ou mais importante para que “o camião chegue ao seu destino”.

Parece-nos que pouco continua a ser feito para fomentar a preparação e formação dos profissionais no transporte rodoviário e, acima de tudo, motivação para aumentar de forma significativa o número de motoristas que, como se sabe, cada vez têm mais procura devido à escassez dos mesmos. Já lá vai o tempo que o factor “conhecer a Europa”, aliado a uma remuneração salarial atractiva, eram motivos suficientes para arrastar gente para esta profissão.

É evidente que não pode passar esquecido o aumento brutal que se tem vindo a assistir no preço dos combustíveis, aliado ao espaço temporal associado entre esses aumentos e a tentativa de repassar esses custos para o cliente, leva a que muitas das empresas no País venham a fechar portas.

Resta-nos esperar que o ser humano, ou o enorme conjunto de pessoas ligado a este sector, consigam, com muita paciência e resiliência, ser capazes de, mais uma vez, dar a volta a uma situação que se afigura complicada para os próximos tempos.”

Luís Paupério, Vice-Presidente

A transição energética e digital são aspectos muito relevantes

“Vivemos tempos muito complicados, nomeadamente no que ao tráfego marítimo diz respeito e não sabemos quando isto vai terminar. Enquanto transitários somos por excelência um MTO (Multimodal Transport Operator) e, por isso, entendemos que somos quem agiliza, liga e coordena todos os players desta cadeia, desde entidades públicas e privadas, à sincronização da informação com os modos de transporte e também por isso somos conhecidos como os “arquitectos do transporte”, ou seja, por inerência quem tem mais capacitação para utilizar e fazer utilizar a Intermodalidade.

Esta relação dos Portos com os Portos Secos é igualmente fundamental para a nossa actividade. Permite levar carga marítima até zonas interiores sem mar, através da utilização mais eficiente e sustentável da cadeia, assente sobretudo na intermodalidade. A transição energética e digital são aspectos muito relevantes para a nossa actividade e facilitadores de toda esta integração, entidades, transportes, autoridades, exportadores, importadores e carga, até porque o núcleo deste ecossistema é a carga e é para ela que trabalhamos, de forma a satisfazermos as necessidades de todos os clientes e alavancar o crescimento da nossa economia, por via, essencialmente, das exportações.”

Daniel Pereira, Vice-presidente

Logística: na busca por respostas assertivas

“É nosso entendimento que a logística, tal como a conhecemos, vai deixar de existir. Desde o “less paper”, mais digitalização, novos modelos de trabalho, Inteligência artificial, mas igualmente muita disrupção e dúvidas.

Problemas como a concorrência e a Regulação farão parte da nossa vida. Mais compras e encomendas, tudo feito à distância de um clique, por quem não quer saber como vão ser as entregas e como responder à rapidez que passa a ser exigida. Depois, temos os centros urbanos, onde provavelmente se vão centralizar a maior parte da origem das compras e obviamente as entregas, como vai tudo ser gerido?

Como vamos gerir procura, compras, embalagem, armazenagem, transporte, distribuição e entregas? Tudo isto são equações às quais a logística vai ter de encontrar respostas cada vez mais assertivas.”

Ana Pereira, Vice-presidente

Ilhas: desafio logístico superado

“As Ilhas Portuguesas são parte integrante do território português, que pela sua natureza arquipelágica e posicionamento no Atlântico, dão a Portugal uma dimensão geográfica e política que o espaço continental por si só não conseguiria oferecer.

Para além desta dimensão geográfica e política, os arquipélagos portugueses são também um desafio logístico, quando se pensa em toda a cadeia de abastecimento necessária ao fornecimento regular e sem falhas das populações das nossas 11 ilhas.

A mais populosa é a da Madeira com cerca de 260.000 habitantes; depois vem S. Miguel com cerca de 150.000 habitantes e a ilha Terceira com cerca de 60.000; e depois as restantes 8 ilhas, todas com população inferior a 15.000 habitantes, sendo que no Corvo habitam cerca de 400 pessoas. Destes dados resulta que a dimensão dos mercados nas ilhas é diminuto, dificultando a criação de economias de escala e a criação de condições para operações eficientes.

No entanto, os transitários que servem os dois arquipélagos portugueses, com a experiência acumulada de anos, em estreita coordenação com os armadores que servem estes destinos, e em mercados concorrenciais abertos, souberam criar cadeias de abastecimento altamente eficientes a nível operacional e de custo.

De facto, as ilhas portuguesas estão regularmente abastecidas, sem ruturas de stock nos armazéns e a custos que permitem o desenvolvimento económico sustentado e sem constrangimentos destas regiões.
O mundo enfrenta uma crise sem precedentes nas cadeias logísticas globais, com atrasos imensos na entrega das mercadorias e com uma escalada dos preços dos fretes inédita, o abastecimento às ilhas portuguesas decorre de forma absolutamente normal, sem constrangimentos na oferta, sempre com equipamento disponível para o transporte e sem a escalada de preços que se verifica noutras paragens.

Durante todo o tempo da pandemia, o abastecimento às ilhas foi feito de forma regular, sem alterações de escalas ou rotações e sem alterações de preços praticados. Quem beneficiou com este quadro de estabilidade foi a economia das ilhas e as suas populações e, portanto, o país na sua globalidade.
Esta situação só é possível dado o grande conhecimento e experiência que os operadores das ilhas têm na exploração de linhas insulares e de pequena dimensão, sabendo criar cadeias de abastecimento multimodais altamente eficientes e colaborativas.

Saber fazer logística para ilhas é um desafio diferente de outras cadeias de abastecimento, noutras paragens, com outras condições e dimensão, mas temos dado prova, que falam por si, do conhecimento adquirido pelos transitários no que toca a transportes e abastecimentos às Ilhas Portuguesas.”

Joaquim Pocinho, Vice-presidente

Para lá da disrupção

“As últimas notícias apontam para mais de 70 navios parados, aguardando para entrar no porto de Los Angeles. Os menos atentos pensarão tratar-se de um problema local e que pouco afeta quem está do nosso lado do mundo. Nada mais errado, pois o shipping opera em absoluta simbiose entre serviços, o que significa que o mesmo navio que está parado em Los Angeles, vai sofrer atraso, implicando que nos portos seguintes poderá ter de atrasar ou mesmo suprimir a escala. Aplica-se na perfeição a Teoria do Caos, que advoga que “o bater de asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque”.

Do ponto de vista operacional, esta situação é muito complicada de gerir. O incumprimento generalizado de bookings colocados pelos transitários e carregadores traduz-se numa falha também generalizada de darmos resposta às expetativas dos clientes na disponibilidade de equipamentos, adequação de prazos e políticas de preço justo.

Como é sabido, o panorama também não é melhor em termos do transporte terrestre e aéreo, pelo que o esforço dos transitários em fazer o que melhor sabem, torna-se muitas vezes sobre-humano, para conseguir manter um nível mínimo de fluidez na cadeia logística.

Não obstante o aumento dos gastos operacionais, o sector logístico a nível global e o mesmo acontece em Portugal, tem uma recuperação e tendência para crescimento a partir do 2.º trimestre deste ano. Esperamos que a maioria das empresas estejam a operar, a níveis de 2019, entre o final do corrente ano e o primeiro trimestre de 2022.

Outra área vital para os transitários é a digitalização. Se sabemos o que o futuro pós-pandémico da logística internacional vai trazer é uma combinação de colaboração presencial e coordenação virtual. No entanto, o toque humano prevalecerá, porque a tecnologia não consegue por si só alcançar inovações e muito menos resolver problemas complexos de forma tão eficaz. Não esquecendo que só com contacto personalizado é possível manter e construir relações de confiança.

Neste congresso vamos falar sobre estas questões para, em conjunto, podermos encontrar soluções para, mais uma vez, liderarmos a resposta positiva aos problemas que se colocam.

A APAT tem o objetivo de possibilitar que todas as empresas associadas estejam informadas e atualizadas , providenciando conhecimento e saber. Queremos que os gestores dos Transitários possam tomar decisões ou terem um tempo de reação rápido devidamente suportado, para minimizar impactos nas suas próprias empresas, mas também que o possam partilhar com os seus parceiros e clientes. Só assim teremos um ecossistema logístico mais forte, ativo e com capacidade de influenciar positivamente a economia do país. O nosso congresso é o evento onde todos devem e querem estar”.
Paulo Paiva, Presidente