Mito. Dizem os melhores dicionários que se trata de uma narrativa fabulosa, geralmente assustadora, transmitida oralmente, e que é percecionada como se de um fenómeno verdadeiro se tratasse. Não sendo real, simboliza uma generalidade que é transmitida como tal e, como sabemos, tem uma grande tração junto do público ao qual se destina, por mais letrado e esclarecido que seja, admitamo-lo. Na dúvida, e como muita gente fala dele, aceita-se, ‘não vá o diabo tecê-las’.

E mitos, como os chapéus de Vasco Santana no ‘A Canção de Lisboa’, há muitos. Os melhores, são sempre aqueles que têm uma pequena percentagem de verdade e quando ditos por sumidades. Há-os para todos os gostos, em todas as áreas da nossa vida e, como não poderia deixar de ser, também os há no procurement.

Venho assim falar-vos, e com grande experiência de causa, perdoem-me a imodéstia, dos dez mitos mais comuns do procurement, com os quais me cruzo quotidianamente no trabalho de redução de custos em organizações de grande dimensão nos mais diversos setores de atividade.

Ora, o difícil, no caso, será decidir qual o primeiro. Contudo, os números não mentem quanto a qual o mais proeminente.

1. Os fornecedores dão preços similares a clientes similares.
Fornecedores dão preços tão competitivos, quanto cada cliente pode ou não incrementar valor na sua cadeia. Se um cliente acrescenta valor (leia-se euros) com menor custo, pode oferecer preços mais competitivos. Por outro lado, se um cliente incrementa custos dentro da sua operação, o fornecedor apresentará cotações mais elevadas. Ao contrário do que se possa pensar, nada tem a ver com negócios similares que os clientes possam ter.

2. A experiência de compra de uma categoria de custo irá produzir resultados similares noutra categoria.
A compra, por si só, não traz conhecimento em todas as categorias. Quando compramos material de embalagem, gestão de frota ou energia, dada a complexidade e diferenciação de cada, a experiência de uma não nos traz mais-valias para a compra de outra. O conhecimento técnico e profundo de cada categoria é que nos possibilita negociar com ganho de eficiências e redução de custos.

3. Acordos de compras globais são melhores que locais.
A experiência diz-nos que os acordos locais trazem mais poupança e melhores níveis de serviços do que qualquer acordo global. Acordos globais são uma ilusão e uma ideia ultrapassada que, na maioria dos casos, em nada beneficia a empresa e níveis de serviço. Cada vez mais, as empresas querem “fatos à medida” com custos ajustados.

4. Lealdade ao fornecedor traduz-se nos melhores preços e serviços.
Quando há um fornecedor de longa data, tendencialmente, cria-se uma relação de empatia e amizade que, por simpatia, faz as operações tornarem-se rotineiras e sem margem para melhoria, otimização e revisão. Naturalmente, traduz-se em menos oportunidades de rever processos para otimizar custos.

5. Volume dá melhores condições.
Nem sempre. Muitas vezes, repartir uma operação global centrada num único fornecedor e a dividi-la por vários, pode ser a melhor solução. Entregar pequenas parcelas a fornecedores especializados, normalmente, traz reduções de custos significativas.

6. Obter três cotações resulta no melhor preço.
As institucionalizadas três cotações servem apenas para tranquilização da consciência e resulta habitualmente na escolha da opção de custo intermédia. Consoante a categoria e o nível de satisfação que se deseja alcançar, podemos limitar a consulta a um ou dois fornecedores. Ou, noutros casos, quando queremos ouvir o mercado, e se uma categoria for demasiado competitiva, deveremos abrir a consulta a cinco ou dez fornecedores.

7. Estamos a consultar o mercado da melhor forma.
Qual é a melhor forma? Depende da categoria. Não há uma fórmula. Há categorias e categorias, que devem ser abordadas no mercado de formas distintas.

8. Compras agrupadas baixam os custos.
Sempre que entramos em categorias mais técnicas, sabemos que esta premissa não é verdadeira. Quanto mais especifica, detalhada e minuciosa for uma categoria, mais desagrupada deve estar das restantes.

9. Preço mais alto significa melhor qualidade e serviço.
Pagar mais nem sempre significa ter melhor serviço. Saber-se qual o fornecedor que está mais vocacionado para determinado segmento de mercado é o que nos vai possibilitar melhorar os níveis de serviço ou a qualidade intrínseca do bem adquirido.

10. A preço mais baixo corresponde um custo mais baixo.
Se pagar um preço unitário mais baixo, mas com a aquisição desse produto ou serviço incrementar custos em horas ou tornar uma operação mais complexa, estes custos invisíveis serão mais penosos no dia-a-dia da empresa. No final de contas, o custo será, com toda a certeza, maior.

Sendo as compras estratégicas para a saúde financeira de uma organização, indo muito além da mera compra de matéria-prima, produtos e serviços, engloba elementos da cadeia de abastecimento, eficiência de gestão e financeira, assim como deve pugnar pela melhoria da relação entre a empresa e fornecedores.

Mitos e chapéus, sabemo-lo já, há muitos. A quem está em funções de procurement exige-se que os deixe passar e, de forma desempoeirada, siga as melhores práticas da área. Os resultados, a todos os níveis, falarão por si.

Sara Monte e Freitas, Partner | Expense Reduction Analysts