A perda de rendimentos e o desemprego poderão gerar um novo cenário de crise que obrigará os supermercados a abrir uma nova “guerra de preços” e, por isso, avizinham-se tempos incertos para os fornecedores, explica Nuno Fernandes Thomaz, presidente da Centromarca numa entrevista ao Jornal de Negócios. “As margens vão ficar mais estreitas. Isto num momento em que os fornecedores já estão a sofrer um fortíssimo inflacionamento das matérias-primas, bem como uma subida no preço das embalagens e nos custos de transporte. Vão levar pancada por todos os lados”, afirma.

De acordo com o líder da associação, Portugal é um país “promodependente” dado que 100 euros de compras, 50 são em promoções, mas os consumidores estão a ficar saturados de promoções. “Há outras formas de comprar barato. Há um operador que, em vez de promoções, aposta numa estratégia de preço baixo todos os dias. Baixaram os preços no geral. Depois há os ‘hard discounters’ que vendem 70% ou 80% de marcas próprias. Isso não são promoções, mas são outras formas de comprar barato” refere.

O “sortido linear dos retalhistas” é outro problema apontado por Nuno Fernandes Thomaz, que será “muito mais restrito”. Os operadores terão à venda a sua marca e mais uma ou duas. “Neste sector o que acontece é que os distribuidores são árbitros e jogadores ao mesmo tempo. São eles que definem o que vai estar nas prateleiras”, explica.

Por sua vez, há outros sectores a sentir a pressão dos custos das matérias-primas.

De acordo com o Jornal Expresso, a Silampos impôs uma subida generalizada de 5% nos preços da loiça metálica de cozinha e admite novas subidas até ao final do ano. “É a inflação. Até o fornecedor que faz as juntas de vedação das panelas de pressão, em silicone, já avisou que vai subir os preços”, conta o empresário Aníbal Campos acrescentando que “está tudo a disparar e a faltar, como numa economia de guerra. É cada vez mais difícil planear a produção, apesar de ter stocks, o que até dá alguma folga”, admitindo atrasos só compensados com ajustes de encomendas. “Se não temos panelas (tamanho) 22 para entregar, enviamos as 20”.

As encomendas não têm faltado, apesar de atrasos de dois meses e saltos acima dos 30% nos preços dos metais. “Na Argélia até já dizem que pagam adiantado, para serem os primeiros a ser abastecidos”, refere o gestor, que também preside à AIMMAP, a associação da fileira metalúrgica, e que tem “colegas desesperados, a perderem milhares de euros por dia por não terem material para trabalhar”.

Este cenário é comum a muitas empresas em Portugal e no estrangeiro com a subida dos preços das matérias-primas e da energia, estrangulamentos nas cadeias de valor globais e disrupção na logística a fim de recuperar da crise pandémica.

A subida dos preços já chegou aos consumidores com a aceleração da inflação, sobretudo nos Estados Unidos onde atingiu 4,2% em Abril em termos homólogos. Excluindo energia e bens alimentares, a inflação subjacente chegou aos 3%. Na zona euro a evolução é mais moderada, com a inflação de Abril nos 1,6% puxada pela energia e a inflação subjacente a abrandar pelo terceiro mês consecutivo para o 0.8%.

No terreno, confrontados com o cobre a atingir recordes históricos e a subir 97% num ano no mercado de futuros, enquanto a madeira salta 283%, o milho 105% e o crude 104%, só para dar alguns exemplos, as empresas vivem o drama das margens de rentabilidade, “incapazes de reflectir tudo isto no consumidor nesta fase, a par da falta de componentes”, como destaca Adão Ferreira, da AFIA, alertando que o quadro vivido no sector automóvel “está a agudizar-se e tende a piorar, com muitos clientes a encerrarem fábricas ou linhas por períodos variáveis e os produtores de componentes a terem de parar também algumas linhas”.

No caso concreto da Continental Mabor, o presidente, Pedro Carreira, admite a dependência do andamento da indústria automóvel, compensada, em parte, pela exportação para a América e a Ásia e pelo ajuste da oferta, “mas ainda longe dos níveis de 2017-2019”. Para já, as dificuldades no abastecimento estão a ser ultrapassadas com recurso a stocks de outras fábricas do grupo e “no imediato não está previsto recurso ao lay-off”, diz, sem arriscar previsões para o ano, devido “à incerteza actual”, nem estimativas sobre o efeito das subidas dos preços, uma vez que “os acontecimentos são ainda muito recentes para termos uma percepção concreta do seu impacto”.