Ao contrário do que “Contentores” nos diz, não Mudaram todas as cores com a pandemia: a cor do dinheiro permanece a mais relevante no momento de fazer rugir os motores da economia.

De cada vez que ouvimos a música dos Xutos & Pontapés dificilmente nos lembramos de tudo o que este verso implica e das dificuldades adicionais que a pandemia colocou às operações logísticas à escala global. No meio da crise nem sempre houve carga, nem quem a manuseasse, nem contentores. Os cargueiros espaciais ainda tardam e o pouco de fé que Tim e o resto do grupo nos recomendavam mostrou ser insuficiente para colmatar as falhas que o mercado revelou. No que toca aos contentores que dão o título à canção, a crise mantém-se e ainda sem fim à vista.

Os Xutos sublinham a escolha que se faz e lembram que o passado foi lá atrás. No plano logístico, não decidir e não planear (ou decidir e planear com base em cenários passados) pode mesmo acarretar que tenhamos que voltar a zero ainda que não num planeta distante. O planeta é só um e a interdependência das suas partes ficou patente à medida que a crise viral foi galgando fronteiras.

Sendo ainda cedo para compreender o que efectivamente aprenderemos com o que estamos a viver, vale a pena sugerir Memória de elefante talvez para que se não caia nos erros potenciados pela imprevidência assente na crença optimista de que a lei de Murphy só se aplica aos outros. A União Europeia ensaia uma quadratura do círculo com a proclamação da autonomia estratégica (aberta): veremos se a prática trará mais autonomia ou mais abertura aos 27 que ainda não se refizeram do susto de verem os equipamentos de protecção individual e as vacinas lá longe, no espaço fundo, e puderam comprovar as vulnerabilidades das cadeias longas.

Ao contrário do que “Contentores” nos diz, não Mudaram todas as cores com a pandemia: a cor do dinheiro permanece a mais relevante no momento de fazer rugir os motores da economia. Na resposta que diz querer dar à crise, Portugal ronrona baixinho ao dedicar pouca ou nenhuma atenção à logística no momento de traçar o Plano que pretende infundir-nos resiliência e potenciar a nossa recuperação. A palavra surge uma única vez nas 147 páginas da última versão conhecida, e a respeito dos Açores; ao contrário das seis vezes que, por exemplo, o “Korean New Deal” lhe dedica, em 71 páginas, para advogar, entre outras coisas, a smart logistics e a investigação e investimento em alta tecnologia para a logística. É um bocado de treva onde deveria haver mais luz.

Se não desejamos De novo Adão e Eva a renascer no tocante às cadeias de abastecimento, seria desejável, pelo menos, o nascer de novo o dia que tenha presente a exposição e dependência externas da economia portuguesa, promova a escala das empresas nacionais, alerte para a necessidade imperiosa de uma visão estratégica que tenha na logística um dos seus principais eixos e seja capaz de infundir confiança nos agentes económicos e facilitar a sua actividade.

A força invencível que um Estado europeu da dimensão do português pode ter no contexto global depende disso. Ansiamos pelo dia em que possamos dizer não voa nada mal isto onde vou. Até lá, resta-nos mesmo só um pouco de fé

João Vacas,  Consultor | Abreu Advogados