No ano de 546, uma névoa misteriosa cobriu a Europa, o Médio Oriente e parte da Ásia. O sol perdeu o brilho e as temperaturas decresceram 2,5 a 1,5 graus. Nevou na China, na Irlanda não havia pão e a fome alastrou-se por uma boa parte do Globo. O nevoeiro demorou dois anos a desaparecer, mas a crise económica durou mais de um século, com as populações a lutarem para sobreviver. Historiadores apontam essa “época obscura” como uma das piores para se ter vivido neste mundo.

Até há muito pouco tempo, este período da história permanecia envolto em mistério, pois desconheciam-se as suas causas. Uma equipa de historiadores e geólogos chegaram então à conclusão que as nuvens negras que cobriram parte do hemisfério norte na primeira metade do século VI eram, na realidade, cinzas originadas por uma enorme erupção vulcânica ocorrida na Islândia. Depois de 536, registaram-se outras erupções gigantes em 540 e 547, que, com a chegada da peste bubónica às costas da Europa, em 541, provocaram uma paralisia económica no continente até 640.

Em 2010, tivemos um vislumbre deste cenário, quando o vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia, gerou cinzas que cobriram vários quilómetros da atmosfera e levaram ao encerramento do espaço aéreo em várias partes da Europa.

A Grande Fome de 1315-1317 na Europa foi a primeira de uma série de crises sociais em larga escala que atingiram o continente no início do século XIV, causando milhões de mortes durante um período longo de anos. Este período teve início na primavera de 1315, altura em que se registam alterações climáticas, com longos períodos de chuva e tempo frio, que conduziu a quebras nas colheitas. O pico da fome foi atingido em 1317 quando o tempo húmido terminou, mas os stocks de alimentos eram já inexistentes e as pessoas estavam tão debilitadas por doenças como pneumonia, bronquite e tuberculose que só em 1325 conseguiram restabelecer os níveis de alimentos anteriores à fome. Seguir-se-ia, entre 1338 e 1375 uma nova calamidade: a Peste Negra, que se estima ter matado entre 30% a 60% da população europeia. Só cerca de 200 anos depois a Europa conseguiu recuperar o nível de vida anterior a 1315 e algumas regiões (como Florença) recuperaram apenas no século XIX. A peste regressou várias vezes ao continente, com surtos até ao início do século XX.

Em 1918, após o fim da I Guerra Mundial, a Gripe Espanhola foi mais uma calamidade a custar a vida de milhões de pessoas. A Europa entraria novamente em crise, aprofundada pelo colapso da economia alemã, na sequência da guerra e, depois, veio a Grande Depressão. Esta teve início em 1929 e persistiu durante os primeiros anos da década de 1930. E quando o continente entrava num período de franca recuperação económica, eis que deflagra a II Guerra Mundial e, consequentemente, uma nova crise.

As gerações que nasceram no pós-guerra tiveram a sorte de residir o globo num período de 75 anos sem grandes catástrofes. Sim, houve alguns conflitos e calamidades locais e crises financeiras geradas ou não pelas oscilações do preço do petróleo. No entanto, nenhum destes acontecimentos interrompeu, pelo menos por um período duradouro, o crescimento económico no sistema capitalista, que continua a pecar, porém, pela desigual distribuição de riqueza e pela avidez de algumas nações.

A covid-19, responsável pela grande pandemia da nossa era, tem testado a capacidade de políticos e cientistas numa busca incessante de soluções para a controlar, sendo as realidades dos continentes muito díspares. Na China, mais especificamente em Wuhan, onde o vírus surgiu, as autoridades decretaram um confinamento imediato, o qual só foi levantado quando já não havia infetados na população e nos hospitais. Rapidamente, a estratégia foi replicada em toda a China, o que explica que a economia do país tenha crescido 2% no ano passado, sendo um dos casos raros de expansão económica no mundo em 2020.

Políticas semelhantes foram adotadas em vários países do Extremo Oriente, bem como na Austrália, com confinamentos sucessivos sempre que há um ligeiro agravamento. Ainda há dias, um estado do Oeste da Austrália decretou um confinamento de cinco dias depois de o porteiro de um hotel testar positivo à variante britânica. O objetivo foi conter e rastrear a origem. Por sua vez, a Nova Zelândia não tem casos atualmente, após políticas restritivas, e regista já um ligeiro crescimento económico.

Na Europa, a estratégia foi diferente. Parece-me que atuámos de forma eficiente no início da pandemia, mas que desconfinámos demasiado cedo. O verão foi falacioso e, no arranque do outono, voltámos ao crescimento dos números de casos, internamentos e mortes. Seguiram-se medidas reativas, com o objetivo de não perturbar a economia, que, não só agravou a situação pandémica, como não conduziu a um crescimento económico.

Em Portugal, além de não termos claramente um plano para conter o vírus na segunda vaga, a abertura dada aos portugueses no período de Natal produziu resultados desastrosos, como os que vemos atualmente.

Toda esta conjuntura tem consequências na economia, com empresas de alguns setores a aproveitarem algumas oportunidades de crescimento que estão a surgir e outras a serem gravemente prejudicadas. É disso exemplo o que se está a passar no transporte marítimo de mercadorias, com os grandes grupos de armadores a aproveitarem a escassez de contentores em alguns pontos do mundo para reduzir a suas frotas em circulação, aumentar estrondosamente o preço dos fretes e, assim, a criar lucros recordes.

Para mim, esta situação não é moralmente aceitável. Os prejudicados são as indústrias e os consumidores, para não mencionar as transitárias que já não sabem onde encontrar mais um contentor disponível e que, mesmo quando conseguem reservar um para daí a meses, defrontam-se com novo aumento de preços quando chega o dia do embarque. Resta às empresas transitárias comunicarem aos seus clientes, já em grandes dificuldades financeiras, que é assim ou não há transporte.

Acredito que esta situação carece de intervenção e controlo, mas parece que as autoridades que regulamentam os preços e a concorrência só atuam onde lhes apetece e é fácil, mas não onde é mais necessário. No entanto, tenho poucas expectativas de que isso venha acontecer, já que, nas economias ocidentais, o dinheiro sempre prevalece sobre as pessoas e, quem mais o tem, vence sempre.

Bruce Dawson, Chairman | Grupo Garland