Tal como aconteceu o ano passado com as máscaras cirúrgicas e o álcool-gel, quando falamos de uma necessidade global há sempre uma procura avassaladora aos stocks de todos os fabricantes, que não estão preparados para responder às necessidades simultâneas de todos os países. Desta vez, Portugal antecipou a compra das doses da vacina contra a COVID-19, com a ajuda da UE, no entanto não antecipou a forma de as administrar, e a procura de seringas pequenas para as vacinas supera a oferta dos fabricantes, e já existem alguns sem stock.

Há queixas por parte dos profissionais de saúde, relativamente à escassez de seringas adequadas para conseguirem administrar a sexta dose dos frascos da vacina da Pfizer. Em declaração ao Observador, Diogo Urjais, presidente da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar e médico de Medicina Geral e Familiar, conta que apesar de não conseguir explicar o porquê de isso ter acontecido, “há uma falha de stock no fornecimento destas seringas (de insulina)”, no caso as mais pequenas e que “mais facilmente permitem tirar a sexta dose”, acrescenta.

A mesma fonte contactou o Ministério da Saúde, que comentou que “nas aquisições realizadas e em curso, estão a ser tidos em conta os requisitos e especificações das agulhas e seringas mais recentemente indicados no RCM [Resumo das Características do Medicamento] desta vacina”, no entanto não revelou se seria possível garantir que todos os centros de vacinação terão acesso a essas agulhas e seringas a tempo.

No Resumo das Características do Medicamento referido pelo Ministério da Saúde, e disponibilizado pela Agência Europeia do Medicamento, pode-se ler que “para extrair seis doses de um único frasco para injectáveis, devem ser utilizadas seringas e/ou agulhas de baixo volume morto. A combinação de seringa e agulha deve ter um volume morto não superior a 35 microlitros”.

Por parte de uma das fornecedoras destes materiais, a Normax, Silvino Sousa, sócio-gerente da empresa, confirma que tem recebido muitos pedidos de seringas de um mililitro, mas que já não tem mais stock. Explica que isso se deve ao facto de os seus fornecedores de tier anterior não estarem a conseguir cumprir com as encomendas, datas ou quantidades.

Inicialmente, as farmacêuticas Pfizer e BioNTech previam que de cada frasco da Comirnaty (a vacina contra a COVID-19) fosse possível extrair cinco doses. No entanto, em alguns casos, os profissionais de saúde aperceberam-se que era possível retirar seis doses, mas que para tal precisariam de uma seringa mais pequena. Pediram permissão para administrar mais uma dose por frasco – quando possível – e deste modo vacinar mais uma pessoa, tendo obtido um parecer positivo por parte da Agência Europeia do Medicamento e a Pfizer modificado a descrição do produto.

A situação que agora se verifica é que por falta deste utensílio por vezes está a ser desperdiçada essa dose paga, pois não está a ser garantida a sua utilização. Como agora cada frasco passa a ter seis doses em vez de cinco, e os acordos com as farmacêuticas foram estipulados tendo em conta as doses, a Pfizer entrega assim menos frascos para fornecer o mesmo número de doses, estando uma dessas dependente do fornecimento das seringas.

De acordo com Diogo Urjais, os médicos têm conseguido retirar de forma a que sobre o suficiente para uma sexta dose (que não pode ser inferior a 0,3 mililitros), e que sem um equipamento volumétrico de maior precisão, mais adequado à necessidade, é mais difícil de retirar. “Com a seringa de insulina faz-se bem – e ainda sobra -, mas com as outras tem de ser tudo ao pormenor. Não pode haver falhas”, comenta ao Observador.

Silvino Sousa também explica que a escassez fica a dever-se à baixa procura de seringas de um mililitro anteriormente verificada, pelo que a sua produção também não era suficiente para responder às necessidades actuais. Foram ainda utilizadas seringas de tuberculina, com uma escala mais adequada para medir estas doses, mas foram as primeiras a desaparecer. Depois, como alternativa, os profissionais procuraram as de insulina, mas também estas desapareceram. O mesmo responsável conta que as de dois mililitros, as mais comuns até agora, já começam a escassear, e que estas nem sequer são as mais adequadas, devido aos problemas de precisão verificados (note-se que se trata de doses de praticamente 1/7 da capacidade máxima da seringa, o que é bastante difícil de medir). Relativamente às agulhas, o fornecedor apresenta um cenário não muito mais favorável, pois das 30 mil agulhas encomendadas recebeu apenas metade, e não sabe quando irá receber as restantes, devido ao aumento da procura.

Diogo Urjais considera que houve falta de planeamento, no sentido de garantir stocks de agulhas e seringas adequados à administração dos mais de 22 milhões de doses das vacinas contra a Covid-19. “Era uma programação que devia ter acontecido”, conclui o responsável.