Os democratas norte-americanos têm todos os motivos para ficarem satisfeitos com a vitória de Joe Biden, que toma possa a 20 de janeiro do próximo ano, depois de ver a sua vitória definitivamente confirmada no passado dia 2 de dezembro. Mais satisfeitos estarão quando se percebe que as escolhas do futuro presidente dos Estados Unidos para formar a sua equipa de governo vêm da ala moderada do partido, depois de quatro anos de Donald Trump e de um certo extremismo conservador. Resta-nos perceber como reagirão os norte-americanos na rua, onde não tem sido fácil manter a ordem, sobretudo depois de quatro anos de posições extremadas que fizeram vir ao de cima nacionalismos exacerbados e algum fanatismo. Falta ainda perceber também qual a influência que Donald Trump terá sobre o seu partido, que mantém a maioria no Senado dos EUA, e o papel que desempenhará numa altura em que já afirmou publicamente a sua intenção de voltar a concorrer à Presidência em 2024.

Já muito se tem dito sobre a difícil missão que espera Joe Biden nos próximos quatro anos. E se aos americanos interessam todas as medidas que a equipa Biden-Harris tomará para unificar os americanos, fazer crescer a economia e melhorar a qualidade de vida dos seus concidadãos, nomeadamente no acesso à saúde, aos europeus interessa sobretudo uma alteração profunda na estratégia de política externa do próximo governo norte-americano, depois de quatro anos de isolacionismo promovido por Donald Trump.

Para já, os sinais são positivos. A decisão de nomear John Kerry para liderar a política climática norte-americana parece-me, desde já, uma escolha muito acertada. Embora o antigo secretário de Estado de Barack Obama, que assinou em 2016 o Acordo Climático de Paris, não tenha a reputação de uma personalidade concretizadora, não deixa de ser com um profundo alívio que vemos o próximo presidente dos EUA eleger o combate às alterações climáticas com uma das suas prioridades, num momento tão crítico para o planeta. Será extremamente positivo ver os Estados Unidos regressarem à mesa do Acordo de Paris, de onde se tinham retirado. Também o recuo da decisão de abandonar a Organização Mundial de Saúde, que parece ser já uma certeza, traz-me algum otimismo, até porque acredito que, na continuidade destas decisões, vamos voltar a ter uns Estados Unidos empenhados na estratégia da NATO. 

Ficamos na expectativa para perceber qual a política que será seguida nas relações com a Rússia, a China ou o Médio Oriente e, muito importante para os Europeus, como serão as relações comerciais externas, sobretudo com o Velho Continente.

Joe Biden deverá privilegiar as alianças antigas, algo que o seu antecessor hostilizou recorrendo a uma política protecionista, e que causou tensão entre os EUA e a Europa. Mas há ainda outra questão que promete dar que falar. Donald Trump pretendia estabelecer um acordo bilateral com a Grã-Bretanha, que permitiria, entre outros aspetos, contornar os eventuais efeitos económicos nefastos do Brexit. Boris Johnson efetivamente partilhava a veia ideológica de Trump, ao contrário de Angela Merkel ou Emmanuel Macron. Não acredito que Biden dê continuidade à mesma estratégia, inclusive já demonstrou uma profunda preocupação sobre o futuro da Irlanda na sequência do Brexit.

Com a aproximação da saída do Reino Unido da União Europeia, ainda sem acordo comercial, começa a notar-se um certo nervosismo no território. Num cenário de hard Brexit, parece cada vez mais ilusório que os britânicos estejam preparados para o futuro e, só prolongando as condições comerciais atuais, se pode evitar um caos. Há cerca de duas semanas, as autoridades francesas ensaiaram em Calais, durante algumas horas, um cenário de pós-Brexit. O resultado foram quilómetros e quilómetros de camiões parados do lado britânico da fronteira. Ora, as negociações não parecem bem encaminhadas para uma saída suave e, com ou sem acordo, o Reino Unido terá de se preparar para um aumento do trabalho alfandegário.

Tendo em conta a crise económica, é estranha a manutenção desta posição de força por parte do governo britânico. Seja como for, o transporte de mercadorias de e para o Reino Unido será sempre difícil nos primeiros meses de 2021.

Entretanto, por cá, o governo português conseguiu ver aprovado o Orçamento de Estado para o próximo ano, mas com muitas alterações face à versão inicial. Para mim, foi inesperado e estranho assistir à união da Esquerda e da Direita para derrubar medidas que me parecem moderadas. Esperemos, no entanto, que seja desta que se concretizarão os investimentos necessários para a construção de vias de comunicação ferroviárias de ligação aos portos e outros na área dos transportes, assim como na evolução para o 5G, tão importantes para a evolução e crescimento da nossa economia.

Na última crise financeira, em que o défice público ultrapassou os 7% do PIB, tivemos de recorrer a políticas de austeridade para recuperar a credibilidade nos mercados e alcançarmos um défice de 2%. Naquela que estamos a atravessar não há regras, não há receitas predefinidas. Apesar de em 2020 devermos ultrapassar o défice de 7%, será mais fácil obter financiamento e, desta vez, com o apoio da Comunidade Europeia. Resta saber se, com isso, não estaremos a hipotecar o futuro das próximas gerações, muito endividadas.

E é com o futuro no horizonte que termino. A política seguida nos últimos quatro anos nos Estados Unidos fez florescer o extremismo e uma franja da sociedade fanática tudo continuará a fazer para trazer Donald Trump de novo ao poder. Vamos também perceber como reage a ala mais extremada do partido democrático norte-americano à tendência moderada de Joe Biden. 

Os extremos são também cada vez mais visíveis na Europa. Mesmo na Grã-Bretanha. Embora o Brexit tenha resultado de um processo democrático, foi originado pelo descontentamento de algumas franjas da população às políticas centristas. E veja-se como países nacionalistas como a Hungria e a Polónia, estão a conseguir bloquear políticas de economia financeira da Europa, com o objetivo de defender os seus interesses acima dos da União. Também em Portugal, tradicionalmente moderado, a extrema esquerda tem vindo a desempenhar um papel preponderante, tendo inclusive constituído a geringonça, e a extrema-direita sobe cada vez mais nas várias sondagens, ao passo que os dois partidos do centro têm vindo a perder eleitores.

Mas o futuro promete esperança e a eleição de Joe Biden pode ser o catalisador de uma mudança positiva.

Bruce Dawson, Chairman | Grupo Garland