Em 1916 o Piggy-Wiggly, o primeiro supermercado em livre-serviço, veio permitir uma redução de custos, investimento em preço e o aumento da compra por impulso. Pouco mais de 60 anos depois em Inglaterra, o sistema Videotex possibilitou a realização da primeira encomenda online a um supermercado da Tesco e entrega ao domicílio. São porventura 2 marcos históricos da grande distribuição, que de certa forma hoje se encontram.

Em 1916, Clarence Saunders (1881-1953) um merceeiro americano do estado do Tennessee, abriu em Memphis a loja a que chamou de Piggy-Wiggly, o primeiro supermercado com a ideia do livre-serviço. Esta inovação veio permitir que os clientes circulassem dentro da loja, recolhessem os produtos das prateleiras e depois seguissem em direção a uma caixa para o ato de pagamento. A cadeia de Saunders, que em 1932 atingia um número de várias centenas de lojas, introduziu na época o linear de loja, as gôndolas, a circulação na placa de vendas, a marcação de preços e outros conceitos. Saunders percebeu que o livre-serviço lhe permitia uma redução importante de custos, que investiu na diminuição de preço e ao mesmo tempo percecionou o aumento dos lucros com o que hoje chamamos a compra por impulso.

Michael Aldrich (1941-2014) um empresário britânico das TI, apresentou em 1979 um aparelho de televisão que modificou para a ligação a um computador especialmente dedicado a transações online, através de uma linha telefónica. O sistema a que chamou de Videotex foi a primeira plataforma de comércio eletrónico. Embora tenha sido mais usado em transações B2B no setor do turismo, a Tesco cedo aderiu ao projeto e criou na altura um verdadeiro sistema de compras eletrónico com cerca de 1000 referências. Em Gateshead no norte de Inglaterra, a senhora James Snowball fez a primeira encomenda online a uma loja da Tesco da cidade, recebendo-a depois em casa.

Hoje, os consumidores estão familiarizados com a facilidade de compra online, seja por desktop ou por smartphone (o m-commerce), mas ao mesmo tempo exigem elevados padrões de nível de serviço e de qualidade dos produtos em todo o processo de compra, que culmina com a comodidade de receberem a encomenda em casa.

No momento que atravessamos com a crise pandémica e consequente crise económica, no canal tradicional são já claras importantes mudanças de hábitos de compra dos consumidores e do seu comportamento na visita à loja. Os mais recentes relatórios do setor indicam que o consumidor está menos tempo dentro da loja e reduziu a frequência de compra, o que compensa com um aumento da cesta média em cada ato de compra. Verificam-se também alterações no cabaz de compras, pois hoje o cliente dá preferência a secções / famílias próprias de novas formas de consumo dentro de casa, tais como farinhas, açucares, doces, sobremesas, aperitivos, conservas e outros (fonte: Relatório Nielsen-FMCG). Estas alterações, em conjunto com a diminuição da compra por impulso resultado de menor tempo de circulação na placa de vendas, têm substanciais efeitos no desempenho do mix de margem e em consequência nos níveis de rendibilidade.

O online é hoje um canal de distribuição com elevados níveis de crescimento e potencialidades para o cliente e o distribuidor multicanal irá desenvolver as mais variadas formas de integrar a rede de distribuição física com a operação do e-commerce dando a possibilidade ao cliente de escolha entre diferentes canais.

O ambiente do e-logistics será determinado por vários fatores:

  • Pequenas quantidades por encomenda: se a entrega tradicional nas lojas físicas é feita em formatos volumosos e homogéneos e elevadas quantidades, a venda online é suportada por um grande número de entregas de muito menor volume e sua preparação em unidades de venda.
  • Entregas de 24h ou menos: significa que o stock deverá estar o mais perto possível da procura.
  • Tamanho e tipo do sortido: o canal online possibilita um sortido mais alargado que o tradicional, mas deverá estar presente um trade-off entre a diluição dos custos de entregas por via de maior oferta versus os custos de armazenamento e de gestão de inventário.

Desta forma, a consolidação do e-grocery (o e-commerce no retalho alimentar), está claramente muito dependente do modo como serão ultrapassados os desafios logísticos da entrega ao domicílio (home-delivery), a gestão dos custos de distribuição – atendimento (fulfillment costs) assim como a qualidade dos perecíveis em todo o ciclo de abastecimento até à chegada ao cliente.

Como tal, o desenho e projeto da rede logística para o e-grocery deverá contemplar uma entrega ao domicílio eficiente e ao menor custo possível, mas ao mesmo tempo potenciar a função do chamado ponto de recolha (pickup point) de preferência na loja física, dando assim a possibilidade ao cliente de ter a comodidade de encomenda online mas também de poder optar entre a receção das compras em casa ou de uma visita à loja e sua fidelização à cadeia.

Vários outros projetos com maior ou menor nível de inovação, serão necessários para a melhoria dos níveis de desempenho de margem, de rendibilidade, do aumento da frequência de compra e de maior perceção de segurança do cliente dentro da loja. Por exemplo, projetos de crescimento do volume de vendas por via de diferentes configurações de massa de margem, fora do atual paradigma de promoções, o desenvolvimento de planos e ações de Colaboração entre Fornecedor e Distribuidor na cadeia logística, terão certamente impacto para a performance operacional e financeira do negócio.

Todos estes projetos, em conjunto com novos meios de coexistência entre o retalho tradicional e o mundo online para melhorar a experiência de compra na loja física, farão parte de novos posicionamentos estratégicos face a estes novos desafios do Retalho Alimentar.

Manuel José Gomes | Consultoria Logística e distribuição