A história das pandemias diz-nos que as segundas vagas podem ser mais violentas e duradouras do que o primeiro impacto do vírus.

Com muita probabilidade, teremos uma segunda vaga de covid-19 no nosso país e na Europa lá para o outono. Até lá, não sabemos que mutações sofrerá o vírus. Não sabemos como vai ser a curva epidemiológica. Mas sabemos que temos dois a três meses para nos prepararmos. É tempo precioso que não podemos desperdiçar. (…)

Há várias áreas onde os poderes públicos não estão a fazer o melhor que podem para proteger os portugueses. Que áreas são essas?

Serviço Nacional de Saúde. Numa crise de saúde pública, é aqui que tudo começa. E o nosso SNS é uma catástrofe à espera de acontecer – e não é por falta de aviso. Os nossos médicos, enfermeiros e auxiliares estão esgotados. Deram o melhor que tinham pelo país e evitaram o pior. Mas a escala dos problemas que enfrentamos é tão massiva que esse seu esforço heroico está longe sequer de ser suficiente para podermos vencer a batalha pandémica. Em apenas 3 meses – março, abril e maio –, o SNS colecionou cancelamentos de 3,9 milhões de consultas e 93 mil cirurgias. Três meses causaram uma disrupção desta magnitude, o que nos coloca, ao dia de hoje, a correr atrás de um enorme prejuízo do qual não se recupera com facilidade. Milhares de portugueses estão a necessitar desesperadamente de cuidados de saúde.

Perante a hipótese real de uma segunda vaga, esperada para novembro e, possivelmente, a alongar-se por todos os meses de inverno até à primavera, adicionamos mais seis meses de covid-19, aos quais se juntam a gripe sazonal e as doenças respiratórias da época – uma conjugação de circunstâncias capaz de deixar o SNS de joelhos.

O Governo tem de assumir que o SNS é uma prioridade nacional e patriótica. Como país, como coletivo, temos de dar ao SNS tudo o que for preciso, custe o que custar – com a perceção clara, porém, de que já estamos em duas frentes: o combate à covid-19, por um lado, e recuperação de todos os portugueses que ficaram para trás em termos de cuidados de saúde, por outro.

O país será tão mais bem-sucedido nestas duas frentes quanto mais rapidamente o Governo compreender que precisa dos privados e do poder local para cumprir a tarefa.

Com os privados, deve-se contratualizar um ambicioso programa de recuperação de cirurgias e consultas.

Com as autarquias, deve o Governo ter claro que é o poder local a primeira linha de defesa na pandemia. Portanto, transferir problemas e responsabilidades não basta. É preciso que com os problemas e com as responsabilidades venham as competências e os recursos. As autarquias podem ser o pivô de uma rede de cooperação local que junta autoridades de saúde e de segurança social numa resposta holística à crise.

A plataforma SL3S – Serviços Locais de Saúde e Segurança Social –, de que há semanas aqui falei, será a forma avançada de combate às pandemias – social, económica e de saúde pública – que nos assolam. Formar essas equipas e criar essas plataformas implica uma nova visão cooperativa dos poderes públicos, uma nova forma de o Estado operar. E isso, por conseguinte, exige audácia do Governo na arquitetura de um novo pacto com as autarquias. (…)

Volto a sublinhar: não podemos gerir o que não conseguimos medir. Com cinco meses de pandemia, ainda não temos um sistema de recolha e tratamento de dados afinado.

Logística e procurement. É incerto o que nos espera e a economia não aguenta outro fechamento prolongado. Para a atividade económica se manter à tona é imperioso que o país acautele as suas cadeias logísticas e que, com tempo, o Governo faça a escolha dos fornecedores mais ágeis e resilientes, num processo de procurement sólido, que dê garantias de que nada falta ao país a tempo e horas.

Do Governo às empresas, do poder local às estruturas do Estado, não há ninguém que não queira vencer a pandemia. E vencer depressa. Isso implica que sejamos todos capazes de aprender com o passado-presente e, sobretudo, ver que em cada problema há uma oportunidade de fazer melhor na proteção dos nossos concidadãos.

Carlos Carreiras, Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Versão adaptada do artigo originalmente publicado na edição online do Jornal i, de 29/07/2020.
Pode ler o artigo na íntegra AQUI.