As tendências de inovação tecnológica (inteligência artificial, cloud computing, impressão 3D, mobile application, predictive analytics) dinamizam o conceito de transformação digital das empresas alavancando mudanças estruturais em modelos de negócio na totalidade ou em alguns processos críticos como é o caso do Procurement. Estas inovações “invadem” as conversas no dia-a-dia das empresas, são temas de inúmeras conferências e de artigos nacionais e internacionais, com particular ênfase em derivações de inteligência artificial, como é o caso de machine learning, BOTS, canais de relação com parceiros via Mobile e Web, além de RPA (Robot Process Automation).Todas elas permitem “digitalizar” a inteligência das pessoas, isto é, o seu lado racional passível de ser traduzido em programas de computadores, suportado na ideia de que parte do trabalho humano é passível de ser automatizado libertando tempo das pessoas para atividades mais analíticas e que dependam de contacto humano. No entanto, nesta revolução, aplicada ao processo de Procurement, importa também falar de pessoas, das emoções, do lado mais humano dos profissionais de compras e o seu enquadramento neste novo paradigma empresarial!

A grande maioria dos profissionais da área de Procurement “vai parar às compras” não o escolhe de raiz. Por esse motivo a técnica, conhecimento, “capacidades” não se aprende na Universidade. Tem necessariamente que existir uma (re)aprendizagem contínua com base na vivência das situações e no contexto onde ocorrem, pois nem sempre se aplica da mesma forma uma aprendizagem anterior.

Atendendo à transversalidade e diversidade de uma área de Procurement, costumo dizer muitas vezes que não sendo especialistas em nada, temos que saber um pouco de tudo (negócio, processos, orçamento, produtos) para corresponder às exigências do nosso dia a dia e do mercado. E, é sob este princípio, que temos que ir desenvolvendo competências técnicas, mas essencialmente, competências “mais humanas”e que são fundamentais numa função que depende de“relacionamento e negociação”, que se constrói numa relação de, entre e para pessoas para permitir encontrar equilíbrios entre necessidades e possibilidade, sem interferência, nas responsabilidades de cada interlocutor interno e fornecedores.

E porque as máquinas não conseguem demostrar nem substituir a confiança, a estratégia, o olhar nos olhos e a perceção do outro, importa pois salientar e reforçar a importância do lado humano desta função.Um lugar onde a emoção, e a forma inteligente como fazemos uso da mesma, está presente, onde a gestão da relação é diária, onde a empatia, a sensibilidade, a comunicação e a grande capacidade interpessoal nos ajudam a adaptarmo-nos aos outros (à Administração, ao nosso cliente interno, aos parceiros e potenciais parceiros) e aos desafios permanentes de um mercado cada vez mais global.

É verdade…nem sempre há tempo para nos focarmos no lado mais humano da nossa função face à necessidade de elaborar-se diversos relatórios e demonstração de “bons resultados”, atualização permanente das nossas bases de dados e pesquisas de mercado. É neste contexto que a transformação digital pode ajudar a libertar tempo para pensar em melhorar continuamente a nossa forma de comunicar, de colaborar e de nos adaptarmos aos desafios.E eis que este é o desafio crucial: resultados vs. lado humano/pessoas e que deve ser considerado igualmente nesta revolução.

Ser bem sucedido depende muito da nossa capacidade de lidar com as perspetivas, sentimentos, atitudes dos que trabalham connosco (a inteligência emocional como tão bem nos descreve Daniel Goleman).

No Procurement a negociação é diária (e não estou a falar de preço) não só com os potenciais fornecedores/parceiros, mas também com os nossos clientes internos e por esse motivo as nossas capacidades estratégico-táticas (tão necessárias em ambiente de negociações) devem ser complementadas com as soft skills (também designadas como core skills pela sua importância) que são fundamentais na construção de relações e fundamentais para o posicionamento do Procurement no modelo de governação das empresas.

Não há “clientes internos” iguais, vontades iguais, requisitos iguais e por esse motivo há que trabalhar junto dos mesmos, das pessoas, perceber as suas necessidades, prevenir as suas reações, as suas resistências internas e compreendê-las, para melhor responder e ajudar construtivamente na definição do que se quer/precisa.

Com os parceiros ou potenciais parceiros a existência da transparência na comunicação e nos acordos é fundamental. O conjugar de vontades, o aumento da colaboração e parceria com os mesmos vai muito além da necessidade premente de baixar custo. Há uma pressão cada vez maior nos profissionais de compras para promover compras eticamente responsáveis, criar inovação e valor pelo que é fundamental fazer uma boa gestão desta relação através de um feedback contínuo, de pontos de situação e em manter uma postura e abordagem sempre win-win.

E porque a construção da inteligência emocional é um processo contínuo, há duas questões que se impõe: as empresas apostam no desenvolvimento das soft skills dos seus colaboradores (melhorar a sua capacidade de comunicar e a sua inteligência emocional)? Sentem os profissionais das compras, a importância e necessidade em apostar neste “outro lado” da sua formação para melhorar a sua performance?

Pessoas emocionalmente inteligentes, com maior autoconsciência, são tendencialmente excelentes comunicadoras e conseguem adaptar o seu comportamento a uma variedade de situações e pessoas. São mais propensas a ter a vantagem que precisam para liderar, gerir e atuar em ambientes competitivos e tão complexos como os que vivemos atualmente.

E… é por tudo isto, que vale a pena apostar no outro lado do Procurement: o lado (mais) Humano, que antes da transformação digital era crítico, mas passa cada vez mais a ser fundamental pois é algo que as “máquinas” não podem fazer por nós, mas podem libertar-nos tempo para finalmente podermos fazer!

Rita Pereira, Head of Procurement & Facilities Management |  Whitestar Asset Solutions, SA