Os números de junho da IATA não podiam ser mais animadores. Um crescimento agregado de 2.2% (face a período homologo 2023), mesmo tendo em conta toda a instabilidade geopolítica e a incerteza das taxas, o que levou a uma queda de 10.4% no Fluxo Ásia–EUA. Este resultado demonstra, sobretudo, a resiliência do modo aéreo na adaptação continua às cadeias de abastecimento. O crescimento contínuo afasta cenários pessimistas e revela a saúde do setor para gaudio de muitos operadores logísticos por essa Europa fora.
Aqui, no retângulo à beira-mar plantado, a carga aérea bateu records absolutos em 2024 (números INE), registando um crescimento de 14,4% face a 2023 e totalizando cerca de 223 mil toneladas nos aeroportos nacionais. O terminal de carga do aeroporto Humberto Delgado terá registado 198 mil toneladas.
Ora, se a realidade estatística é um sol a brilhar no horizonte, passamos ao Verão de 2025, e o cenário é mais de nuvens escuras.
Acontece que a carga está muda e parada nos terminais. Sim. Faz lembrar o eterno refrão dos Xutos. Infelizmente, na carga aérea é um refrão entoado com muito menos alegria. Aliás, a letargia do nosso mercado em reagir às dificuldades operacionais diárias, chega a ser confrangedora.
Para lá de algumas inquietudes levantadas pela APAT, a respeito de uma taxa praticada pela Menzies, o elefante parece continuar a engordar na sala. Apesar do fluxo crescente de mercadorias a transportar por via aérea, continuamos a ter constrangimentos operacionais severos. Armazéns sobrelotados. Atrasos em várias fases do processo. Para não falar na cereja no topo de bolo que é a ausência prolongada de uma solução que permita o rastreio eficaz de mercadorias manufaturadas em Portugal. O ridículo de terem de ir a Espanha fazer esse rastreio, ou acabarem por ser exportadas através de outros aeroportos europeus, não é aceitável.
Miguel Pinto Luz tem excitações sempre que fala no novo aeroporto de Lisboa, já sabemos. Também lhe é conhecida a mesma reação quando aborda o investimento no atual Humberto Delgado. Pena que não troque o ar condicionado das reuniões com a VINCI por uma hora de visita ao Terminal de Carga do Aeroporto de Lisboa ou do Porto.
Talvez assim percebesse que algo está errado quando o estudo de desenvolvimento do NAL refere apenas 5 vezes a palavra «carga aérea», e que ponderar investimentos nos Terminais de Carga aérea deve ser um imperativo imediato, bem como auscultar verdadeiramente a comunidade de carga aérea sobre o presente e futuro da atividade no NAL.
A comunidade da carga aérea não se pode também isentar de responsabilidades. Como setor de atividade estamos cada vez mais mudos. Ponham os olhos aqui ao lado no MAD CARGO – Fórum Madrid Carga Aérea –, organização independente que representa todos os stakeholders do mercado de carga aérea no Aeroporto de Madrid. Assume-se como um órgão consultivo para todo o projeto de desenvolvimento de Barajas, garantindo que a carga aérea tem sempre representação. Não há projeto de desenvolvimento onde não participem, o que se traduz no dinamismo incomparável que Madrid tem apresentado na carga aérea, com as respetivas taxas anuais de crescimento.
Até na mais longínqua Hungria acaba de ser inaugurado o BUD CARGO CITY, com um investimento de 50 milhões de euros e capacidade para processar, numa primeira fase, 220 mil toneladas de carga aérea.
Se calhar já é altura de fazermos um pouco mais de ruído. Como diria o outro: «Organizem-se!». Na minha opinião, a solução passa por estabelecer uma voz única que represente todos os agentes de logística e cadeias de abastecimento com atividade direta no aeroporto. Ao falarmos sem receios e em uníssono, poderemos abordar os problemas que, de facto, afetam todos os intervenientes nesta área. E, sobretudo, exigir soluções imediatas para problemas que se arrastam há décadas, para lá do céu azul que as estatísticas nos fazem ver.
Filipe Antolin Teixeira | Time Critical & Charter Specialist | Santos e Vale
Nota : Quaisquer crenças, opiniões ou pontos de vista expressos neste artigo são os do autor e não representam necessariamente os da organização.