A logística mudou radicalmente nos últimos anos, mas continuo a ver muitas empresas agarradas a uma lógica quase tribal: cada uma por si, a tentar otimizar o seu quinhão, sem olhar para o que se passa ao lado. A verdade é que este paradigma já não serve. A pressão dos clientes, a instabilidade dos mercados e os custos crescentes obrigam-nos a repensar a forma como trabalhamos. E hoje, mais do que nunca, a eficiência só se atinge quando há colaboração real entre operadores, carregadores, fornecedores e até concorrentes. É uma mudança de fundo que mexe com a cultura de cada empresa – e, para muitos, ainda custa aceitar que a lógica do “sozinho chego mais rápido” morreu.
Formar alianças na logística nunca foi simples, ainda menos num setor em que há muito receio de perder terreno para a concorrência. O desafio cultural é enorme: para partilhar informação, recursos ou até planear rotas em conjunto é preciso confiança, abertura e, acima de tudo, vontade de mudar mentalidades. Quem já tentou juntar operadores diferentes à mesma mesa sabe bem o que isto significa – há sempre desconfianças, medos de perder o controlo e uma espécie de orgulho de quem quer mostrar que sabe fazer tudo sozinho. Mas o futuro não passa por ilhas: só vamos ser competitivos se formos capazes de construir pontes.
Quando se olha de frente para a operação diária, percebemos logo onde estão os problemas: camiões a circular a meio gás, rotas duplicadas, horários desalinhados e recursos humanos a fazer malabarismos para tapar buracos. As PME, sobretudo, sentem isto com especial intensidade – cada quilómetro conta, cada litro de gasóleo pesa e cada falha custa caro. É aqui que a colaboração pode fazer a diferença: partilhar cargas, alinhar horários, combinar fluxos, trocar informação em tempo real. Pequenas melhorias que, no fim do mês, significam ganhos muito concretos e palpáveis.
É inegável que o mundo digital veio simplificar aquilo que antes era impossível. Hoje, as plataformas tecnológicas permitem partilhar rotas, reservar espaço, acompanhar viaturas e negociar condições de transporte com uma facilidade que há cinco anos parecia ficção científica. Para as PME, isto é uma revolução: já não é preciso investir milhares em tecnologia própria, basta aderir a soluções que, finalmente, estão ao alcance de todos. O segredo está em começar, testar, ganhar confiança e perceber que o risco é muito menor do que se pensa.
Os ganhos operacionais são quase imediatos para quem avança sem medos. De um momento para o outro, começa-se a ver menos camiões vazios, maior taxa de ocupação dos veículos, descida dos custos diretos e uma flexibilidade nova para responder a picos ou variações na procura. Tudo isto sem comprometer a qualidade do serviço – aliás, o impacto nota-se precisamente no cumprimento dos horários e na fiabilidade das entregas. No fundo, a colaboração acaba por ser o melhor seguro contra a volatilidade do mercado.
Há, no entanto, valores menos visíveis, mas ainda mais importantes: o acesso ao know-how dos parceiros, a capacidade de trocar experiências, aprender com erros e sucessos dos outros e, acima de tudo, inovar mais depressa. A resiliência nasce destas redes colaborativas. Quando há um imprevisto – seja uma avaria, uma greve ou uma alteração legal de última hora – quem tem parceiros à mão resolve tudo mais rápido e sofre menos impacto. Aprendi isto com exemplos concretos: empresas que antes trabalhavam isoladas e hoje enfrentam as crises com outra calma porque sabem que podem contar uns com os outros.
A confiança é o cimento de tudo isto. Sem ela, a colaboração não passa do papel. Por isso, é fundamental criar mecanismos de transparência, estabelecer regras claras, definir indicadores e, acima de tudo, envolver as pessoas certas no processo. As lideranças têm de dar o exemplo, mas o sucesso só aparece quando toda a equipa percebe que a partilha de informação não é uma ameaça, mas uma oportunidade. Não é fácil, leva tempo, mas vale a pena. E aqui, o papel do consultor ou do facilitador neutro pode ser determinante para quebrar resistências iniciais.
Não escondo que há desafios reais. As diferenças culturais, o medo de perder o controlo, ou simplesmente a inércia dos processos antigos podem travar ou atrasar estas iniciativas. Mas há bons exemplos lá fora e, cada vez mais, também cá dentro. Na Europa, vemos setores como o alimentar, farmacêutico e automóvel a apostar fortemente em colaboração horizontal – e em Portugal, começa a surgir um movimento interessante, sobretudo em rotas regionais e no last mile, onde cada quilómetro extra faz mesmo diferença. A pressão dos clientes e a exigência de cumprir indicadores de sustentabilidade estão a acelerar esta mudança.
A questão da sustentabilidade não pode ser ignorada. Hoje, partilhar recursos e otimizar rotas não é só uma vantagem competitiva – é também uma resposta direta às novas exigências legais e à pressão dos clientes, que olham cada vez mais para a pegada ambiental das operações. A colaboração, aqui, tem um impacto real: menos emissões, menos desperdício, maior eficiência energética e, em muitos casos, acesso a mercados que de outra forma estariam vedados às PME.
A minha recomendação para quem lidera uma PME é clara: não vale a pena esperar pela solução perfeita ou pelo parceiro ideal. O importante é dar o primeiro passo – identificar onde estão as maiores ineficiências, procurar aliados de confiança, apostar na transparência e envolver as equipas desde o início. Escolher plataformas digitais simples, começar com projetos-piloto e aprender com cada experiência. O caminho faz-se caminhando, e quem arriscar primeiro vai, quase sempre, colher resultados mais cedo.
No fim do dia, continuo a acreditar que o futuro da logística – pelo menos para as PME – está mesmo na capacidade de colaboração. Não é um caminho fácil nem imediato, mas é inevitável. Sozinho, ninguém consegue responder à pressão dos custos, da falta de recursos e das novas exigências do mercado. Quem perceber isto primeiro vai ter uma vantagem clara. E, nesta nova era, joga-se para ganhar… em equipa.
Pedro Ferreira Queimado, Fundador e Consultor Sénior de Eficiência | KronoLog Solutions