Todos nós somos consumidores. Entramos numa pastelaria, pedimos um sumo de laranja natural e damos como garantido que haverá laranjas. Mas, recentemente, deparei-me com um aviso: “Devido à dificuldade no fornecimento de laranja, o sumo natural poderá não estar disponível”.
Como profissional de Procurement, senti imediatamente aquele frio na barriga que só quem já enfrentou ruturas de stock conhece. E pensei: quantas vezes, do lado das operações, já tive de lidar com a imprevisibilidade da cadeia de abastecimento, mesmo em produtos aparentemente “simples”?
O Impacto Invisível da Falta de Matéria-Prima
A falta de matérias-primas não é novidade para quem trabalha na área das Compras. Seja por fatores climáticos, logísticos, políticos ou económicos, a escassez acontece — e, muitas vezes, em produtos que o consumidor nem imagina que possam falhar.
No caso das laranjas, o cenário este verão está longe de ser animador. Os citricultores do Algarve, principal região produtora nacional, já alertaram para uma quebra de produção entre os 30% e os 50%, o que faz disparar o preço de custo. Além de tempestades que fizeram cair muita fruta, a produção foi severamente afetada por uma praga que provoca defeitos epidérmicos na pele das laranjas.
E não são só laranjas.
Já vivi momentos críticos com o vinho, quando a produção falhou devido a fenómenos climáticos extremos ou pragas inesperadas.
Já tive de gerir ruturas de embalagens flexíveis, dependentes de derivados de petróleo, quando as flutuações de preço e disponibilidade no mercado internacional deixavam poucas alternativas viáveis.
E, noutra frente, já enfrentei desafios com produtos de decoração vendidos em supermercados — desde atrasos na produção até dificuldades no transporte, bastando um pequeno imprevisto para comprometer campanhas sazonais inteiras e deixar prateleiras vazias em pleno pico de procura.
Sempre que é preciso colocar a temida etiqueta de “Indisponível”, é o resultado de semanas (ou meses!) de tentativas, negociações, contactos e até algumas noites mal dormidas.
O Papel do Procurement: Muito Além da Negociação
Procurement não é só negociar preços. É antecipar riscos, diversificar fornecedores, criar planos de contingência e, acima de tudo, comunicar — tanto internamente como para os stakeholders externos.
Quando o vinho não chega ao linear, quando a embalagem não aparece na fábrica, ou quando uma coleção de decoração não chega a tempo de uma campanha, somos nós que temos de procurar soluções, gerir expectativas e manter a confiança de todos os envolvidos.
Nestes momentos, a criatividade, a resiliência e a capacidade de adaptação são as nossas maiores aliadas.
Lições de uma Prateleira Vazia
O que estas experiências me ensinaram:
- Nada é garantido — até o que parece “sempre disponível” pode falhar.
- Diversificar fornecedores não é apenas boa prática: é sobrevivência.
- Planeamento e flexibilidade são fundamentais — porque o inesperado é a única certeza.
- As equipas de Procurement são os verdadeiros bombeiros silenciosos das empresas, a resolver problemas enquanto todos esperam que tudo continue a funcionar normalmente.
Conclusão
Da próxima vez que vir uma prateleira vazia ou um produto indisponível, lembre-se: Por detrás daquela realidade está uma cadeia de abastecimento complexa, pessoas a dar o seu melhor e muitos desafios invisíveis aos olhos do consumidor.
Em Procurement, aprendemos que, mesmo quando a vida nos tira as “laranjas”, temos de continuar a procurar soluções – porque o verdadeiro sumo está na resiliência e na capacidade de adaptação.
Paula Sofia Ribeiro | Procurement Manager e apaixonada por Supply Chain